Caso Rosângela Sibele de Almeida Melo (2021) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (UNESP)

Na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS-UNESP), o projeto é coordenado por Ana Gabriela Mendes Braga, professora de Graduação e Pós-Graduação do curso de Direito, e é desenvolvido no âmbito do Núcleo de Pesquisa em Aprisionamentos e Liberdades (NEPAL). A proposta conta com uma equipe composta por mais sete pesquisadoras: uma doutoranda, Maiane Serra, uma mestra, Mariana Zoccal, duas mestrandas, Leticia Ferreira e Paola Cristina Oliveira, além de três graduandas, Giovanna Marques, Isabel de Oliveira e Sofia Ricci.

Os projetos Julgamentos Feministas realizados em outros países – Canadá, Inglaterra, Estados Unidos, Escócia, Irlanda do Norte, Austrália – demonstraram que a reescrita de decisões judiciais sob a perspectiva feminista apresenta percursos alternativos que o Direito poderia trilhar. Os livros e artigos sobre a reescrita e o processo de tomada de decisões judiciais sob um olhar feminista produzidos por estes projetos mostraram que tal olhar, no momento da decisão, poderia mudar a argumentação, e até mesmo o entendimento final sobre o caso. Isto se dá em razão da diferente aproximação do caso que uma perspectiva feminista proporciona, ao dar ênfase ou levar em consideração aspectos que não foram considerados importantes durante o processo de tomada da decisão original, mas que sob uma ótica feminista têm relevância e destaque. 

No Brasil, o projeto será desenvolvido por acadêmicas de diversas instituições, e terá como objeto decisões de instâncias e temáticas variadas, levando em consideração as particularidades brasileiras em relação aos demais países que desenvolveram seus projetos. A partir desta abordagem, as análises a serem desenvolvidas pelas pesquisadoras da Unesp terão como foco a perspectiva feminista em decisões que atravessam a temática da “maternidade e prisão”

Será adotado como caso paradigma para reescrita a decisão de prisão preventiva de Rosângela Sibele de Almeida Melo pela conduta de furto de alimentos. Rosângela é uma mulher de 41 anos, desempregada, mãe de cinco filhos (com idades de 2, 3, 6, 8 e 16 anos) e em situação de rua. Sua prisão em flagrante ocorreu no dia 29 de setembro de 2021, por furto a um mercado na região da Vila Mariana, em São Paulo. Os objetos subtraídos que constam no Boletim de Ocorrência foram dois refrigerantes “Coca-Cola” de 600ml cada, um suco em pó “Tang”, e duas embalagens de macarrão instantâneo, avaliados em R$21,69. Em depoimento informal prestado a policiais militares, Rosângela disse que furtou os produtos porque “estava com fome”. 

Durante os trâmites iniciais de investigação, a delegada e a promotora de justiça que atuaram no caso manifestaram-se favoravelmente à conversão da prisão em flagrante em preventiva. O pedido foi acolhido por uma juíza que, ao fundamentar sua decisão, ressaltou elementos como a reincidência de Rosângela (presa anteriormente por dois furtos semelhantes) e a falta de residência fixa e trabalho remunerado, os quais supostamente indicavam que ela fazia da prática de crimes um “meio de sustento”, o que acentuava a sua periculosidade. 

Ao mesmo tempo, o fato de Rosângela ser mãe de crianças menores de 12 anos – embora citado nos autos -, foi desconsiderado no momento da tomada da decisão judicial. Por fundamentos semelhantes aos que ensejaram a decretação de prisão preventiva, a denúncia oferecida pelo Ministério Público contra Rosângela foi recebida, dando-se início a um processo criminal.

O caso, entretanto, tomou proporções que extrapolaram o judiciário e o meio jurídico, em especial pela grande cobertura midiática realizada por veículos alternativos de imprensa. Tido como exemplo notório de atipicidade material (por aplicação do princípio da insignificância), diversas críticas foram direcionadas ao Sistema de Justiça por sua atuação seletiva. No contexto de pandemia de COVID-19, com estatísticas crescentes de fome e desemprego, a prisão de Rosangela dava rosto ao cenário de criminalização da pobreza vigente no país.

Após a repercussão midiática, em 13 de outubro de 2021, Rosângela teve sua liberdade concedida pelo Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de Habeas Corpus que trancou a ação penal, pela aplicação do princípio da insignificância, dado o valor ínfimo dos objetos subtraídos. 

Ao reescrever o caso, buscamos compreender quais resultados poderiam ter sido obtidos, tivesse ele sido conduzido a partir de uma perspectiva feminista, de modo a localizar as possibilidades de mudança estrutural através da aplicação do Direito, para além de conquistas jurídicas individuais. Entende-se, portanto, o Direito como uma ferramenta de mudança limitada, mas com possíveis efeitos imediatos que devem ser aproveitados para garantir um processo judicial mais justo para as mulheres.

Equipe Julgamentos Feministas FCHS-UNESP