Reservatórios abertos em camadas salinas do pré-sal poderiam ser usados para armazenar hidrocarbonetos, CO2, dejetos de perfuração de poços de petróleo e outras substâncias; projeto já gerou patente.
Um grupo de pesquisadores ligados ao FAPESP SHELL Research Centre for Gas Innovation (RCGI) investiga a possibilidade de abrir imensas cavernas para confinar gás natural com alto teor de CO2 na camada de sal que recobre os reservatórios do pré-sal. A abertura de cavernas em rochas salinas para armazenamento de gases e outras substâncias parece roteiro de filme de scifi mas, na verdade, é uma tecnologia relativamente bem conhecida no mundo. EUA, Canadá e Alemanha, já a utilizam para armazenar gás natural (CH4) e outros hidrocarbonetos, e a China começa a investir na tecnologia. Entretanto, armazenar CO2 em cavernas salinas offshore em águas ultra profundas é novidade.
[custom_blockquote style=”green”] “Embora a tecnologia não seja nova, não há no mundo nenhuma instalação offshore, que é o que estamos querendo fazer. O que existem são depósitos onshore, abertos em camadas salinas espessas. O Reino Unido tem um projeto de desenvolvimento de um cluster de cavernas offshore no mar Irlandês, chamado Gateway Project, mas em águas rasas. No nosso caso, estamos falando de grandes profundidades”, esclarece Pedro Vassalo Maia da Costa, um dos pesquisadores ligados ao projeto 34 do RCGI (Desenvolvimento de Estudos sobre Construção de Cavernas de Sal para Estocagem e Separação de CO2 e CH4 na região do pré-sal). [/custom_blockquote]
Ele defendeu mestrado e doutorado sobre o assunto, ao qual se dedica há 6 anos. Segundo Costa, há hoje no mundo cerca de 5 mil cavernas de sal usadas para estocagem de hidrocarbonetos e outras substâncias. Elas são construídas por processo de lixiviação: dissolve-se a rocha salina pela injeção de água doce, ou de água do mar com menor saturação de sal, e assim a caverna vai sendo aberta na rocha. “Mas nem toda rocha salina é adequada à construção de cavernas. A halita é a mais adequada a esse propósito, devido a sua pureza e taxa de deformação pelo efeito de fluência (deformação sob pressão constante ao longo do tempo). A rocha salina é um excelente geomaterial para o armazenamento de fluidos e gases, mesmo sob altas pressões, também porque possui porosidade e permeabilidade desprezíveis quando comparada a outras rochas.”
As altas pressões observadas em águas ultra profundas são um desafio para a equipe, mas não o único. No geral, as cavernas de sal são usadas para o armazenamento de hidrocarbonetos, e não de CO2. Entretanto, projetos de pesquisa realizados pela indústria e pela academia demonstram ser viável o confinamento definitivo do CO2 em estado supercrítico dentro de uma caverna de sal.

“O CO2 tem características químicas e fator de compressão diferentes do CH4. Eles entram em estado supercrítico em momentos diferentes. Por isso, estamos caracterizando as propriedades físico químicas do comportamento do CO2 nesse estado”. O RCGI está montando um laboratório de caracterização de propriedades físico-químicas de CO2, gás natural e da mistura dos dois sob altas pressões, considerando as temperaturas previstas para as cavernas em águas ultra profundas.
Passo a passo – Em sua tese de doutorado na área de planejamento energético, o pesquisador analisou diversos depósitos de sal offshore, optando por trabalhar com um depósito localizado na bacia do Espírito Santo, a 50 km da costa. Ele comporta a construção de 14 cavernas gigantes, com 450 m de altura e 150 m de diâmetro. Por meio de modelagem computacional, a equipe do projeto 34 está estudando a possibilidade de abertura dessas cavernas no local.
Costa afirma que, por ora, a ideia seria apenas confinar o gás natural rico em CO2 nas cavernas, sem a pretensão de viabilizar a monetização do CH4 e outros gases comercializáveis. O gás natural do pré-sal tem alto teor de CO2, o que dificulta sua utilização, já que o Brasil é signatário do acordo de Paris e tem metas de redução de emissões de gases estufa a cumprir.
“Em um primeiro momento, o objetivo é injetar esse gás natural rico em carbono na caverna com o objetivo de confiná-lo definitivamente. Numa segunda fase do projeto, pretende-se desenvolver a tecnologia de separação gravitacional do CO2, a partir da qual será possível aproveitar comercialmente o gás natural. Mantendo a caverna em altas pressões, o CO2 passa para estado supercrítico e decanta, depositando-se na porção inferior da caverna. O gás natural permanece na parte superior da caverna (em estado gasoso). Retiramos, então, o gás natural e aliviamos a pressão no interior da caverna até o ponto em que o CO2 volte ao estado gasoso. Esse ciclo é repetido até o total preenchimento da caverna com CO2, momento em que a caverna seria selada e abandonada”, explica Costa.
A técnica, é objeto de uma patente depositada pelo pesquisador juntamente com Álvaro Maia da Costa, Júlio Meneghini (diretor científico do RCGI), Kazuo Nishimoto (diretor do programa de abatimento de carbono do RCGI), Cláudio Oller e Felipe Rugeri, todos ligados ao projeto 34. A patente está registrada como “Método de separação gravitacional do gás natural em cavernas, sistema de captura e armazenamento definitivo de gás natural com CO2 e sistema de captura e armazenamento definitivo de CO2.”
Pressão e monitoramento – Há procedimentos de segurança para garantir que a caverna se comporte como esperado. “Trabalhamos com uma laje de segurança experimental: a espessura de rocha salina acima da caverna tem de ser no mínimo de 700 a 800 m. É uma das tecnologias de armazenamento subterrâneo e geológico mais seguras dentre as existentes, já que a porosidade e a permeabilidade da rocha salina são desprezíveis.”
Entretanto, o sal tem uma característica: o efeito de fluência. A rocha se deforma sob pressão constante ao longo do tempo. “A pressão do gás é calculada como uma porcentagem da pressão litostática no topo da caverna, ou seja, o peso exercido pelas camadas de rocha sobrejacentes ao topo da caverna e à lâmina d’água. Essa pressão é exercida em todo o contorno da caverna: teto, laterais e fundo. Por isso, ela deve ser fechada lentamente e monitorada para assegurar que o gás esteja estanque, já que ele também comprime ao longo do tempo, e depois estabiliza-se.
“Depois de preenchida a caverna, procede-se a uma etapa chamada de ‘abandono’. Quer dizer que ela não será mais alvo de novas injeções de substâncias armazenáveis. Para evitar riscos desnecessários, é preciso um projeto de abandono bem feito, e monitoramento para garantir que a caverna se mantenha estanque sem riscos de vazamentos. Isso pode ser feito com equipamentos que monitoram a temperatura e a pressão no interior da caverna.”