Grupo de pesquisadores do RCGI alerta que um dos pontos nevrálgicos é o julgamento do STF sobre a diferenciação entre “transporte” e “distribuição” de gás natural canalizado.
Além de incertezas quanto à demanda, um dos obstáculos que inibem os investimentos em projetos de gás natural liquefeito (GNL) no Brasil é a insegurança jurídica. Um caso emblemático é o Projeto Gemini, joint venture entre Petrobras e White Martins para fornecimento de GNL que opera desde 2006 em meio a uma disputa jurídica. As consequências deste embate, que gira em torno de uma brecha legal acerca da definição do que é transporte e distribuição de gás, foi assunto de uma palestra do Fapesp Shell Research Centre for Gas Innovation (RCGI), realizado no último dia 8 de maio, em São Paulo.
“O processo está parado há anos no Supremo Tribunal Federal à espera de ser julgado pelo Pleno. A demora é tanto que é até possível que o consórcio de empresas que opera o projeto se desfaça antes da matéria ser julgada no Supremo, visto que ao longo dos processos administrativo e judicial as próprias sócias se desentenderam publicamente”, lamentou a professora Hirdan Katarina de Medeiros Costa, coordenadora do projeto 21 do RCGI e responsável pela organização do evento.
“Na época, o projeto era importante para o Estado. Hoje, essa planta é considerada pequena, sem escala e ultrapassada. Entretanto, o imbróglio jurídico e a indefinição acerca dele podem influenciar negativamente as decisões de investimentos em projetos semelhantes. Foi um conflito desnecessário, que perdeu o propósito, mas que pode prejudicar o mercado de GNL, dependendo da decisão do STF”, afirmou o coordenador do Programa de Políticas de Energia e Economia do RCGI, Edmilson Moutinho dos Santos.
O xis do problema – O Projeto Gemini foi criado para levar GNL a locais ainda não servidos pela rede de gasodutos, num raio de até mil quilômetros da planta de liquefação, em Paulínia (SP). Pelo acordo, a White Martins operaria a planta e a Petrobras entraria com o GN. Mas, desde o início, a presença da Petrobras no consórcio gerou controvérsias.
A Comissão de Serviços Públicos de Energia do Estado de São Paulo (CSPE), à época a agência reguladora do setor, contestou que o fornecimento de gás em área de concessão estadual caracterizava atividade de serviço público de distribuição, passível de regulação tarifária pela agência reguladora e de margem de remuneração para a Companhia de Gás de São Paulo (Comgás). De fato, o artigo 25 da Constituição Federal diz que a distribuição e comercialização de gás canalizado é serviço público de responsabilidade e prerrogativa dos Estados. Já o artigo 177 da Constituição define que o monopólio de transporte de gás natural é da União.
Para o consórcio, o fornecimento de gás canalizado ao Projeto Gemini seria mera atividade de transporte, de competência da União, e não de distribuição, competência estadual.
“Como a legislação brasileira não diferencia ‘transporte’ de ‘distribuição’ por características físicas da infraestrutura (diâmetro de canos, pressão etc.), abriu-se uma brecha para contestar a utilização, pelo consórcio, de alguns metros de dutos para transportar o gás do ramal do Gasbol, por onde ele chega, até a planta de liquefação”, explicou Moutinho.
Segundo ele, o ramal do Gasbol deixa o gás praticamente dentro da planta. E os dutos utilizados para levá-lo desse ramal até a planta estão dentro da propriedade da Petrobras. “Mas, mesmo assim, é uma situação passível de contestação. A lei dá margem para o conflito. Mas isso poderia ter sido evitado se a noção de bem comum tivesse prevalecido”, lamentou.
Indefinição – A contestação da CSPE acabou indo parar Supremo por se tratar de matéria constitucional, e há liminares dadas pelas ministras Ellen Gracie e Carmen Lúcia. “A ministra Carmen Lúcia entrou no mérito da questão, reconhecendo que a competência é dos Estados e também que o projeto deveria seguir em desenvolvimento enquanto a matéria não fosse julgada”, disse a professora Hirdan. “Isso porque as empresas envolvidas no projeto haviam entrado com pedido de tutela antecipada na Justiça Federal, requerendo que a CSPE se abstivesse da prática de qualquer ato ou da aplicação de qualquer penalidade.”
O caso preocupa os pesquisadores do RCGI pela indefinição do Supremo. “A abordagem de temas como Captura, Utilização e Armazenamento de Carbono que estamos estudando em outros projetos do RCGI, não pode se perder nesse tipo de conflito. É preciso criar um cenário que favoreça as negociações”, ressaltou Hirdan, que que trabalha em conjunto com pesquisadores de outros projetos do RCGI, entre eles o nº 34, focado em estocagem de carbono em cavernas de sal submarinas. O professor Claudio Mueller Prado Sampaio, um dos integrantes do projeto nº 34, também esteve presente no evento.