Cultura preenche lacunas no ensino da evolução no Brasil

Explicações não científicas para a evolução das espécies entre jovens do ensino básico não são consequência direta de influência religiosa.

Por Bruno Almeida Vaiano

Análise dos conhecimentos de jovens brasileiros e italianos acerca da teoria da evolução das espécies de Charles Darwin confirma indicadores educacionais superiores do país europeu e revela detalhes da convivência entre ciência, religião e cultura na construção do conhecimento dos jovens.

A pesquisa é parte do doutorado de Graciela Oliveira, orientada pelo professor Nelio Bizzo, ambos do Núcleo de Pesquisa em Educação, Divulgação e Epistemologia da Evolução Biológica (EDEVO-Darwin) da USP. Dados inéditos e de abrangência nacional, concentrados em estudantes de 15 anos, foram recolhidos em 78 escolas e colégios brasileiros. Foi então feita análise comparada com informações sobre jovens italianos apuradas simultaneamente pelo grupo do professor Giuseppe Pellegrini, da Universidade de Pádua, na Itália.

A relação entre ciência e crença no conhecimento dos estudantes tem características notavelmente diferentes nos dois países: na Itália, onde noções básicas da teoria evolutiva são apresentadas às crianças desde as séries iniciais, visões de mundo religiosas e acadêmicas convivem na mente dos estudantes, que se posicionam frente às contradições. “Mesmo entre os jovens italianos, que demonstraram maior conhecimento e disposição para explicar os fenômenos naturais a partir da evolução biológica, persistem explicações sobrenaturais para a origem do ser humano”, explica Graciela.

No Brasil, por outro lado, explicações provenientes do contexto cultural dos estudantes tendem a preencher as lacunas deixadas pelo ensino deficitário. “Nosso país tem muito a melhorar para alcançar o grupo das nações com bom nível educacional”, afirma Nelio. Grande parte dos estudantes brasileiros na faixa etária da pesquisa não possuía bases conceituais claras, o que impossibilita um posicionamento mais assertivo sobre os temas.

A solução é aumentar o contato dos jovens com conceitos fundamentais das ciências desde o ensino fundamental. “Ainda restariam jovens religiosos resistentes à teoria evolutiva, mas possivelmente um número menor demonstraria desconhecer o tema”, diz Graciela.

Nos dois países, estudantes evangélicos tendem a apelar mais a explicações sobrenaturais, principalmente no que diz respeito à origem humana. Graciela enfatiza, porém, que tais preferências não devem ser interpretadas necessariamente como posicionamentos definitivos e dogmáticos. “Existe uma rede de fatores sociais, culturais e científicos que atuam em conjunto e que estão associados às opiniões dos jovens sobre a teoria evolutiva”.

Método
Houve incentivo à integração entre academia e ensino básico na relação com as instituições pesquisadas, que receberam relatórios completos sobre o desempenho de seus alunos, incluindo comparações com os dados nacionais.  “[A pesquisa] trouxe a relação entre universidade e escola pública para outro patamar ético”, afirma Nelio. “Nós planejamos a interação de modo a tratar as escolas verdadeiramente como parceiras, com benefícios recíprocos”.

Outra novidade foi o sincronismo com um grupo de pesquisa coordenado pelo professor Giuseppe Pellegrini que permitiu colher, entre adolescentes italianos, dados de representação nacional do mesmo período com o mesmo instrumento.  A análise das respostas de mais de oito mil estudantes ao redor dos 15 anos permitiu importantes conclusões comparativas sobre o ensino e a aprendizagem da ciência por jovens que estão iniciando o ensino médio nos dois países.

Além desses dois estudos complementares, os dados de um terceiro já estão em processamento no EDEVO-Darwin. O pesquisador Adrián Soria, orientado pelo professor Nicolás Cuvi, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), do Equador, apresentará, em seu mestrado, dados sobre o conhecimento das teorias de Darwin por estudantes das Ilhas Galápagos, arquipélago onde o cientista britânico fez, em 1835, observações essenciais para o desenvolvimento de sua teoria da seleção natural.

Será que um dos mais influentes pesquisadores da história da ciência iria se orgulhar dos resultados? Esperamos que sim: “Não entender a evolução significa não entender a diversidade biológica, o que compromete a atuação cidadã”, explica Nelio com um simples exemplo: “Se um médico não entende evolução biológica, não pode prescrever um antibiótico”.

Mais informações: (11) 2065-8100, (11) 3091-8132, e-mails edevo.darwin@gmail.com, bizzo@usp.br, site www.mz.usp.br/?page_id=188