História do grupo

Desde 2002, graduandos, pós-graduandos e profissionais da comunidade interessados na temática das violências envolvendo crianças e adolescentes, começaram a se reunir, no Departamento de Psicologia, da FFCLRP, para a realização de seminários acadêmico-científicos. Essas reuniões deram origem ao Grupo que passou a se autodenominar GEPDIP (Grupo de Estudos e Pesquisa em Desenvolvimento e Intervenção Psicossocial) e que, desde então, se reúne de modo regular, tornando-se um contexto profícuo de formação de pesquisadores, de proposições de projetos de pesquisa, de algum modo articulados entre si, de discussões e de organização de formações profissionais específicas. Pode-se dizer que o grupo, passados todos esses anos, desde a primeira reunião, se reconhece e é conhecido no meio acadêmico e científico pela natureza das questões com as quais lida e compromissos assumidos.

O interesse no tema dos maus-tratos infantis foi inicialmente norteado pelo objetivo de identificar as necessidades nesta área, no contexto sociocultural brasileiro. A partir do estudo das demandas e das informações de agências oficiais de proteção infanto-juvenil (especificamente os Conselhos Tutelares), denotava-se a importância de ir além dos dados oficiais, uma vez que os levantamentos realizados tornavam claros os limites das informações que esses aportavam, visto que descreviam muito mais o funcionamento das agências que as características da problemática em si. Paralelamente, no contato e nas discussões com a Professora Maria Inês Bringiotti, da Universidade de Buenos Aires (Argentina), nas suas estadias no Brasil, em 2002 e em 2004, a partir das pesquisas que ela vinha implementando sobre a prevalência dos maus-tratos a partir de informações coletadas na comunidade, junto a professores, deu-se início a uma série de investigações, no GEPDIP, buscando estimar e caracterizar o fenômeno lidando com dados que ultrapassassem as informações oficiais, com vistas a colaborar com à proposição de políticas públicas na área mais consistentes. No escopo desta linha de investigação, foi implementado, em 2007, o projeto “Estudo da prevalência de maus-tratos em crianças de 0 a 10 anos e identificação de fatores de risco pessoais e sociais”, abarcando toda a região administrativa de Ribeirão Preto, com seus 24 municípios. Além de estimar a prevalência de crianças suspeitas de viverem maus-tratos domésticos, por meio de levantamento de informações junto a educadores/professores, no setor educacional, essa possibilitava realizar análises com vistas à caracterização das crianças em termos sociodemográficos (idade, sexo e nível econômico da família) e psicossociais (levantando-se informações sobre características comportamentais/sociais e emocionais), cruzando esses dados com os dos tipos de maus-tratos. Tais informações, conforme foi se demonstrando nos trabalhos publicados, são importantes pistas para políticas públicas de proteção infantil.

Considerando a colaboração que tinha dos Conselhos Tutelares do município de Ribeirão Preto para a implementação de alguns dos projetos de pesquisa, os membros deste órgão foram convidados para uma apresentação das análises contidas no relatório síntese de algumas das pesquisa: “A detecção dos maus-tratos domésticos na cidade de Ribeirão Preto – SP e as intervenções sócio jurídicas: uma análise crítica”. A ideia era fomentar a troca entre os representantes da comunidade, no plano da proteção infanto-juvenil, e nós da academia. Esse encontrou gerou um profícuo debate e, dada à pertinência das questões levantadas com relação a função dos Conselhos Tutelares (orientar e avaliar a proposição das políticas públicas básicas e de proteção especial na área da infância e adolescência). Essa devolutiva motivou os Conselheiros, à época, a solicitar, algum tempo depois, auxílio na elaboração de uma análise da realidade dos atendimentos realizados pelos Conselhos, na cidade, de modo a produzir uma síntese que servisse de base para uma discussão com os então candidatos à Prefeito da cidade. O desafio foi aceito e um levantamento de todas as notificações feitas nos três Conselhos Tutelares de Ribeirão Preto, nos anos de 2000 a 2003 foi realizado e, a partir daí, identificadas as principais modalidades de ameaça e violação de direitos da criança e do adolescente. Os resultados desta investigação foram relatados em um documento intitulado “As ameaças e violações de direitos das crianças e adolescentes, na cidade de Ribeirão Preto: análise dos assinalamentos feitos aos Conselhos Tutelares entre os anos de 2000 e 2003”.  Este foi utilizado pelos Conselheiros Tutelares e pelos membros do Conselho Municipal de Direitos para uma apresentação aos então candidatos a Prefeito da cidade, no segundo turno das eleições de 2004, tendo o mesmo sido incorporado a um Termo de Compromisso que foi assinado por ambos, em relação às indicações ali presentes. O relatório foi também apresentado em Audiência Pública para a área da infância e juventude, provocada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, em 16 de março de 2005.

