Ainda há espaço para melhorar os processos de combustão em motores grandes a gás natural, inclusive no sentido de minimizar os vazamentos de metano.
Desenvolver tecnologias para melhorar os processos de combustão e minimizar vazamentos de metano em motores de grande porte movidos a gás natural: este é o principal objetivo do projeto Advanced Combustion System using diesel and natural gas blends for Internal Combustion Engines applications minimizing methane slip, que faz parte da carteira de projetos do Centro de Pesquisa para Inovação em Gás Natural (“Research Centre for Gas Innovation” – RCGI na sigla em inglês)
Coordenado pelo professor Guenther C. Krieger Filho, da Escola Politécnica da USP, o projeto tem como foco motores geralmente utilizados por navios (incluindo os que transportam metano) e termelétricas. “São motores a diesel e a bunker oil, que são óleos pesados, e queremos motores para operar com gás natural, que emite menos CO2. Acontece que o gás natural é um combustível que tende à detonação em motores de combustão interna. Se colocarmos os mesmos motores para funcionar com gás natural, provavelmente não conseguiremos a potência que eles teriam com o diesel”, adianta Krieger.
Ele explica que os motores grandes, utilizando gás natural, em vez de terem uma vela para a ignição, têm uma chama piloto que é iniciada por um spray de diesel em uma pré-câmara de combustão. “Injeta-se o diesel e, por causa da temperatura e da pressão dessa pré-câmara, forma-se uma chama inicial que garante uma operação mais estável do motor, seja por não haver detonação, seja por não ocorrer o que denominamos misfiring (falhas nos ciclos de combustão).”
A ideia é substituir o diesel ou o óleo pesado que movem o motor pelo gás natural, mas mantendo a pré-câmara de combustão com ignição a spray de diesel. Os pesquisadores querem saber como controlar as duas chamas (a do gás na câmara principal e a do diesel na pré-câmara), para ter a potência esperada e constância na combustão. Para isso estão construindo uma câmara de combustão com acesso ótico (janela de quartzo) para estudar o que acontece durante o processo de queima com o gás natural.
“Trata-se de uma câmera principal, cheia de gás natural e ar. Dentro dela tem uma pequena câmera, para onde vamos preencher com gás natural e ar, e então vamos injetar um spray de diesel lá dentro. Por conta da pressão e da temperatura, o diesel viabiliza a ignição. Essa mistura de gás e ar que está lá dentro começa a queimar e a chama se alastra, garantindo o processo de combustão.”
Segundo Krieger, já existem motores de grande porte movidos a gás natural, mas ainda há espaço para melhorar os processos de combustão, inclusive no sentido de minimizar os vazamentos de metano, que ocorrem quando o processo de combustão não ocorre completamente. “Em uma das tecnologias já existentes, que não penaliza a potência do motor, o gás natural é injetado quando o pistom está no final do processo de compressão. Só que, se ele não queimar, quando a válvula de exaustão abrir, o gás natural escapa do cilindro e sai para atmosfera. É essa fuga que queremos evitar, pois o gás natural é basicamente composto por metano.”
O engenheiro lembra que, neste caso, falhas no sistema de combustão têm um preço alto para o ambiente. “O metano é 20 vezes mais nocivo ao ambiente do que o dióxido de carbono. Se ele não queimar, ou seja, se esse ciclo de combustão não funcionar e o CH4 vazar para a atmosfera, provoca um estrago em termos de emissões. A tecnologia que estamos estudando garante potência alta e segurança com o motor operando somente a gás natural, e não somente no sistema dual fuel.”
Na primeira fase do projeto será entregue a câmara (um vaso pressurizado em até 100 bar), com acesso ótico que permita a passagem de laser, para que a equipe possa estudar o processo de formação da mistura de ignição e o processo de combustão. “A ideia é entregar dados experimentais de alto valor científico, obtidos com tecnologia de diagnóstico de combustão no “estado da arte”. Estes dados ajudarão a solucionar os problemas que podem ocorrer nesse processo de combustão.”
Na segunda fase, Krieger e sua equipe, formada por mais três engenheiros, irão adquirir um motor monocilíndrico de pesquisa, dual fuel (gás e diesel), com acesso óptico. “Ele tem características próximas ao motor real. Podemos posicionar um feixe de laser na janela e, quando ele é refletido ou alterado, conseguimos entender o processo de combustão. E então é possível fazer algumas medições: do campo de velocidade, de onde estão as gotas desse spray de diesel, o diâmetro e a velocidade delas. Conseguiremos identificar onde está a região da chama, como ela foi formada etc. E todos esses dados irão alimentar um modelo computacional, o qual tentaremos extrapolar para motores de grande proporção.”
Krieger afirma que, com as recentes normas que preconizam índices de emissão cada vez menores de gases causadores do efeito estufa (GEEs), os motores de grande porte vão se voltar para o gás natural. “O processo que estudamos tem de ser melhor do que aquilo que as normas preconizam, porque elas vão apertar cada vez mais. E o gás natural é uma grande opção para reduzir emissões.”
Toda a parte experimental será desenvolvida no Laboratório de Diagnóstico Avançado para Combustão, cuja montagem é o objetivo de um dos projetos executados no âmbito do RCGI. “O laboratório será um centro multiusuário, ou seja: grupos de pesquisa que tiverem demanda para usar poderão fazê-lo, mesmo não sendo do RCGI nem da Poli, desde que apresentem sua proposta e ela também seja interessante para nós. Queremos que mais gente use, que as demandas apareçam”. O laboratório está sendo equipado com diversos tipos de lasers, que permitem análises acuradas dos processos de combustão estudados.