Nossos Princípios

Por uma política linguística para a USP

O Grupo de Trabalho Interunidades Políticas linguísticas para a USP se propõe o objetivo de desencadear a construção permanente de uma política linguística institucional que considere o papel das línguas presentes na universidade no tripé ensino, pesquisa e extensão, bem como sua repercussão na internacionalização e na gestão. 

O GT entende que uma universidade de “classe mundial”, como a USP, voltada para as necessidades sociais, num país capaz de liderança regional, como o Brasil, precisa de uma política linguística consistente e plurilíngue. Tal política, crucial para a relação que a instituição estabelece com as mais diversas áreas de conhecimento, deve ser orientada pelas pesquisas já desenvolvidas na universidade sobre o tema e pelo adequado investimento em sua continuidade e aperfeiçoamento.

Nesse sentido, é fundamental que a USP fomente um plurilinguismo capaz de dar sustento a concepções de formação, pesquisa, extensão, gestão e divulgação do conhecimento compatíveis com sua missão e com o amplo cenário de internacionalização no qual se insere, cenário esse em que circulam diversas línguas locais e não apenas a língua inglesa.

Com o objetivo de iniciar a reflexão sobre as diretrizes linguísticas atuais na universidade, tomamos como referência o documento “Política Linguística da Universidade de São Paulo”, de 1 de agosto de 2018, cuja elaboração foi motivada pelo ingresso da USP no Programa do Governo Federal “Idiomas sem Fronteiras”. Nesse documento, que parece ser o primeiro e único produzido na USP sobre o tema, constata-se a existência de termos vagos e insuficientes para projetar o processo de “construção da política de pluralidade linguística e cultural da USP”, que seria “uma prioridade da instituição”, como nele se afirma. Além disso, a despeito da menção a outras línguas, sua leitura deixa entrever a subordinação do plurilinguismo à internacionalização e, nesse contexto, a priorização da língua inglesa.

É patente, no entanto, o represamento da demanda por línguas na universidade, em parte atendida por iniciativas localizadas, raramente institucionalizadas. A título de exemplo, nos últimos quatro anos, os cursos de língua italiana oferecidos pela AUCANI, coordenados voluntariamente por uma docente da área, têm recebido entre 20 e 50 inscrições por vaga. Experiências desse tipo mostram que a comunidade USP necessita, em sua capacitação para liderança no debate nacional, regional e internacional, de uma política linguística e que essa política deve ser sustentada em sua própria história, considerando e potencializando as relações acadêmicas e as experiências plurilíngues já existentes na universidade.

Uma universidade como a USP, que interage com a sociedade em escala global, merece uma política linguística que tenha o plurilinguismo como fio condutor, na medida em que ele articula os três alicerces ensino-pesquisa-extensão, impactando positivamente na formação do corpo discente, na produção de conhecimento em pesquisa, e na devolutiva que se faz à comunidade. Nesse sentido, o plurilinguismo é a chave para que a visão de ensino de línguas restrita à “prestação de serviços” possa ser superada, para dar lugar a uma concepção que o considere como um eixo que estrutura o funcionamento acadêmico da instituição. 

Feitas as considerações iniciais, cabe deixar registro dos efeitos de mais de 60 anos de investimentos, que projetaram o Estado de São Paulo e o Brasil como liderança internacional no estudo de culturas contemporâneas (no QS University Ranking by Subject, as Línguas Estrangeiras Modernas permanecem, há décadas, entre as 50 melhores do mundo). Neste momento, no entanto, esses Departamentos – tanto da FFLCH quanto da FE – sofrem perdas na área de recursos humanos o que limita bastante seu poder de atuação. Várias ações seriam necessárias para fortalecer a formação nas línguas e culturas ditas modernas e orientais e em português como língua estrangeira/adicional.

A seguir, considerando os três pilares da Universidade de São Paulo, o próprio processo de internacionalização e os vários pontos de interseção entre esses eixos, o GT relaciona objetivos e princípios importantes para uma política linguística plurilíngue da instituição.