A partir desta visão mais ampla sobre os maus-tratos infantis, na comunidade, outros projetos com foco mais específicos foram elaborados e implementados com os objetivos de identificar e analisar os fatores de risco psicológicos e sociais-comunitários associados às formas de maus-tratos mais recorrentes nos estudos de prevalência, a negligência e a violência física. Esses conseguiram contribuir com informações importantíssimas, devendo-se destacar que, no plano sócio comunitário, o fator detectado, mais relevante, nas diferentes amostras estudadas, foi “falta de apoio social, especialmente no plano emocional”, revelando que uma das maiores dificuldades experimentada por cuidadores envolvidos em abusos e em negligência seria um sentimento profundo de isolamento emocional.

Em paralelo a essas investigações, teve-se a oportunidade de obter financiamento junto ao CONDECA, para o desenvolvimento de um novo projeto: “Maus-tratos infantis: sensibilização, notificação e intervenção técnica junto a famílias em situações de Negligência”. Esse nasceu da reflexão sobre o conjunto dos achados nas investigações anteriores, desenvolvidas no GEPDIP.  Essas haviam evidenciado a necessidade de aprofundar o conhecimento relativo aos mecanismos envolvidos não só na produção desta forma particular de maus-tratos, mas, principalmente, na recorrência do problema e/ou seu agravamento, ao longo do tempo. Os dados coletados no escopo deste projeto e as análises realizadas por faixa etária indicaram que as crianças mais novas (com idade entre 0 e 3 anos) sofreriam prioritariamente negligência, na forma de abandono físico e emocional; entretanto, para o grupo etário subsequente (com idade entre 4 e 6 anos) as práticas de abusos físicos e os maus-tratos emocionais seriam mais recorrentes; para as mais velhas (com idade entre 7 e 11 anos) a negligência voltaria a ser o tipo predominante, porém em sua faceta mais propriamente relacionada à implementação deficitária de práticas educativas de socialização. Notou-se, todavia, aumento significativo na frequência de co-ocorrências de modalidades de maus-tratos com a idade, ou seja, quanto mais velha a criança, maior era a probabilidade de ela estar sendo submetida a mais de uma modalidade de maus-tratos ao mesmo tempo. Hipotetizou-se que isso seria fruto do crescente desengajamento do cuidador/responsável no tocante aos diversos aspectos da vida da criança, sobretudo no com relação ao seu desenvolvimento social. No mais, as análises relativas às associações entre os indicadores comportamentais e emocionais aos casos de maus-tratos, por grupo etário, também indicaram que as crianças mais velhas apresentavam uma variedade maior de problemas externalizantes. Em conjunto, esses resultados deram pistas sobre uma possível articulação, no tempo, entre a exposição a diferentes formas de maus-tratos e as consequências por eles geradas, levando-se em conta o próprio desenvolvimento infantil, para um determinado subgrupo de crianças, indicando a necessidade de se adotar uma perspectiva desenvolvimental para compreender o problema em foco, na linha de apontamentos feitos por pesquisas internacionais recentes.

