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Hiato

Que com certeza não foi o ser humano quem inventou o tempo, pois ele não teria nem de longe (muito menos quando acha que tem) o poder para tanto. Mas que muito provavelmente foi o ser humano quem inventou a percepção de tempo na forma que a temos hoje, pois o que ele não tem de poder, compensa em megalomania de controle.

E que assim o ser humano inventou os dias, as horas, os minutos, os anos, as décadas e os segundos. E fez incessantes ajustes cá e lá até se sentir razoavelmente satisfeito, e então inventou tudo que foi coisa para poder imprimir valores de tempo em todo lugar e ter uma certeza gráfica de que nunca deixaria de saber, afinal, que horas são agora.

Mas que, como toda grande invenção, essa também acabou muito astutamente se reinventando por si própria, e indo até lugares onde seu inventor jamais imaginaria pisar, pois sequer sonharia existirem em primeiro lugar. E foi assim que o tempo inventou a saudade, a demora e a sensação de que as horas passam rápido demais. Inventou o sempre e o nunca, a expectativa, a pausa e os instantes que ficam eternamente cravados na memória. E não sei se foi ele quem inventou a eternidade, mas com certeza foi quem deu um jeito de deixá-la sempre por lá, pairando no ar, e tendo a cômica garantia de que jamais nenhum ser humano fosse de fato conseguir alcançá-la.

E deixou-nos apenas com a certeza de que não há objeto nenhum capaz de driblar essa ânsia. E a empírica constatação de que é nessas situações que, quanto mais olhamos para o relógio, mais confusos nos quedamos a estar.

Texto por Mariana R. Stefani