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“Você é um tanto agitada, não?”

Quando mais nova, se alguém me olhava e, só nesse simples ato, conseguia constatar um óbvio sobre mim, eu costumava sentir uma súbita angústia de intimidade invadida. Como se aquilo que mais gritantemente se dava a ver em minhas falas e maneiras fosse aquilo em que eu menos queria me reconhecer e a majestosa (e possivelmente não solicitada) descoberta de um desconhecido me forçasse um espelho por entre minhas entranhas.

Hoje em dia, frente a isso pouco me desassossego. Fui aos poucos também aprendendo essa misteriosa arte de, através do simples ato de me olhar, constatar meus próprios óbvios – e aprendendo a sonhar a ainda mais misteriosa arte de, com isso, aprender a me (re?)conhecer. Pois que sei que falo meio rápido, que meus pés entortam um pouco quando corro e que sou uma pessoa, num geral, agitada; e imagino que ainda há um tanto mais para ver. Agora me assusta mais o silencioso perigo dos olhares que se cruzam sem se tocar e da solidão acompanhada das tardes de sábado. Da invisibilidade acidental de quando, por medo ou por hábito, deixamos de ver o outro. Da sofrida desexistência de quando atinamos que quem nos olhava, em realidade, não nos via.

Texto por  Mariana  R. Stefani

 

Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é

Caetano Veloso – Dom de iludir

 

Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.

José Saramago