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Buarque de Holanda, Chico

Rio de Janeiro (Brasil), 1944

Por Alberto Ikeda

Compositor, letrista e escritor, Francisco Buarque de Holanda notabilizou-se nas décadas de 1960 e 1970, principalmente por sua produção musical de cunho político, de contestação ao autoritarismo da ditadura militar que o Brasil viveu entre 1964 e 1985. Foi um dos principais nomes da música de protesto de então. Mas sua produção vai muito além do cunho político, sendo pródiga em temáticas as mais variadas, inclusive dando voz a personalidades femininas. O mesmo dinamismo ocorre em relação aos distintos gêneros musicais com os quais trabalhou, em que predominam os sambas, mas também aparecem valsas, choros, frevos, fado e marcha-rancho.

Seu ambiente familiar foi bastante propício para as reflexões intelectuais e a vivência artística. É filho de um importante historiador, Sérgio Buarque de Holanda, e suas irmãs Heloísa Maria Buarque de Hollanda (Miúcha), Cristina e Anna de Hollanda também estão envolvidas com a música popular. Chico conviveu com intelectuais, escritores, poetas e músicos, incluindo, entre eles, Vinicius de Moraes e o violonista e compositor Baden Powell.

As atividades musicais tiveram início em São Paulo, ainda na época dos estudos do ensino médio e, sobretudo, quando cursava a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da SERGIO FONSECA/CREATIVE COMMONS       Universidade de São Paulo (USP). Seu primeiro disco próprio foi gravado em 1965, com duas músicas: “Pedro pedreiro” e “Sonho de um carnaval”, sendo esta última apresentada, no mesmo ano, pelo cantor e compositor Geraldo Vandré (1935) no I Festival Nacional de Música Popular Brasileira (MPB). Ainda nesse ano lançou outras músicas com repercussão, e musicou a montagem teatral do poema Morte e vida severina, de contundente crítica social, do poeta João Cabral de Melo Neto, peça que obteve grande êxito no Brasil e depois na França.

No ano seguinte, Chico Buarque tornou-se uma celebridade nacional, apresentando, com a cantora Nara Leão (1942-1989), a sua composição “A banda”, uma marcha, no II Festival de Música Popular Brasileira. Obteve a primeira colocação no concurso, empatada com outra concorrente, “Disparada”, da dupla Geraldo Vandré e Théo de Barros. “A banda” alcançou as primeiras colocações nas paradas de sucesso das rádios durante meses e meses seguidos, agradando das crianças aos idosos, de maneira inédita, e vendendo milhares de discos em poucas semanas. Então, os compromissos profissionais de ídolo nacional e internacional começaram a não mais caber na agenda, mas o compositor continuou a inscrever canções em festivais de música popular por alguns anos, obtendo boa classificação e repercussão com “Roda viva”, em 1967, em São Paulo, e “Carolina”, no mesmo ano, no Rio de Janeiro. Em 1968, alcançou a primeira colocação no III Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro, com a música “Sabiá”, em parceria com o compositor Tom Jobim. A partir daí, esses concursos já estavam perdendo o interesse do público e foram desativados. Ainda assim, a chamada “era dos festivais” projetou nomes referenciais do cenário da MPB, incluindo, além daqueles já mencionados, outros como Edu Lobo, Caetano VelosoGilberto GilMilton Nascimento, Paulinho da Viola e a cantora Elis Regina, entre tantos mais.

Lirismo e protesto

A canção “Roda viva” foi um marco no que se refere à questão política que o país viveu naquela época. A música fez parte de uma peça teatral de autoria de Chico Buarque e foi estreada no começo de 1968, no Rio de Janeiro. Na montagem em São Paulo, em meados daquele ano, em uma noite, um grupo de pessoas não identificadas invadiu o teatro e, além de destruir os cenários, espancou os atores. Depois, os repressores foram identificados como pertencentes ao grupo direitista Comando de Caça aos Comunistas (CCC). No fim daquele ano, o compositor foi levado de sua residência e conduzido para uma sessão de interrogatório no Exército sobre a peça Roda viva e suas atividades. Não ficou preso, porém foi avisado de que não poderia sair da cidade sem autorização. Em janeiro de 1969, participou de um evento na França e de lá seguiu para a Itália, onde foi homenageado. Permaneceu na Europa até o ano seguinte, em função dos riscos repressivos que corria no Brasil, apesar de sua notoriedade como ídolo da música.

