Cai em 60% o número de variedades de feijão comercializadas

Diferenças no modo de produção e distribuição dos grãos foram determinantes para a redução. Apesar do consumo ter caído quase 50%, alimento ainda é símbolo nacional.

Por Igor Truz, da Agência Universitária de Notícias

Símbolo da alimentação nacional, o feijão sofreu uma vertiginosa queda nas variedades consumidas no Brasil nas últimas quatro décadas. Dados apontam que, de 1973 até 2009, os nomes de feijões comercializados em território nacional caíram de 395 para 149. Mais do que isso, no mesmo período, a queda registrada na quantidade consumida foi de 49%.

Segundo a historiadora Adriana Salay Leme, uma das principais razões para os números é a forma como o feijão passou a ser produzido e comercializado, concentrado principalmente em grandes empacotadoras e redes de supermercado. A introdução do feijão-carioca também teria sido determinante para as mudanças no padrão de consumo.

“Ele [feijão-carioca] é uma variedade muito recente, de meados da década de 1970. Tanto é que nem é mencionado nos dados pesquisados em 1973, ponto inicial do estudo”, explica a historiadora. De acordo com ela, o novo grão foi incentivado pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e pelo IAC (Instituto Agronômico de Campinas) por sua alta produtividade, e acabou ganhando o mercado, tornando-se protagonista na mesa de todo Brasil enquanto muitas variedades regionais deixaram de existir.

O outro ponto de destaque para explicar a queda na quantidade consumida de feijão é a mudança nos padrões de alimentação tanto nas áreas metropolitanas como na zona rural brasileira. Os números apontam que, enquanto o consumo de feijão cai, a variedade de outros alimentos, como carne, macarrão e produtos industrializados, é cada vez mais frequente na mesa dos brasileiros.

O tema foi explorado por Adriana em sua dissertação de mestrado Feijão, dono das tradições: representação identirária e consumo efetivo no Brasil (1973-2009) , desenvolvida no departamento de História da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas).

“Na graduação trabalhei com o processo de independência na América Latina e comecei a me interessar pelo tema da identidade nacional. Ao mesmo tempo, cursei a matéria História da Alimentação, do professor Henrique Carneiro, e achei o tema interessante e pouco explorado no campo da História. Assim, procurei problematizar a questão do debate nacional dentro da alimentação”, explica a historiadora.

Semelhança

Além da análise de números do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), da Embrapa e da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), Adriana também analisou a historiografia e documentos, como cadernos de viagens, para pesquisar como o feijão ganhou a proporção de símbolo nacional.

A historiadora afirma que é importante destacar o fato de que, apesar do feijão ser consumido na Europa e na América antes mesmo da colonização, os tipos de grãos presentes nos dois territórios era significativamente diferente. Na Europa, as espécies consumidas eram de origem asiática e africana. Pela semelhança, aqueles grãos passaram seu nome para as variedades presentes no Brasil.

Segundo Adriana, as espécies presentes em nosso território já eram conhecidas e cultivadas pelos povos indígenas. No entanto, o feijão não era o principal prato e servia de reserva para os grandes alimentos: milho e mandioca, dependendo da região.

“Quando os portugueses chegaram, encontraram neste alimento uma semelhança do que havia em sua terra natal, passando a cozinha-los da mesma forma que faziam lá, com caldo, diferente dos nativos que consumiam mais seco”, explica a pesquisadora. O modo de preparo tornou o consumo de feijão mais interessante e ele teve um aumento paulatino com o passar dos anos. No século 19, ele já era considerado um dos principais alimentos do país.

Protagonismo

O estudo contextualiza que, no mesmo século 19, a independência do Brasil trouxe uma unidade política para a nação, mas não uma identidade coletiva. Por mais que o Brasil estivesse registrado no papel, os brasileiros ainda se identificavam muito mais com os costumes regionais do que com a ideia de país.

Para tentar criar a noção do tamanho do Brasil, ao longo dos séculos 19 e 20 algumas ferramentas foram utilizadas, como o relato de viajantes. O crescimento deste gênero literário fez crescer também o retrato da mesa brasileira dentro das narrativas e, dentro delas, o consumo de feijão.

“Entendo como ponto central da construção desta identidade, de boa parte da ‘brasilidade’, o período modernista (1922-1945). Aqui, os atores buscavam mostrar como era esse país e tentavam construir uma imagem única dele. O feijão, que já era retratado como fundamental na alimentação, entra como protagonista neste processo, como expoente para falar da nação no prato”, explica Adriana.

Para a historiadora, apesar das recentes mudanças, o feijão ainda é um símbolo nacional.

“A queda não é apenas na variedade, mas também na quantidade consumida. O feijão vem com uma mudança de consumo nos últimos 40 anos. Porém, o discurso sobre o comer do brasileiro ainda não acompanha essas mudanças, que são lentas ao longo dos anos, e ele ainda é considerado o dono das tradições”, conclui.

A matéria original está disponível no site da AUN.