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O mesmo outro e o outro mesmo

  Dentre as questões mais curiosas quanto ao fato de um espaço para se sentar diante de uma tela ter se tornado também escritório, espaço de lazer, consultório, sala de aula, sala de estar e mesa de bar, talvez a mais curiosa seja não a agilidade com que nos vemos aprender a navegar por entre as multifacetadas possibilidades, mas, justamente, a simplicidade com a qual o espaço físico se mantém, materialmente, aquilo que sempre foi. A cadeira de almofadas vermelhas no canto do nosso quarto ainda é a cadeira de almofadas vermelhas no canto do nosso quarto e o banco de três pernas da cozinha segue sendo o que e como sempre foi. Sem o menor alarde, como costuma inclusive ser do feitio da mobília doméstica, eles continuam apenas existindo onde sempre estiveram.

Mas o que a gente se pega observando é como cada vez que fazemos mais uma outra coisa no mesmo lugar, essas duas palavras antes tão  antonimamente distantes uma da outra – mesmo e outro –  se embaraçam um pouco mais numa dança que ainda nos parece difícil de compreender. E como por vezes desponta cá e lá um outro no meio de tanto mesmo. E, nessas, deixa a gente pensando sobre de quem está falando quando diz estar há tempo demais na companhia de si mesmo.

Texto por Mariana R Stefani

Viver é ser outro. Nem sentir é possível se hoje se sente como ontem se sentiu: sentir hoje o mesmo que ontem não é sentir – é lembrar hoje o que se sentiu ontem, ser hoje o cadáver vivo do que ontem foi a vida perdida.

Fernando Pessoa