Cúrcuma tem efeitos terapêuticos, mas não substitui flúor

Substância, agente de combate ao câncer oral gerado por HPV, não substituí a eficiência comprovada do flúor, conquista da saúde pública, na higiene bucal básica.

Por Bruno Vaiano

Turmérico, açafrão-da-terra, gengibre amarelo ou, termo disseminado após uma recente polêmica odontológica nacional, cúrcuma. Esses são todos nomes de um condimento e corante típico da culinária indiana que é presença garantida na nossa rotina alimentar: está na maior parte dos molhos de mostarda que colocamos no cachorro quente, e é base do famoso curry, que também leva, entre outros temperos, gengibre tradicional, cominho e noz-moscada. Recentemente, algumas de suas propriedades terapêuticas foram colocadas como sendo também um excelente substituto para as pastas de dente tradicionais com flúor. Pesquisadores e as próprias estatísticas, porém contestam sua visão negativa do flúor.

O artigo “Curcumin modulates cellular AP-1, NF-KB, and HPV16 E6 proteins in oral cancer” (Curcumina modula proteínas celulares AP-1, NF-KB e HPV16 E6 no câncer oral), oriundo de pesquisa liderada pelo indiano Alok Mishra e sua equipe, revela algumas propriedades interessantes da substância. “O mais interessante na curcumina são seus efeitos sobre várias doenças”, afirma Mishra, cuja pesquisa foi financiada pelo Indian Council of Medical Research (Conselho Indiano de Pesquisa Médica). Sua principal descoberta foi o efeito de contenção que a substância tem sobre o Papilomavírus humano, causador de câncer oral. Em entrevista concedida ao portal “eCancer News”, o indiano afirma: “O turmérico tem propriedades antivirais e anticancerígenas estabelecidas, e, de acordo com nossas descobertas, podemos dizer que ele é bom para a saúde oral também”. Ele afirmou, porém, não poder, devido ao enfoque de sua pesquisa, fazer alegações sobre possíveis vantagens do uso culinário da substância.

O médico, hoje pesquisador associado à Escola de Medicina da Universidade de Emory, em Atlanta, nos EUA, foi entrevistado pela Pró-Reitoria de Pesquisa da USP, e achou curiosa a repercussão do tema no Brasil: “Eu estou, para falar a verdade, surpreso que as afirmações sejam tão importantes para a discussão. Alegações científicas sobre saúde pública não devem ser feitas por pessoas não associadas à ciência. Para alcançar esse tipo de afirmação precisamos de estudos mais aprofundados”.

Silvia Lourenço, professora da Faculdade de Odontologia da USP, discordou, comentando a importância do flúor para a evolução da saúde pública no Brasil. “Você tem restauração?” – perguntou para o repórter, mais novo, ouvindo um “não” como resposta – “A sua geração não tem, porque tem fluoretação na água. Eu tenho um monte disso”.

“Nós temos bases científicas para dizer qual dose que vai ser adicionada na água pública para as pessoas consumirem de uma forma segura”, afirmou a pesquisadora, citando as regulamentações e especificações técnicas que regem a medida. Nossa redação buscou estudos que revelassem regulamentação inadequada na aplicação do elemento químico à água. Um artigo intitulado “Controle operacional da fluoretação da água de Niterói, Rio de Janeiro, Brasil”, publicado em 2003 por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e de outras universidades federais, revelou que 96% das amostras de água analisadas na cidade apresentavam discrepâncias em relação ao estabelecido pela legislação, embora a estação de tratamento responsável tenha informado seguir rigorosamente os parâmetros estabelecidos.

Outra pesquisa, esta mais recente, de 2010, avaliou a fluoretação da água distribuída na Ilha de São Luís do Maranhão. Pesquisadores da Universidade Federal do Maranhão revelaram que apenas uma estação de tratamento da região, a de Italuís, estava dentro dos índices aceitáveis para a prevenção de cáries. Os teores de flúor considerados “ótimos” para a prevenção da cárie dental devem ser, na maior parte do território brasileiro, 0,7 mg de flúor por litro, com pequenas variações. Todos os problemas identificados, porém, seriam solucionáveis através de fiscalização mais severa, e os artigos foram unânimes em reafirmar a posição da fluoretação como uma das dez maiores conquistas da saúde pública no século 20.

“O índice de fluoretação da água é baseado na temperatura local e no consumo, que é para não exagerar”, explica Silvia. “Não é toda cidade do Brasil que tem fluoretação na água, infelizmente. Há uma busca constante para que isso seja universalizado, porque é um bem enorme para a sociedade.”

Ao abordar a crítica especifica aos componentes das pastas de dente, Silvia lembra a fiscalização de órgãos como o Conselho Federal de Odontologia (CFO) e os conselhos regionais de odontologia, no caso de São Paulo, o CROSP. “Há muita ciência por trás do que é comercializado, e existem órgãos que regulamentam isso. Isso tudo passa por um crivo que é cientifico e legal”. O flúor, como a maior parte das substâncias com fins terapêuticos, pode ser benéfico ou não de acordo com as doses consumidas.