Assim, no escopo do projeto “Maus-tratos infantis: sensibilização, notificação e intervenção técnica junto a famílias em situações de Negligência”, o passo inicial foi o de criar condições para a detecção precoce de casos de maus-tratos infantis. Para isso, continuou-se investindo no setor educacional, sobretudo no âmbito das creches e das pré-escolas, de modo a fomentar a identificação e notificação de casos suspeitos de maus-tratos de crianças pequenas. Essa estratégia resultou em um projeto de extensão pelo qual se ofereceu um curso de formação à profissionais da educação, que foi intitulado: Maus-tratos infantis: A identificação e o manejo dos casos no contexto educacional”, sendo que esse atingiu aproximadamente 160 educadores/professores da rede pública de duas cidades de pequeno porte, no entrono de Ribeirão Preto, Cravinhos e Serra Azul.

Nessa esteira, aproveitando o contexto favorável que se criou em uma das cidades onde se trabalhou a detecção precoce dos casos de maus-tratos, a partir do setor educacional (Serra Azul), deu-se ao passo seguinte previsto no projeto “Maus-tratos infantis: sensibilização, notificação e intervenção técnica junto a famílias em situações de Negligência”, passando a estudar de perto 14 famílias que haviam sido notificadas ao sistema de proteção, pelos agentes da creche e da pré-escola, em razão da presença de indicadores negligência, em número significativo. Essas passam a ser visitadas semanalmente de modo que se pudesse entender suas demandas e dificuldades e interferir em alguns dos aspectos do funcionamento familiar, tendo em vistas as necessidades de proteção infantil. Duas famílias deixaram de ser acompanhadas logo de início, uma porque se mudou de cidade e a outra porque logo se constatou que não havia efetivamente problema nos cuidados da criança. As outras 12 famílias foram acompanhadas ao longo de pelo menos seis meses. Esse trabalho deu origem à tese de doutorado “Crianças em situação de negligência: a compreensão do fenômeno e o estabelecimento de parâmetros de avaliação”, de Juliana Martins Faleiros, no quadro do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da FFCLRP – USP, sendo que o mesmo ganhou o prêmio Carolina Martuscelli Bori, no contexto da 41ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia, em Belém (PA), em outubro de 2011.

Em articulação a esse estudo, dois outros foram também levados a cabo, no quando do Programa de Pós-graduação em Psicologia da FFCLRP, para fins de obtenção do título de Doutor em Ciência: Maus-tratos infantis: o impacto da negligência no desenvolvimento psicossocial e acadêmico de crianças em fase inicial de escolarização”, por Mara Silvia Pasian [bolsa CAPES]; Os maus-tratos de crianças e as consequências para o desenvolvimento infantil: um estudo na perspectiva desenvolvimental”, por Lilian Paula Degobbi Bérgamo [bolsa FAPESP]. É importante mencionar que as duas dessas doutorandas (Juliana e Lilian) tiveram a oportunidade de realizar estágios de pesquisa junto ao Professor Carl Lacharité, na Universidade de Québec à Trois-Rivières, no contexto do grupo de pesquisa por ele dirigido, no Centre d’études interdisciplinaires sur le développement de l’enfant et la famille, onde um dos principais temas de estudo é justamente a negligência doméstica de crianças, segundo a alegação de que trata-se de uma das problemáticas de maior magnitude em todo o mundo.

Os resultados dessas pesquisas corroboraram as hipóteses iniciais, se alinhando àqueles de pesquisas internacionais, na área: denotaram as articulações entre os tipos de maus-tratos perpetrados e as faixas de idade das crianças, ou seja, as relações entre os estágios de desenvolvimento infantil, pensando nos desafios inerentes a cada etapa, e as modalidades de maus-tratos, bem como as consequências negativas associadas, revelando alguns dos mecanismos envolvidos na produção do fenômeno da vitimização doméstica infantil, ao longo do tempo; demonstraram o papel de “carro chefe” desempenhado pela modalidade negligência nos casos de maus-tratos mais graves, quando essa se manifesta precocemente e parece caracterizar o padrão interacional entre o cuidador e a criança, como uma problemática crônica, ou seja, que não deriva tão somente de crises e/ou problemáticas familiares circunscritas; e também denotaram o significativo impacto negativo da negligência no desenvolvimento infantil, quando precoce e crônica, especialmente no plano da escolarização das crianças, incrementado sobremaneira os riscos de desadaptação escolar dessas. Desde, então, pode-se dizer que o GEPDIP tem focando de forma mais intesna em investigações e produção de conhecimento em torno da negligência infantil e dos abusos físicos, colaborado, inclusive com o desenvolvimento de pesquisas correlatas em outros pais, com parceiros, por exemplo, no Peru, na Universidade de San Astín, em Arequipa.

