País edita, em média, 535 normas por dia desde 1988, afirma advogado em workshop realizado na sede do RCGI
No III Workshop RGCILex, realizado no final de agosto (29/8), em São Paulo, foi realizada uma palestra com o advogado Carlos Renato Simões Mariano. Ele falou sobre a hierarquia do sistema jurídico brasileiro, abordando tanto as normas previstas no artigo 59 da Constituição Federal (CF), quanto atos administrativos tais como resoluções, provimentos, avisos, instruções normativas e portarias, estas muito utilizadas por agências reguladoras como a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e outras. Segundo ele, o Brasil tem um complexo de normas extenso, muito denso, e uma produção legislativa colossal, o que dificulta o entendimento do sistema jurídico como um todo.
O evento foi organizado por pesquisadores ligados ao RCGILex, ferramenta criada para aglutinar e analisar a legislação brasileira e paulista sobre gás natural (GN). Coordenado pela professora Hirdan Katarina de Medeiros Costa, o RCGILex é parte do portfólio do Fapesp Shell Research Centre for Gas Innovation (RCGI). De acordo com ela, nos EUA os melhores repositórios legais são, geralmente, ferramentas mantidas por grandes empresas que cobram valores altos para prover acesso ao conteúdo. “No Brasil, onde a quantidade de normas é muito grande, esse tipo de ferramenta pode ajudar a democratizar e ordenar o acesso à informação jurídica.”
Mariano quantifica a ‘inflação normativa’ brasileira. “Desde a Constituição de 1988, o Brasil edita em média 535 normas por dia”, afirmou. “É muita coisa.” Durante a apresentação, ele se deteve na tipologia das normas brasileiras, explicando um a um os diferentes tipos de norma e sua posição na hierarquia do sistema jurídico brasileiro, com base em um sistema chamado de Pirâmide de Kelsen, atribuído ao jurista e filósofo Hans Kelsen.
Segundo o advogado, de acordo com o artigo 59 da CF, o processo legislativo brasileiro compreende a elaboração de sete tipos de normas: emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis delegadas; medidas provisórias; decretos legislativos e resoluções. Mas há também os atos administrativos, tais como resoluções, atos, portarias, instruções normativas.
[custom_blockquote style=”green”] “As agências reguladoras, tais como a ANP, voltada para o setor do petróleo e do gás, a ANEEL, que regula o setor elétrico, entre outras, fazem uso dessas modalidades normativas. Esses atos têm força de lei, contanto que estejam em conformidade com a legislação do país.” Vale lembrar que, ao contrário do setor elétrico, regulado por diversas portarias e resoluções que muitas vezes não guardam sinergia entre si, o setor do gás é regulado pela Lei do Gás e algumas normativas. [/custom_blockquote]
Emendas Constitucionais e Medidas Provisórias – O advogado revelou ainda que, de 1988 para cá, o Brasil fez 99 emendas à Constituição Federal. “A primeira tinha como objeto a remuneração de legisladores de estados e municípios e a última tratava de temas relativos a um protocolo internacional sobre acessibilidade para pessoas com deficiência”, disse ele, ressaltando a inversão de prioridades neste caso específico.
[custom_blockquote style=”green”] Mariano abriu ainda um enorme parêntesis para falar sobre as Medidas Provisórias (MPs). “O poder executivo no Brasil usa as MPs de forma exacerbada. A edição de MPs é uma função atípica do poder executivo e, ademais, existem pré-requisitos para a utilização dessa modalidade, como a urgência e a relevância. Uma MP tem prazo de duração de 60 dias a partir da sua edição. Acontece que, se não for aprovada pelo Legislativo, se durante esses 60 dias ela não se tornar lei, perde a validade. A MP foi uma opção política do poder constituinte originário. E está prevista na CF, nos artigos 59 e 62.” [/custom_blockquote]
De acordo com o palestrante, caso ela não vire lei, o Congresso Nacional deverá normalizar os efeitos causados durante o período em que a MP vigorou. “Neste caso, é preciso editar um decreto-legislativo para regular as relações jurídicas que foram travadas durante a égide da MP, ou seja, durante esses 60 dias. Porque, nesses 60 dias, em alguns casos, adquirem-se direitos, exercitam-se direitos. Ou o oposto: perdem-se direitos. Se a MP não vira lei, nem vigora mais por conta da extinção do prazo de 60 dias, é preciso ‘consertar’ isso tudo que aconteceu enquanto ela esteve vigente”, explica a professora Hirdan Katarina de Medeiros Costa, coordenadora do RCGILex e organizadora do workshop.
Os Workshops RCGILex estão sendo promovidos desde o mês de maio e seguem até novembro. Uma das finalidades é familiarizar o grupo de colaboradores do RCGI com a ferramenta, que tem diversos níveis de acesso e pode receber colaborações em forma de texto, vídeos e imagens.