Relatos policiais determinam condenações por tráfico

Pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência analisa excesso de prisões provisórias e revela casos de condenações por tráfico de drogas baseadas somente em relatos de policiais.

Por Leonardo Mastelini, da Jornalismo Júnior (ECA/USP)

A atual política de drogas é ineficaz e gera encarceramento em massa. É o que constata pesquisa realizada no Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP, concluída em 2011. Através de análises sobre os discursos dos profissionais do sistema de justiça criminal, o estudo procurou compreender a relação e os desafios entre a lei de drogas e a prisão provisória.

A abordagem revelou que muitas pessoas são presas com pouca quantidade de droga — o equivalente a um “saquinho de queijo ralado”, segundo a coordenadora da pesquisa, Maria Gorete Marques. Apesar disso, os juízes decidem por manter essas pessoas presas e, na quase totalidade dos casos, condenam-nas por tráfico. Os motivos para essa condenação são diversos e abstratos, como a “garantia da ordem pública” e “defesa da sociedade”, e não necessariamente baseados em provas.

Uma das razões por essas decisões subjetivas é embasamento no testemunho policial. Levantamentos feitos pela equipe do NEV apontaram que muitas decisões judiciais eram baseadas apenas nas narrativas da Polícia, sem nenhuma outra testemunha do caso ou provas que pudessem elucidar os fatos, incentivando assim decisões tendenciosas e pouco democráticas. Outro resultado foi, no mínimo, surpreendente: policiais entrevistados reconheceram a ineficácia da “guerra às drogas”, adotando a legalização como uma alternativa interessante. Segundo esses profissionais, com os métodos atuais eles estão “enxugando gelo” e, deste modo, há a necessidade de se tomar ações diferentes.

Para tanto, o estudo realizou pesquisas nos autos de prisão em flagrante e foi a campo acompanhar audiências de instrução e julgamento. A equipe se fundamentou em uma série de entrevistas com policiais militares, policiais civis, promotores, defensores e juízes. Até mesmo um workshop com os profissionais da justiça criminal foi realizado. “Todos expressaram a necessidade de saber qual era o resultado do trabalho que desempenhavam, já que não conseguem perceber no dia a dia”, explicou Maria, “por isso achamos importante fazer o workshop, a fim de dar um retorno quanto aos dados da pesquisa e ouvir a opinião dos atores envolvidos na aplicação da lei”.

O objetivo inicial da pesquisa foi compreender como a Lei 11.343/2006 estava sendo aplicada e analisar o uso excessivo da prisão provisória nos casos envolvendo drogas. Decretada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, a lei prescreveu medidas para a prevenção do uso indevido de drogas e elevou substancialmente a população carcerária após 2006, sem atingir, contudo, os grandes traficantes.

Segundo Maria, os resultados contribuíram para reafirmar que não é com repressão ou políticas ostensivas que a atual política de drogas deva ser tratada. “Há várias propostas de mudanças que não são colocadas no debate público. Diversos países têm ampliado essa discussão, o Brasil ainda não conseguiu avançar. A pesquisa reforça a necessidade de repensarmos a política atual de drogas”, afirma a pesquisadora.

Intitulado “”Prisão provisória e lei antidrogas no Brasil: identificando os obstáculos e oportunidades para maior eficácia”, o estudo fez parte do acervo de pesquisas do Núcleo de Estudo da Violência (NEV-USP) e foi financiado pela organização internacional Open Society Foundations. Além de Maria Gorete Marques, a equipe contou com Amanda Hildebrand, Pedro Lagatta e Thiago Thadeu da Rocha.