O interesse na temática da delinquência juvenil foi se desenvolvendo e se consolidando por meio da elaboração de projetos específicos, relativos ao fenômeno. Essa linha de pesquisa concerne questões especialmente ligadas às tendências estatísticas do fenômeno, em termos de magnitude, bem como à sua caracterização e compreensão por meio da identificação dos fatores de risco e de proteção associados ao desenvolvimento da conduta delituosa e dos mecanismos de produção. É preciso frisar que o investimento nas investigações em torno deste efetivou-se somente, a partir de abril de 2003, com a vinda do Professor Emérito da Universidade de Montréal (Canadá), Marc LeBlanc, à Ribeirão Preto. O intercâmbio com este pesquisador, autor principal de uma teoria explicativa robusta e consistente do fenômeno delinquencial, forneceu o referencial e o método/os instrumentos que, ao meu ver, faltavam para o desenvolvimento das investigações que desejava fazer, aqui no Brasil, tanto no que se refere à dimensão psicossocial do problema, ou seja, no tocante aos processo de desenvolvimento do problema, no plano do comportamento do indivíduo, quanto no que se refere à dimensão macrossocial, relativa ao problema em termos de cifras e tendências estatísticas, num determinado contexto sócio histórico. Assim, conseguiu-se delinear e implementar os primeiros projetos de pesquisa efetivamente voltados ao fenômeno do envolvimento de adolescentes com a prática de atos infracionais.

Destaca-se como trabalhos iniciais, focados na dimensão macrossocial do fenômeno as seguintes pesquisas: “A delinquência juvenil no estado de São Paulo: características, evolução e tendências observadas entre os anos de 1950, 1960, 1979, 1985, 1995, 2001 e 2002”; “O perfil do adolescente autor de ato infracional grave, no Estado de São Paulo: caracterização sócio demográfica”; “Delinquência juvenil: a noção de trajetórias desenvolvimentais e a descrição de carreiras”. Importante dizer que, a essa altura, no Brasil, apesar da existência de pesquisas buscando mensurar a participação dos adolescentes na criminalidade urbana, não se detectava, à época, estudos concernindo séries temporais, possibilitando a análise da evolução do fenômeno no tempo. De forma geral, esses trabalhos tiveram repercussão não só acadêmica, mas também social, devido ao interesse da grande mídia na temática da violência envolvendo os adolescentes. Assim, concedeu-se a inúmeras entrevistas a jornais, revistas e emissoras de TV, e proferiu-se palestras ao grande público, tomando o cuidado para diminuir os pré-conceitos sempre muito presentes no imaginário da população, a respeito dos determinantes do comportamento dos jovens. Grosso modo, destaca-se que as pesquisas denotaram mais que uma tendência de crescimento das taxas de participação de adolescentes em atividades infracionais; tornaram evidente uma mudança no padrão infracional, sobretudo a partir da década de 1980, verificando-se, nesse período, uma explosão, em termos de prevalência de delitos, da atividade de tráfico de drogas e de crimes contra a propriedade mais graves, como o roubo (em detrimento de crimes menos graves, como o furto). Inusitadamente, as características sociais dos adolescentes institucionalizados haviam mudado pouco, ao longo da série histórica, verificando-se regulamente o dado de os infratores apresentarem sempre, por exemplo, um mais baixo nível de escolaridade que os adolescentes da população, nas mesmas faixas etárias, baseado numa significativa defasagem idade/série escolar. Verificou-se também que quanto mais cedo um adolescente “entrava” em contato com o Sistema de Justiça (polícia, judiciário, instituições de “tratamento”/acompanhamento), maiores as chances de ele voltar a ter contato com o sistema em razão do cometimento de outros atos infracionais. Esses resultados deram pistas sobre o fenômeno em si, mas também sobre o funcionamento e o impacto das agências de controle social no fenômeno, sendo, desta perspectiva, discutidos.

