Por Jornalismo Júnior ECA-USP
Notícias, imagens e vídeos de situações envolvendo violações dos direitos humanos são cada dia mais recorrentes. Isso acontece, em grande parte, em razão de um maior engajamento da sociedade em torno de questões humanitárias em relação ao passado. Hoje em dia, abusos contra comunidades marginalizadas, moradores da periferia, idosos, crianças e outros grupos que demandam maior proteção, por exemplo, são menos aceitos pelo cidadão.
Atualmente, com qualquer pessoa podendo gravar o que ocorre por meio de telefones celulares e câmeras portáteis, monitorar transgressões torna-se bem mais fácil que há 20 anos, quando as fontes eram poucas e o interesse menor. Foi nessa época de pouca informação das violações aos direitos humanos que pesquisadores do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da USP deram início à pesquisa de monitoramento desses delitos.
A pesquisa iniciou-se por meio da liderança de Paulo de Mesquita Neto, falecido em 2008, e procurou abordar o tema com base nas questões sociais e econômicas. Além disso, houve um esforço para procurar compreender a situação de minorias – como LGBTs e pessoas com deficiência – e de faixas etárias que deveriam ser melhor amparadas pela lei, como pessoas idosas, adolescentes e crianças.
“Buscaram-se principalmente indicadores que poderiam ser utilizados de maneira constante e consistente em todos os estados brasileiros, permitindo não só uma avaliação dos avanços de um estado em relação ao outro, mas de cada estado em relação a si mesmo”, relata Renato Alves, um dos pesquisadores do projeto, sobre a forma como as informações foram pesquisadas e sistematizadas pelo NEV. Ele lembra, também, que a maioria das fontes possuía essas informações, mas não de formas organizadas.
No primeiro trabalho, procurou-se estabelecer alguns padrões para uma futura comparação com os trabalhos posteriores. Cada publicação abrangeu um período de três anos, com cinco edições entre 1995 e 2010. Esse trabalho de médio prazo permitiu que a cada edição novas informações fossem abordadas e que se pudesse acompanhar o que cada estado e o governo federal procuraram fazer para resolver os problemas abordados ao longo dos anos.
“O trabalho de pesquisa começou com um levantamento do banco de dados de websites e relatórios nacionais e internacionais de sindicatos de jornalistas, da Anistia Internacional. Ainda buscamos falar com ONGs e entidades defensoras de direitos humanos”, destaca Alves. Segundo ele, a amplitude das fontes permitiu ao trabalho abordar diferentes escopos e aumentar o banco de dados do NEV, que também foi referência importante para o estudo.
As pesquisas apontaram para vários fatores importantes. Por exemplo, ao longo dos 15 anos, presenciou-se um aumento do registro de desrespeito aos direitos humanos. Contudo, muito disso teria sido em consequência do recente monitoramento que registrava os casos em todo o país. Apesar desse crescimento, também foi observado um aumento das estratégias para resolver esses problemas e o aprimoramento de políticas públicas já existentes.
Outra observação relevante foi o crescimento do número de políticas públicas destinadas a grupos marginalizados, como cotas e programas de distribuição de renda. Essas ações permitiram uma melhora na condição socioeconômica e, consequentemente, no cumprimento dos direitos dessas populações, que passaram a ter acesso a informações inacessíveis anteriormente. Isso também teve influência em um crescimento do número de denúncias de violência policial, pois, antes, os abusos eram cometidos e não registrados.
O trabalho também influenciou o surgimento de novas instituições que procuravam se organizar para denunciar as graves violações aos direitos humanos no início dos anos 2000 – geralmente violências mais específicas, como contra crianças, mulheres ou idosos. Com o tempo, essas novas organizações começaram a produzir materiais de ótima qualidade, o que levou os pesquisadores a concluir que a sociedade civil já havia se organizado para monitorar a situação dos direitos humanos no país por meio de iniciativas próprias. Um exemplo é o Repórter Brasil e a questão do trabalho escravo.
Deste modo, os recursos que antes eram destinados à pesquisa foram distribuídos entre os vários estudos pioneiros que o NEV desenvolve desde 1987. Estes novos estudos também visam ser vanguardistas e novamente levar o corpo social a se organizar e assumir a responsabilidade sobre um tema ainda pouco conhecido.