Por Giovanna Lukesic Reis
Em tempos de escassez de água, pesquisas que resultam em métodos de economia desse recurso são fundamentais. É o caso da pesquisa feita pelo Núcleo de Pesquisa em Geoquímica e Geofísica da Litosfera (Nupegel) da USP, em Lins e Piracicaba, sobre irrigação de solos agrícolas utilizando os resíduos do tratamento de esgoto.
A técnica desenvolvida apresenta três resultados principais: primeiro, possibilita a economia de água e de fertilizantes minerais nitrogenados; segundo, evita que as águas residuárias do tratamento de esgoto sejam despejadas diretamente em rios; e, terceiro, ainda aumenta a produtividade das culturas irrigadas com esses efluentes.
Em um dos experimentos com cana-de-açúcar, a produção foi 60% maior que a média da produção sem irrigação para o estado de São Paulo no ano avaliado, segundo o professor Adolpho Melfi, responsável pela pesquisa, coordenador do núcleo e ex-reitor da USP (2001-2005). Na cultura de capim, economizou-se de 32% a 81% da fertilização nitrogenada mineral no ano mais chuvoso (menos irrigação) e mais seco, respectivamente. “Em todos os casos, a irrigação com efluente aumentou [o rendimento da cultura] em relação àquele sem irrigação ou mesmo com irrigação com água”, conta Melfi.
De acordo com os pesquisadores, trata-se de um estudo de extrema importância para o setor agrícola, o qual consome, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), cerca de 70% da água do país em irrigação. O crescimento do agronegócio, principalmente em São Paulo, é um agravante da situação, pois faz com que o interesse por áreas irrigadas aumente, uma vez que elas geram mais alimentos, fibras e combustíveis. A utilização de resíduos de esgotos tratados apresenta um grande potencial justamente porque substitui a água doce na irrigação de certas culturas, o que possibilita a grande economia desse recurso.
Existem diversos tipos de tratamento de esgoto e, em princípio, todos eles podem ser usados na irrigação. No caso do projeto do Nupegel, foram usados dois processos biológicos: o primeiro, por lagoas de estabilização, no qual os esgotos são degradados por bactérias e utilizando energia solar.
No segundo tratamento, chamado Sistema de Reatores Anaeróbios de Fluxo Ascendente com Manta de Iodo (UASB), também são utilizadas bactérias, mas com o esgoto é tratado em reatores que funcionam com energia elétrica.
Os pesquisadores utilizaram os resíduos tratados nas culturas de milho, cana de açúcar, laranja, girassol e café. No caso da cana de açúcar, em um dos experimentos, a produção aumentou 60%. Na cultura de uma espécie de capim, economizou-se de 32% a 81% da fertilização no ano mais chuvoso (menos irrigação) e mais seco, respectivamente.
Apesar de ser uma alternativa viável e interessante dos pontos de vista ambiental, econômico e social, a técnica é quase inexistente no Brasil, ao contrário do que se vê nos Estados Unidos, Israel e Austrália. Segundo o professor Melfi, é uma área relativamente nova para a qual não existe ainda uma legislação específica, por isso são necessários estudos sistemáticos sobre o impacto dessa técnica no solo, nas plantas, na água e na atmosfera para que haja regulamentação e permita sua implantação.
Segundo os pesquisadores, em projetos de utilização de esgoto tratado na irrigação de culturas, deve-se estar atento a possíveis modificações no ambiente, positivas ou negativas. Por isso, foram avaliados, nos diversos experimentos, os impactos da irrigação nas propriedades físicas, químicas e físico-químicas do solo, na produtividade das plantas, no balanço nutricional e na fertilidade do solo. Por fim, foi realizado um estudo sistemático das emissões de gases de efeito estufa pelos solos irrigados com água e com efluente.
Há três pontos importantes para se ressaltar: os organismos que causam doenças presentes nos esgotos tratados não oferecem riscos pelo fato de as culturas irrigadas terem obrigatoriamente de passar por processamentos industriais antes de serem utilizadas pelo homem. A espécie de capim utilizada, por exemplo, só é consumida pelo gado após a produção de feno.
Outro ponto é com relação ao sódio, o qual, apesar de sua alta concentração no efluente – o que poderia causar efeitos negativos sobre as propriedades físicas do solo –, nos períodos de chuva, é naturalmente lavado e arrastado pela água. Se necessário, é possível ainda minimizar seus efeitos com a aplicação do gesso agrícola, utilizado para corrigir o solo. Finalmente, por serem esgotos domésticos, os metais pesados, quando presentes, apresentam teores abaixo dos valores restritivos impostos pela legislação e pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
“Existem vários projetos no Brasil sobre isso, mas acho que estudando nesse período de tempo tão longo, 14 anos, avaliando todas essas características, estudando solo, planta, atmosfera, água superficial e subterrânea, [o nosso] seja, provavelmente, um projeto ‘pioneiro’”, comenta a professora Célia Rocha, vice-coordenadora do Nupegel.
O projeto é fruto de uma parceria entre a USP e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), com apoio financeiro e bolsas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior (Capes) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Além dos resultados positivos do ponto de vista ambiental e econômico, o projeto teve o mérito de permitir a formação de recursos humanos em um setor ainda carente de especialistas”, comenta Melfi.
Mais informações: com o professor Adolpho Melfi, telefone (19) 3429-4171 e-mail ajmelfi@usp.br