Na sequência, novos estudos foram elaborados e desenvolvidos, atendo-se mais, nesse segundo momento, aos aspectos psicológicos e sociais-comunitários associados ao desenvolvimento da conduta delituosa, na adolescência. Esse foco dado às pesquisas deve-se ao envolvimento cada vez maior com os programas de intervenção/acompanhamento de adolescentes, no contexto das medidas socioeducativas aplicadas, onde as questões relativas aos fatores de risco proximais e aos mecanismos de produção do problema, com vistas a uma intervenção efetiva, capaz de modificar situações complexas, se impõem a todo momento. Nessa linha, destacam-se os seguintes trabalhos concluídos: “A conduta delituosa na adolescência segunda a teoria de Marc Leblanc: investigação dos reguladores da adaptação pessoal em adolescentes brasileiros”; “Adaptação Pessoal e Social de Adolescentes: estudo de indicadores de personalidade por meio de inventários psicológicos”; “Avaliação de adolescentes em conflito com a Lei a partir dos conceitos de risco e necessidades associados à persistência da conduta infracional”; “Fatores de risco e proteção para o desenvolvimento na adolescência”. Esses trabalhos também tiveram importante repercussão, sendo amplamente divulgados em eventos científicos e junto à grande mídia. Pode-se dizer que esses trabalhos, além de aportar resultados extremamente interessantes, são arrojados, pois se apoiam em referencial teórico-metodológico bastante inovador para o contexto sociocultural brasileiro (suscintamente denominado Risco-Necessidade-Responsividade), embora, em âmbito internacional, seja um referencial consolidado, que gerou, inclusive, parâmetros para práticas judiciárias envolvendo adolescentes infratores, no tocante às tomadas de decisão judicial, em países como o Canadá e os Estados Unidos (em alguns dos seus estados). Nessa esteira, vale mencionar o prêmio INNOVARE concedido à monografia “Justiça Juvenil: a aplicação e a execução das medidas socioeducativas pelos parâmetros do modelo risco-necessidade-responsividade”), em 2013, na qual explanou-se justamente sobre a possibilidade e a importância de o Judiciário ter um novo olhar ante os adolescentes que se envolvem em prática de atos infracionais e, com isso, uma ação inovadora.

O INNOVARE é uma das premiações mais respeitadas no âmbito da Justiça Brasileira, ressaltando-se que foi a primeira vez na história do Prêmio que um trabalho de Psicologia foi escolhido e homenageado, porque se considerou que seu o conteúdo consiste em uma contribuição válida para o aprimoramento da Justiça no Brasil, tendo atendido ao requisito de possuir natureza prática, apontando soluções para dificuldades (problemas) quotidianamente enfrentadas pela Justiça. A Comissão Julgadora (constituída por juristas renomados e acadêmicos de áreas afins, como a das Ciências Sociais), para a tomada de decisão, considerou a relevância do trabalho, a utilidade, a profundidade da análise, a adequação metodológica, a coerência, a clareza na exposição das ideias e a coesão textual.

É importante mencionar que o interesse, assim como os trabalhos realizados com esse referencial, constituíram-se, também, no canal de interlocução que se estabeleceu com o grupo de pesquisadores do Chile, da Universidade de La Frontera, em Temuco, uma vez que, por lá, também trabalham ativamente com a temática dos adolescentes em conflito com a lei e se preocupam com as questões referentes às tomadas de decisão judicial, tendo em vista as dificuldades e as necessidades de acompanhamento de cada jovem. Foi também por intermédio dos chilenos que se conheceu outros grupos de investigação europeus importante, o que permitiu colocar o GEPDIP numa rede de pesquisadores especialistas em “Justicia Juvenil Eurolatinoamericana: Intervención, indicadores sistémicos y cooperación”. O objetivo da rede é a proposição e o desenvolvimento de pesquisas em comum, o intercâmbio de informações e a realização de eventos científicos periódicos em Justiça Juvenil. A rede é composta por membros da América Latina e de países da Europa e teve seu primeiro encontro financiando pela Network of the European Union, Latin America and the Caribbean Countries (ERANet – LAC), no contexto do Crongreso Euro-Latinoamericano de Intervención em Justicia Juvenil, entre os dias 21 e 23 de outubro de 2015, em Almeria (Espanha).