I. No escopo do ensino

i) A ampliação de oportunidades de aprendizado de diferentes línguas estrangeiras por parte da comunidade acadêmica das várias áreas do conhecimento na universidade. 

ii) O incentivo à oferta de disciplinas em línguas estrangeiras, incluindo aquelas realizadas na modalidade virtual. 

iii) O fortalecimento da formação de professores e pesquisadores em línguas e seus universos culturais, incluindo português como língua estrangeira/adicional.

iv) O incentivo ao ensino de línguas indígenas, contribuindo para a ampliação do horizonte epistemológico e para a inclusão de estudantes indígenas, via o reconhecimento de suas línguas maternas em diversas instâncias de sua formação.

v) A promoção da acessibilidade linguística em suas diversas modalidades – entre as quais, LIBRAS – contribuindo para a inclusão social. 

vi) A manutenção e o fortalecimento do apoio a programas específicos de internacionalização para discentes e docentes: o Programa Estudante Convênio (PEC-G); o Programa de Mobilidade Internacional da CAPES; o Programa Institucional de Internacionalização/CAPES/Print; o Programa CAPES Mobilidade Acadêmica Regional para Cursos Acreditados (MARCA); o Programa Erasmus de mobilidade acadêmica; os Programas de Escala da AUGM; o Programa Bolsas Brasil PAEC OEA-GCUB, dentre outros.

II. No escopo da pesquisa

i) O reconhecimento e a efetiva implementação do uso de diferentes línguas na apresentação de trabalhos acadêmicos, tanto nas diversas modalidades de iniciação científica (IC, TGI, TCC) quanto em dissertações de mestrado e teses de doutorado, incluindo os procedimentos da banca de defesa. 

ii) O amplo apoio, inclusive financeiro, a demandas de caráter linguístico e/ou cultural, para projetos de pesquisa (por exemplo, a versão para outras línguas de artigos acadêmicos). 

iii) O incentivo para ampliar a produção e a divulgação de conhecimento em diversas línguas, por parte dos pesquisadores de vários campos do saber. 

iv) O apoio a ações desenvolvidas por Núcleos e Grupos de Estudos e Pesquisa sobre processos sócio-históricos de línguas e culturas estrangeiras e em Português para Estrangeiros / como língua adicional, especialmente aqueles que atuam em parceria com a sociedade. 

v) A promoção de debates acadêmicos para subsidiar a revisão e a definição de políticas editoriais de periódicos científicos do Portal de Revistas USP, de modo a ampliar a submissão e a publicação de artigos científicos em distintos idiomas estrangeiros. 

vi) O incentivo e apoio financeiro à organização de eventos científicos com divulgação e apresentações em diferentes línguas estrangeiras. 

vii) O aumento e projeção de cátedras internacionais na Universidade, com ações efetivas para incentivar sua implementação e funcionamento. 

III. No escopo da extensão

i)   O estabelecimento de um plano de trabalho conjunto com a Reitoria, inclusive com apoio jurídico, com vistas à revitalização e ampliação da capacidade de ação do Centro Interdepartamental de Línguas/CIL (https://clinguas.fflch.usp.br/), da FFLCH, e do Centro de Estudos e Pesquisas em Ensino de Línguas/CEPEL (http://www4.fe.usp.br/cepel/apresentacao), da FE, e do Laboratório de Letramento Acadêmico / LLAC (https://dlm.fflch.usp.br/laboratorio-de-letramento-academico-llac), da FFLCH. Todas essas instâncias, que inclusive funcionam como fontes para a delimitação de objetos e corpora de pesquisa, ampliam as possibilidades de competencialização da comunidade USP em línguas estrangeiras/adicionais e desempenham um papel fundamental no fortalecimento das licenciaturas, ao abrigarem diferentes modalidades de “Iniciação à docência”, que são essenciais para a formação de uma parcela importante dos estudantes.

ii) O apoio jurídico e administrativo para dar continuidade a projetos tais como “Desenvolvimento de alunos e professores: interfaces entre o ensino de línguas e a formação docente”, da FFLCH, e para retomar outros cursos extracurriculares de línguas que visem a ampliar iniciativas já existentes e a criar novas propostas para dar resposta a demandas de estudantes, de funcionários e de instituições públicas externas à USP, permitindo o desenvolvimento de ações em diversas modalidades. 