Voltando para o Rio de Janeiro, em março de 1970, passou a ter muita dificuldade para continuar o trabalho artístico, pois tudo o que realizava (assim como ocorria com outros artistas menos convencionais) tinha de passar por uma severa censura. Um exemplo ocorreu com o samba “Apesar de você”, que inicialmente teve liberação da censura, sendo então gravado. Em seguida, porém, a música foi proibida, quando já obtivera grande sucesso. Os discos foram recolhidos das lojas. Os interrogatórios, as proibições e as interferências (cortes) em suas criações continuaram, fazendo com que, muitas vezes, as próprias emissoras de televisão, de rádio, os produtores e organizadores de eventos lhe impusessem restrições, temendo represálias dos órgãos de controle autoritário. É preciso lembrar que, nesse período, muitos ativistas foram presos, torturados e até assassinados. Na medida em que tudo que se enviava aos censores com o seu nome era sistematicamente vetado, Chico experimentou uma nova estratégia – enviou algumas músicas para a censura utilizando o pseudônimo Julinho da Adelaide. Conseguiu assim “liberar” algumas músicas, entre as quais “Acorda, amor” (1974). Mas o recurso não pôde ser utilizado por muito tempo. A situação era, de fato, difícil e temerária, pois o compositor passara a ser considerado um emblema da resistência política, o que não lhe agradava. Por outro lado, isso o aproximou de artistas engajados do mundo inteiro. Foi o que ocorreu depois de sua visita a Cuba, em 1978. Chico passou a divulgar alguns dos compositores da ilha no Brasil, incluindo Silvio Rodríguez Pablo Milanés.

Apesar do cerceamento, Chico pôde se fazer entender pela maestria no uso do verbo, nas criativas e sutis metáforas, ironias, alegorias e outros recursos da escrita, que, no entanto, eram muito bem entendidas por aqueles que acompanhavam de forma mais atenta a situação política que se vivia. Suas aparições e gravações eram sempre aguardadas com ansiedade, pois, para muitos, era praticamente a única forma de se poder “falar” pela voz do compositor. Mas, diante da situação, preferiu refrear as apresentações artísticas por quase dez anos, desde 1975 até meados da década seguinte, apresentando-se apenas em momentos especiais, como nas festas operárias do 1º de Maio, algumas campanhas políticas e alguns eventos desse tipo. Voltando às apresentações artísticas, chegou a comandar com o compositor e cantor Caetano Veloso um programa de televisão (1986, “Chico & Caetano”, da Rede Globo), por algum tempo.

 

Produção literária

Nas décadas de 1980 e 1990, com o país já voltando à normalidade democrática, as atividades públicas de Chico diminuíram. Ele enfatizou, inclusive, sua produção literária, publicando os romances Estorvo (1991) e Benjamim (1995), depois transformados em filmes. Nesse tempo, há de se destacar que Chico foi tema de enredo da tradicional Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, do Rio de Janeiro, com o qual a agremiação venceu o carnaval de 1998. Em 2003, publicou o romance Budapeste, em 2009, Leite Derramado, e, em 2014, O Irmão Alemão. 

Chico Buarque de Holanda é artista e intelectual dos mais destacados da história da cultura latino-americana, cuja produção se desdobra em músicas, trilhas de filmes, teatro e balés, peças teatrais e literatura, dominadas, todas, com reconhecida desenvoltura. Suas realizações já mereceram dezenas de publicações entre livros e teses acadêmicas. Em torno delas, certamente, pode-se compreender diversos aspectos da história cultural e política do Brasil e da América Latina.