A relação de colaboração com os colegas chilenos continua e, na atualidade (2019), conseguiu-se estabelecer um convênio de colaboração entre os grupos, com vistas a institucionalizar tal relações, o que deverá intensificar as trocas de um lado a outro.  O grupo chileno mantém um Programa de Mestrado em Psicologia Jurídico-Forense no qual se situam as investigações sobre adolescentes infratores e outras, sobre temáticas diversas, pertinentes ao à Psicologia Jurídica e Forense, o que muito interessa ao Brasil, à Psicologia brasileira.

No mais, deu-se seguimento aos trabalhos na esteira das proposições de Marc Le Blanc, considerando a importância da Teoria deste autor, seu aporte à compreensão dos mecanismos envolvidos no desenvolvimento da conduta delituosa, no tempo. Vale dizer que o professor Marc Le Blanc, além da autorização para a tradução e a utilização dos instrumentos, sempre que solicitado, ajuda nessa empreitada, oferecendo mais e novas informações sobre os instrumentos e sobre os conceitos aos quais remetem, tendo voltado ao Brasil, para atividades com o GEPDIP, mais duas vezes, em 2007 e 2017.

Nessa esteira, destaca-se o trabalho de mestrado de André Vilela Komatsu (bolsa CAPES), intitulado “Comportamentos antissociais em adolescentes do sexo masculino: um estudo exploratório na cidade de Ribeirão Preto – SP”. Este trabalho, também possa ser situado teoricamente no escopo da Teoria de Regulação Social e Pessoal da Conduta, de Marc Le Blanc, lançou mão, como método, de um questionário formulado e usado em pesquisas longitudinais conduzidas por um consórcio de pesquisadores da Comunidade Européia, assim como o projeto de mestrado de Marina Mara Martins Rodrigues Visioli, “Comportamentos divergentes e infracionais autorrevelados em adolescentes estudantes de instituições de ensino básico privadas” (bolsa CAPES). Deve-se dizer que o acesso ao instrumento e aos dados europeus se deu por intermédio de colegas da Universidade do Porto, com os quais matemos um bom relacionamento de colaboração, conforme o mencionado anteriormente. Nesse sentido, destacam-se as pessoas dos professores Candido D’Agra, fundador da Escola de Criminologia da referida Universidade, e da professora Josefina Castro. Ambos se dispuseram e participaram ativamente de eventos por nós organizados, aqui no Brasil (Seminários Internacionais sobre Delinquência Juvenil e em Criminologia, além da banca de qualificação da dissertação do estudante André Vilela Komatsu), sendo que, na sequência, nos convidaram a participar da constituição da Associação Internacional de Criminologia de Língua Portuguesa, de modo a organizarmos eventos que fomentem o tipo de pesquisa que temos feito aqui e lá em Portugal.

Na esteira dessa linha de investigação relativa aos adolescentes em conflito com a lei, há que se destacar duas frentes que estão se abrindo, com a proposição de novas pesquisas. Uma refere-se aos estudos concernindo ao envolvimento de adolescentes do sexo feminino com a prática de atos infracionais e às possíveis questões de gênero, nessa seara. Nesse espectro, pôde-se contar com a colaboração com a Professora Nadine Lanctôt, da Universidade de Sherbrooke (Canada), uma referência na área. A outra frente de trabalho remete a investigações que, mais e mais, se voltam ao estudo de aspectos essencialmente psicológicos associados ao comportamento infracional grave, ou seja, ao comportamento persistente, por vezes atrelado ao recurso da violência interpessoal.