iii) O suporte ao ensino de línguas estrangeiras na Escola de Aplicação, recompondo o quadro docente necessário. 

v) O apoio a projetos com imigrantes, refugiados e apátridas, incluindo cursos de língua portuguesa e cultura brasileira e cursos de idiomas estrangeiros sob o reconhecimento de que tais projetos implicam uma troca e consequente contribuição intelectual no plano do plurilinguismo e da interculturalidade.

vi) O estreitamento de parcerias com entidades internacionais promotoras de diferentes línguas e culturas.

vii) O incentivo à oferta de atividades de extensão em línguas diversas.

viii) O reconhecimento e estabelecimento do conceito de extensão internacional e consequente capacitação do corpo funcional, docente e discente para atuar em diversos idiomas.

IV. Em termos de construção e fortalecimento da internacionalização 

i) O apoio e a ampliação de convênios internacionais com universidades de distintas regiões do mundo com efetivo intercâmbio nas línguas desses países.

ii) O apoio a políticas de tradução que contemplem as línguas nas diversas práticas da Universidade, privilegiando a qualidade das versões nas respectivas línguas, de modo a assegurar que as traduções sejam feitas diretamente da língua original por profissionais especializados.

iii) O fortalecimento das iniciativas do Centro Interdepartamental de Tradução e Terminologia (CITRAT) (https://citrat.fflch.usp.br/), entre cujos objetivos cabe destacar a constituição de um serviço de documentação relativo às atividades científicas, culturais e profissionais da tradução e da terminologia do país; o levantamento e constituição de acervo de textos científicos e culturais brasileiros traduzidos para idiomas estrangeiros; a investigação de métodos e tecnologias apropriadas para a condução de trabalhos de tradução e terminologia.

iv) O fortalecimento de uma rede produtiva de intercâmbio entre as Comissões de Internacionalização das respectivas unidades da universidade tanto entre si quanto com relação à Agência USP de Cooperação Acadêmica Nacional e Internacional/AUCANI (http://www.usp.br/internationaloffice/). Essa rede pode articular ações coletivas de acordo com as diretrizes que este documento aponta, sobretudo no que se refere à afirmação de uma universidade internacionalizada e plurilíngue.

v) O aperfeiçoamento do repasse de recursos que possibilitem o desenvolvimento de projetos em cada Comissão de Internacionalização das unidades, bem como a realização de eventos diretamente relacionados a esse processo de internacionalização. 

vi) A implementação de canais de comunicação em línguas estrangeiras (portais, sites, redes sociais, atendimento plurilíngue).

vii) A publicação de material informativo sobre a universidade em línguas estrangeiras.

viii) A disponibilização, quando necessário, de documentos acadêmicos (histórico escolar, diploma, declarações diversas) em línguas estrangeiras além do inglês. 

ix) A criação de condições para que o corpo de funcionários se internacionalize bem como para a pontuação em processos de progressão funcional. 

x) O apoio a iniciativas linguísticas e culturais de grupos de estudantes internacionais.

xi) A adequação técnica para o devido registro das línguas em que as disciplinas são oferecidas.

O GT também considera altamente relevante que a Universidade de São Paulo dê atenção aos diversos setores contemporâneos que deixam registro, na língua, de demandas em torno da inclusão de gênero, origem étnica, orientação sexual, condições físicas e mentais, entre outras, de modo a promover o reconhecimento, a consideração e o respeito, por meio de variados recursos linguísticos, da diversidade de várias ordens. Desse modo, como tantas instituições e universidades do mundo e do Brasil, a USP precisa, além de incentivar o debate sobre linguagem inclusiva, produzir orientações relativas a seu funcionamento nas várias instâncias da vida universitária.

O GT Interunidades dará prosseguimento a seus trabalhos e se coloca à disposição dos dirigentes da Universidade para discutir a possibilidade de criação de uma “Comissão de Políticas Linguísticas”, que instaure o debate junto à comunidade acadêmica e efetivamente chegue a elaborar uma política linguística da USP no cenário regional, nacional e internacional. 

São Paulo, 25 de fevereiro de 2022 

Grupo de Trabalho Interunidades “Políticas linguísticas para a USP”