Produção de hidrogênio a partir do etanol e captura e armazenamento de CO2 são tecnologias que podem ser exploradas e exportadas pelo país.
O Brasil tem um conjunto de oportunidades nesse período atual de transição energética que é único e o país deve saber explorar e exportar esse conhecimento para o mundo, afirmou na quarta-feira (16/11) o diretor-geral e científico do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), Julio Meneghini. Ele foi um dos participantes do painel “Energy Transition: What does it mean for Brazil”, promovido pela Conferência Nacional da Indústria (CNI) em Sharm El-Sheikh, no Egito, durante a 27ª Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2022 (COP27). “A questão da utilização de diferentes soluções locais que eventualmente vão ser exportadas e utilizadas em outros locais nesta fase de transição energética será aquilo que vai permitir que nós consigamos nos limitar ao aumento de 1,5 grau centígrado em relação àquelas emissões da época da Revolução Industrial”, afirmou Meneghini. “O Brasil tem oportunidades, oportunidades e oportunidades. Basta saber explorá-las.”
O Acordo de Paris, negociado em 2015, estabelece que os países signatários devem se esforçar para garantir que o aumento da temperatura global não supere os 2 graus Celsius em comparação com os níveis pré-industriais – mas mantém a ambição de limitar a subida a 1,5 °C e, assim, reduzir os impactos das mudanças climáticas. Patrocinado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Shell, o RCGI tem como foco de suas pesquisas a redução das emissões de gases de efeito estufa e o apoio ao Brasil no cumprimento das NDCs, as “contribuições nacionalmente determinadas”, que são as metas voluntárias de redução de emissões de cada país até 2030 no acordo.
A integração de diferentes tecnologias deverá ser o principal desafio brasileiro no processo de descarbonização brasileiro. “Temos um potencial enorme na questão de geração de energia eólica offshore, que, juntamente com o pré-sal e com a capacidade de armazenarmos de carbono em cavernas de sal no próprio pré-sal e nos reservatórios, torna o Brasil o eventual líder nessa área. Juntando a parte on land [em terra] e in the ocean [no oceano], sem dúvida alguma vamos nos tornar um líder”, afirmou o pesquisador, ressaltando que na parte terrestre há um mix favorável de fontes de energia e o desenvolvimento de soluções baseadas na natureza, além das possibilidades de captura, utilização e armazenamento de CO2.
Meneghini comentou que o RCGI terá a primeira planta piloto de metanol verde utilizando um novo processo, patenteado, que deverá ficar pronto no fim do ano que vem. “Também vamos ter a primeira planta para a produção de hidrogênio a partir do etanol”, disse. “Para a produção de 1 kg de hidrogênio, vamos precisar de 7,6 litros de etanol, mais 2 kilowatts/hora (kWh), o que torna esse hidrogênio extremamente competitivo.” De acordo com ele, com essa planta, o hidrogênio poderá ter uma pegada de emissões de CO2 menor até mesmo do que o hidrogênio produzido com eletricidade oriunda de energia eólica e solar, ao se considerar o ciclo de vida (life cycle) da produção do etanol e se estiver utilizando tecnologia de captura e armazenamento de carbono CO2.
A planta na Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista, está sendo construída em parceria com as empresas Shell, Raízen, Hytron, além do Senai Cimatec. O pesquisador afirmou que, a partir do fim de junho, a planta piloto produzirá 5 quilos de hidrogênio por hora, que serão utilizados para abastecer três ônibus na USP movidos a células a combustível.
“O etanol é o futuro no presente, porque partimos de uma solução usada na frota hoje, que já tem uma participação importante na matriz, com potencial de descarbonização, e coloca o Brasil numa posição superinteressante, mas não paramos por aí. A molécula de etanol tem uma pluralidade enorme”, afirmou Paula Kovarsky Rotta, vice-presidente de Estratégia, Ambiente e Sustentabilidade da Raízen, que também participou do painel, ao lado ainda de Bárbara Rubim, vice-presidente de Geração Distribuída da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar); de Fernanda Delgado de Jesus, diretora executiva corporativa do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP); e de Davi Bomtempo, gerente executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da CNI, que moderou o debate. “A ideia é ampliar o portfólio de produtos renováveis a partir dessa matéria-prima tão fantástica que é a cana. Ela é a planta mais eficiente na transformação de energia solar em carbono renovável”, salientou Paula Rotta.
Consórcio internacional
A inovação tecnológica envolvendo fontes renováveis de energia é um elemento chave para zerar as emissões de gases que produzem o efeito estufa, ressaltou Luca Corradi, diretor de rede de inovação do Centro de Tecnologia Net Zero, com sede em Aberdeen, na Escócia. “Não devemos esperar a demanda aumentar para começar a inovar. Nós já temos a tecnologia para utilizar, vocês escutaram bastante isso por aqui, mas ao mesmo tempo temos de acelerar a inovação. Porque a tecnologia que temos hoje está nos estágios iniciais de maturação. Queremos que ela tenha custos mais baixos, seja mais confiável e mais eficaz”, afirmou ele no painel “Net Zero Technology: Barriers and Innovation Priorities”, que também ocorreu no âmbito da COP27, no dia 16 de novembro.
O painel, coordenado por Corradi e do qual participaram Julio Meneghini, do RCGI, e a pesquisadora Noriko Yoshizawa, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Industrial Avançada, do Japão, apresentou detalhes do estudo ‘Closing the Gap: A Global Perspective’, desenvolvido por 12 centros de pesquisa (entre eles, o RCGI) de oito países (Brasil, Austrália, Canadá, Egito, Japão, Holanda, Reino Unido e Estados Unidos) ao longo de um ano, com o objetivo de identificar os principais desafios de inovação tecnológica e as prioridades globais para acelerar a transição energética nas regiões que passam de produtoras de petróleo e gás para sistemas integrados de energia com emissão zero de gases de efeito estufa. “Há uma transição acontecendo, mas também é preciso ação imediata para reduzir a emissão proveniente da produção atual de petróleo e gás”, disse Corradi. “A atmosfera é uma só e o CO2 desconhece fronteiras.”
Além das renováveis, Corradi destacou a importância das pesquisas para reduzir os custos da produção de hidrogênio e aumentar a sua escala e das tecnologias de captura e armazenamento de carbono. “[No Brasil], estamos trabalhando para fazer a integração entre energias renováveis, como solar e eólica, produção de biomassa de etanol e depois usar o etanol para transportar hidrogênio”, afirmou Meneghini. “De alguma forma é possível mitigar a intermitência das fontes de energia eólica e solar para que sejam empregadas em eletrolisadores para produzir hidrogênio”, disse o diretor científico do RCGI.
O relatório ‘Closing the Gap: A Global Perspective’, redigido sob a coordenação do Centro de Tecnologia Net Zero, pode ser lido neste link.