Cientistas estudam usar catalisadores híbridos para acelerar a hidrogenação do CO2; eles também investigam como o CO2 em estado supercrítico reage com o hidrogênio na presença de diferentes catalisadores
Obter produtos de valor agregado a partir do CO2 usando, para isso, catalisadores que imitam o poder catalítico das enzimas: este é um dos objetivos do projeto nº 30 do Fapesp Shell Research Centre for Gas Innovation (RCGI). Coordenado pela pesquisadora Liane Rossi, do Instituto de Química da USP, o projeto Processos inovadores para a conversão de CO2 em produtos químicos de alto valor agregado e combustíveis baseados em catalisadores híbridos teve como base a experiência prévia da equipe no desenvolvimento de catalisadores seletivos para reações de hidrogenação (reação que visa a adição de hidrogênios a moléculas orgânicas a partir do gás hidrogênio, H2).
“Há anos estamos estudando catalisadores que tenham comportamento diferente dos clássicos, baseados em nanopartículas metálicas e na ação cooperativa de ligantes. Na natureza, as enzimas são catalisadores naturais e extremamente eficientes. Normalmente, elas têm um centro metálico, como muitos dos catalisadores clássicos, mas ele é auxiliado por ligantes que estão na estrutura proteica da enzima”, resume Liane. Segundo ela, as enzimas chamadas hidrogenases conseguem quebrar as moléculas de hidrogênio em condições ambientes, quando a hidrogenação em catalisadores metálicos (clássicos) necessitam condições especiais de pressão, temperatura – inclusive temperatura alta, dependendo do processo.
“Depois de vários estudos, desenvolvemos um catalisador híbrido, que tem um componente metálico e uma camada de natureza orgânica.” O catalisador contém ouro metálico e possui um envoltório de ligantes orgânicos nitrogenados. Esse sistema quando tratado termicamente a 400oC com atmosfera inerte (sem oxigênio), transforma todo o material orgânico que está misturado com o material metálico numa camada de carbono dopado com nitrogênio. “Descobrimos, trabalhando em um projeto financiado pela Fapesp, que esse ligante nitrogenado, que foi ‘queimado’ e virou um sólido, tem as características necessárias para atuar de forma cooperativa com o metal, neste caso ouro, e quebrar a molécula do hidrogênio em condições amenas.” A ativação ou quebra da molécula de H2 é o primeiro passo em uma reação de hidrogenação que procede por meio da transferência de H ao reagente a ser hidrogenado.
“O catalisador de ouro desenvolvido foi muito ativo em várias reações de hidrogenação, por exemplo, na preparação de alquenos (compostos com ligações duplas carbono-carbono) a partir de alquinos (compostos com ligações triplas carbono-carbono), que nos rendeu uma patente”.
Mas, para obter os produtos finais desejados pela equipe a partir de CO2 – basicamente alcoóis superiores, como etanol, butanol, isopropanol; olefinas ou hidrocarbonetos – é preciso mais uma etapa: é necessário ainda ativar a molécula de CO2 que é muito estável quimicamente. “A reação de hidrogenação do CO2 com catalisadores clássicos pode formar como produto CO, CH4, que é o metano, CH3OH, que é o metanol, e pode formar algum depósito de carbono indesejável. Todos esses processos competem e o catalisador escolhido irá determinar a produção de um produto em detrimento dos outros – é essa seleção que chamamos de seletividade. Conseguir a hidrogenação do CO2 diretamente a álcoois ou olefinas é um desafio ainda maior. Na área de catálise, o níquel é muito usado, o ferro, o ródio, a platina, o paládio também… Ouro, não.” “Muito pouco se sabe sobre a reatividade do ouro e novas descobertas têm impulsionado o seu estudo.”
No projeto do RCGI, o grupo quer explorar a interação do CO2 com o catalisador de ouro revestido com carbono já estudado, que ativa o gás hidrogênio (H2), além de sistemas similares com ferro e níquel que também são promissores. O objetivo final é saber se o CO2 também será ativado para formar produtos. “Uma das etapas do projeto é estudar a captura e ativação de CO2. Agora vamos começar a fazer estudos bem pontuais: otimizar a preparação do catalisador, submetê-lo a gás hidrogênio e ao CO2. Com técnicas detalhadas de análise vamos ver como o CO2 interage nesse sistema: se ele é apenas adsorvido ou se pode ser formando algum intermediário importante, tanto na reação de formação do metanol quanto do CO, do metano ou outros produtos.”
O grupo de pesquisadores, que conta com a contribuição do pesquisador Pedro Vidinha, também está interessado nas reações com CO2 em estado supercrítico. “A ideia é fazer reagir o CO2 em estado supercrítico com o hidrogênio, na presença dessa família de catalisadores, e ver qual a influência nos produtos que se formam.” O CO2 em seu estado supercrítico, que é obtido em determinadas condições de pressão e temperatura, apresenta propriedades distintas dos solventes convencionais e essas propriedades podem ser moduladas.
O grupo busca capturar as características essenciais da biocatálise e da nanocatálise para traduzi-las no desenho de catalisadores e processos inovadores, que operem em temperaturas mais brandas, e resultem em produtos de maior valor agregado mas, segundo Liane, isso continua sendo um grande desafio.