Por Bruno Vaiano
Se você estiver trabalhando em um escritório enquanto lê essa matéria, há uma boa chance de que a última vez que tenha trocado algumas palavras com seu cônjuge ou filho tenha sido logo antes de sair. Houve, no máximo, uma ligação na hora do almoço. Sua avó talvez não ouça sua voz desde o final de semana. Será que está tudo bem?
“O que você acha que, em 50 anos, as pessoas vão considerar a coisa mais absurda dos dias de hoje?”, pergunta Alexandre Chiavegatto Filho, professor e pesquisador da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. “As nossas avós podem ter morrido há uma hora, e não fazemos ideia disso. Pode ser que daqui a uma semana a gente morra, mas estamos aqui, trabalhando”.
Alexandre é especialista em Big Data, área que envolve o processamento e a análise de qualquer quantidade de dados que esteja muito além do alcance dos métodos tradicionais disponíveis. É uma definição efêmera: “As pessoas demoravam dias e dias para analisar uma regressão que agora eu faço em dois segundos”. O que é pouco hoje, um dia foi muito.
As conclusões tiradas do cruzamento de quantidades imensas de informação tem tudo para gerar uma verdadeira revolução na área da saúde nos próximos anos: percepção instantânea de alterações bioquímicas no corpo, piso detector de tombos (que inclusive liga para o resgate) e a prescrição de remédios específicos para determinadas parcelas da população são algumas das inovações permitidas pelo Big Data. É aqui que entram nossos avós.
Internet das coisas
Há potencial para que o assoalho de uma casa possa, através de sensores, avisar os serviços de emergência do desmaio ou queda de uma pessoa. Um marca-passo pode identificar alterações bioquímicas incipientes que prevejam a evolução futura de problemas médicos. Tudo conectado a grandes bases de dados.
A ideia de que objetos do cotidiano com acesso à internet possam coletar e analisar constantemente informações sobre o nosso interior e entorno, conhecida como “Internet das coisas”, depende totalmente da possibilidade de processar muita informação muito rápido, ou seja, Big Data. Na saúde, a aplicação generalizada desses métodos nos permitirá prever, com um pouco de antecedência, um risco iminente de óbito.
Prontuário inteligente
Há muitas vantagens na adoção de prontuários eletrônicos, em que os resultados de exames, doenças, alergias e diagnósticos de milhões de pacientes da rede pública de saúde fiquem registrados e possam ser comparados. Alexandre comenta a possibilidade de um surto de dengue em uma rua qualquer: “Você não vai ficar sabendo imediatamente. A Secretaria de Saúde não vai ficar sabendo imediatamente. Essa informação dos prontuários poderia ser transmitida imediatamente. Esses dados são gerados em algum lugar, mas não há acesso integrado a eles.”
Com a adoção de tecnologia para a análise rápida dos dados de prontuários seria possível calcular a abrangência e evolução de uma doença e informar automaticamente os órgãos governamentais responsáveis pelas medidas subsequentes. Também seria fácil calcular a localização perfeita para um hospital e as especialidades em que ele deve se concentrar de acordo com o perfil social e médico dos moradores de uma cidade ou de um bairro. Hoje, “as decisões de saúde são tomadas por meio de intuição, por meio de interesses individuais”, afirma o pesquisador.
Outras possibilidades de aplicação estão no cruzamento entre dados de saúde e de outras áreas da gestão das cidades: “Se você começa a ter muitos problemas respiratórios, pode ser sinal de que há muita poluição na região”, explica o pesquisador, que também cita a memória dos idosos. A grande quantidade de remédios prescritos e doenças acumuladas ao longo dos anos são um desafio para a memória do paciente. A lista registrada de maneira analógica não só desperdiça tempo de atendimento, mas aumenta a possibilidade de erro e prescrição de tratamentos inadequados. Por isso, a integração e compartilhamento de informações entre instituições de saúde é tendência.
O sonho do remédio próprio
As aproximações geradas pelos métodos estatísticos comuns não conseguem lidar com grau de especificidade suficiente para tornar as prescrições médicas tão eficientes quanto poderiam ser: “Não é feito para você, é uma média”, explica Chiavegatto sobre os remédios. Ter 80% de chance de desenvolver uma doença, na maior parte dos casos, significa simplesmente que 80 entre cada 100 pessoas a desenvolveram, mesmo que nada te impeça de ter nascido imune por fatores genéticos.
Alcançar 100% de personalização é impossível, mas taxas altas já significariam economia de tempo e dinheiro. “Ao invés de ser um remédio para todo mundo, eu consigo um remédio para homens jovens”, exemplifica o pesquisador. “Já está melhor. Se havia um remédio que funcionava para 10% da população e só 1% dos homens jovens, agora eu faço um remédio específico que funcione para 80% desses homens”.
O Big Data se tornará, em alguns anos, uma chave para a racionalização da saúde pública. A possibilidade de cooperação internacional e o uso de terminais remotos compartilhados por várias instituições, com capacidade de processamento e armazenamento muito superiores às de computadores comuns, será somada às políticas de acesso de informação e a crescente cobrança da sociedade por esses dados.
“Não há uma área da ciência hoje que não use estatística. Eu acho que o Big Data eventualmente também vai ser incorporado por todas as áreas.” Com tantas vantagens, esperamos que isso aconteça logo.
Para saber mais sobre Big Data, Alexandre ministrará um curso online gratuito sobre o tema através de uma parceria entre a plataforma Coursera e a USP. Para maiores informações, acesse www.coursera.org/usp