Sedimentos do online
Por Juliana Puglia
Em março fará 1 ano que foi declarado estado de calamidade pública e quarentena pela primeira vez – em São Paulo – desde o início da existência do COVID-19 para nós. Com isso e tantos números atrelados a um organismo de pequenas proporções e grandes repercussões, o tempo flui idiossincreticamente como nunca. Simultaneamente parece que é tão rotineiro e também como um sonho que nos acorda de sobressalto na madrugada. A relação com o tempo foi apenas uma das tantas que foram (re)sentidas. Outra relevante é a posição que o online e o campo digital tem no cotidiano, principalmente profissional. O que era antes para muitos o encarar com o desconhecido imbuído de temores e desafios agora é algo com mais contorno, com concordâncias e discordâncias mais encaminhadas e experienciadas. Mas afinal, que online é esse que sedimentou depois de tantos meses?
No dia 03 de fevereiro de 2021 foi realizada uma live para profissionais de psicologia e serviço social do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre “Cuidados Tecnológicos e Éticos no Atendimento Online”. Primeiramente pode-se pensar sobre teor anacrônico se considerarmos o início das práticas online do público e a data em que a live ocorreu. Contudo, ao pensarmos em processos de aprendizagem entende-se a função de acolhimento de modos de fazer já dispostos e a importância de revisitá-los por outras perspectivas, comunhão de novas informações e ferramentas para uma atualização da prática. Acolhimento é mais do que orientações simples sobre angulagem de câmera ou uso de fones de ouvido. É apresentar-se para releituras do encarar do desconhecido. Tal como em outros contextos, no Tribunal de Justiça está vigente a passagem de trabalho online para híbrido, ou seja, um misto de ambientes mais pessoalizados – e até íntimos – para retorno gradual ou periódico de atividades em campos externos a estes. O retorno aos ambientes de trabalho anteriores à pandemia é um respirar para quem sente falta e é, possivelmente, um atenuar de muitas dificuldades das configurações atuais de trabalho online, intensificadas por um mundo cada vez mais instável e urgente em vários sentidos. Porém, devemos lembrar que o momento atual é de aumento de casos de infecção e mortes pelo vírus e o surgimento de novas variantes em circulação. Com isto o caráter de “único modo” ainda é muito presente nas práticas e clínica online, mesmo que com mais clareza de ser uma modalidade e, portanto, tem especificidades que visam o melhor e mais ético conduzir dentro das circunstâncias. O online que se sedimenta é o que chamo de expositivo. Expõe fragilidades do mundo do trabalho ao questionar onde e quando o trabalho começa e termina. Noções de público e privado, do íntimo e seus graus. Da importância da comunicação acessível. Daqueles e “daquilos” que compõem um ambiente. Expõe o quanto ansiamos por diversidade, no sentido de que o online pode fazer parte da vida em novas configurações, mas também o desejo pelos offlines e vice-versa.
A clínica torna-se atualmente um lugar de contínuo cuidado numa situação de emergência e desastre – que se prolongará – independentemente se pontual, breve ou longitudinal. E, se falamos do “Esperançar” de Paulo Freire torna-se lugar da díade “esperançar-esperar”, pois o online expõe também o exercício diário de ampliar a nossa convocatória transformadora, de estarmos e sermos, não de qualquer jeito. E esse agir no fluir do tempo, questionando-o e desenvolvendo um vincular de acordos revisitáveis.
Muito bom Juliana! Legal saber das reverberações do projeto em outros lugares. Também achei interessante a ideia do online expositivo, acho que pode ajudar a refletir muita coisa do nosso trabalho no PAPO.
Lembrando que os(as) colaboradores(as) que quiserem dividir e publicar algum texto que esteja relacionado ao trabalho do PAPO, podem entrar em contato comigo através do email andre.bezerra@alumni.usp.br