Protocolo Neutropenia Febril no paciente oncológico
5 de junho de 2024 Carlos Alberto Siqueira Lima Junior Destaque 0
Protocolo Neutropenia Febril no paciente oncológico
Enfermaria de especialidades pediátricas – USP- RP
Área:
Pediatria e Oncologia Pediátrica
Objetivos:
Orientar e padronizar o fluxo de atendimento do paciente pediátrico oncológico com suspeita de neutropenia febril em relação à avaliação inicial, solicitação de exames e início de tratamento na primeira hora.
Autores e afiliação:
Gabriela M. Altizani – Médica assistente da enfermaria de pediatria do HCFMRP-USP
Elvis T. Valera – Chefe da divisão de Oncologia pediátrica do HCFMRP-USP Lécio Rodrigues Ferreira – Médico Assistente da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do HCFMRP-USP
Data da última atualização:
22 de Maio de 2024
Definição:
Neutropenia febril (NF) é uma das complicações mais frequentes e de maior morbidade e mortalidade no paciente oncológico. É definida pela presença de febre associada à neutropenia e classificada conforme descrito a seguir:
– Menor ou igual a 1000 cels/mm3 com tendência à queda nas próximas 48h;
– Neutropenia grave: menor ou igual a 500 cels/mm3;
– Neutropenia profunda: menor ou igual a 100 cels/mm3;
– Neutropenia prolongada: menor ou igual a 500 cels/mm3 > 7 dias.
No HCFMRP-USP, consideramos febre como temperatura axilar maior ou igual 37,8oC ou maior ou igual a 37,5oC mantida por mais de uma hora.
Para saber se o paciente tem tendência à queda de neutrófilos nas próximas 48h é necessário identificar quando foi a última quimioterapia recebida pelo paciente. De forma geral, pacientes que receberam quimioterapia nos últimos 10-14 dias, têm maior chance de estarem neutropênicos na avaliação.
Quadro clínico:
O quadro clínico é variável, desde pacientes com febre e assintomáticos até pacientes com sinais e sintomas ameaçadores à vida.
Em crianças com neutropenia, os achados podem ser sutis. Dessa forma, pequenas alterações (ex: leve eritema no sítio de inserção do cateter ou no seu trajeto de tunelização subcutânea) devem ser valorizadas.
É necessário perguntar ativamente sobre sintomas respiratórios, lesões de pele, mucosite oral (lesões inflamatórias ou ulcerativas) e de região perianal, alterações do trato gastrointestinal como dor abdominal, diarreia ou vômitos. No entanto, é importante salientar que, em muitos casos, não encontraremos foco para a febre e o exame físico será normal.
Pontos importantes a serem avaliados:
– Horário de início e duração da febre;
– Doença de base, data e tipo da quimioterapia realizada;
– Presença de cateter venoso central (CVC);
– Uso de profilaxia antimicrobiana (antibiótico, antiviral ou antifúngico);
– Histórico de internação recente (checar culturas prévias disponíveis no
sistema ATHOS e uso prévio de antimicrobiano, especialmente nos últimos 30 dias).
Diagnóstico:
– Neutropenia: contagem de neutrófilos menor ou igual a 500 cels/mm3 ou menor ou igual a 1000 cels/mm3 com tendência à queda nas próximas 48h e
– Febre: temperatura axilar maior ou igual 37,8oC ou 37,5oC mantida por mais de 1 hora. Caso a aferição seja oral, consideramos temperatura maior ou igual a 38,3oC ou 38oC mantida por mais de 1 hora.
O exame físico deve ser minucioso com enfoque para mucosas (oral, vaginal e região perianal – obs: não realizar toque retal pelo risco de translocação), abdome, lesões de pele (pois podem ser porta de entrada para microrganismos), aspecto do cateter e nível de consciência. Aferir sinais vitais, pois não raramente esses pacientes são admitidos com sinais de choque séptico.
Exames complementares:
Para todos os pacientes:
– Hemograma;
– Proteína C reativa (com a finalidade de seguimento longitudinal e não
como definidor de conduta);
– Cultura pareada de sangue periférico (2 amostras) e 1 amostra de cada
via do cateter venoso central, caso presente;
Caso sintomas respiratórios:
– Painel viral (se sintomas respiratórios e epidemiologia compatível):
vírus sincicial respiratório; influenza e SARS-COV-2;
– Raio-X de tórax;
Caso sinais de sepse/ comprometimento sistêmico:
– Gasometria;
– Lactato;
– Glicemia;
– Eletrólitos: Sódio; Potássio; Cálcio; Cloro;
– Ureia e Creatinina
– Bilirrubinas;
– TGO/TGP;
– Albumina;
– TP/ TTPA/ fibrinogênio;
Sintomas urinários:
– Urina rotina + urocultura;
Sintomas do trato gastrointestinal (dor abdominal/ vômitos/ diarreia):
– Considerar ultrassom de abdome e/ou tomografia de abdome a depender da gravidade clínica e suspeita de enterocolite neutropênica.
Decidir em conjunto com a oncologia pediátrica.
Investigação adicional em caso de neutropenia grave prolongada e febre persistente (decidir em conjunto com a oncologia):
– Tomografia de tórax e seios da face;
– Avaliação da equipe da otorrinolaringologia para realização de
nasofibroscopia;
– Ecocardiograma;
– Ultrassom de abdome;
– PCR para citomegalovírus;
Tratamento:
O tratamento deve ser iniciado dentro da primeira hora de admissão do paciente, de preferência após coleta de culturas. Caso a suspeita seja de NF, não esperar resultado de hemograma para iniciar antibióticos. Este poderá ser descontinuado posteriormente caso não se confirme a NF. Caso a coleta de exames ou qualquer outro evento possa atrasar o início do tratamento, sempre priorizar o início da antibioticoterapia.
Para todos os pacientes clinicamente estáveis: Cefepime 150 mg/kg/dia 8/8h (máximo de 2g por dose)
Se mucosite grave / lesões de pele / suspeita de Infecção associado ao CVC: Cefepime 150 mg/kg/dia 8/8h + Vancomicina 40 mg/kg/dia 6/6h
Se sintomas gastrointestinais e/ou periodontite: Cefepime 150 mg/kg/dia 8/8h + Metronidazol 7,5 mg/kg/dose 6/6h. Alternativa: Piperacilina – tazobactam.
Se lesões de pele em períneo (risco para síndrome de Fournier): Cefepime 150 mg/kg/dia 8/8h + Vancomicina 40 mg/kg/dia 6/6h + Metronidazol 7,5 mg/kg/dose 6/6h. Alternativa: Piperacilina – tazobactam + Vancomicina.
Para os pacientes clinicamente instáveis sem foco de infecção definido (sinais de choque séptico): Cefepime 150 mg/kg/dia 8/8h (máximo de 2g por dose) + Vancomicina 40 mg/kg/dia 6/6h. A depender do quadro, considerar associação de uma segunda droga contra bacilos Gram negativos (BGN) (ex: aminoglicosídeos). Nos casos de pacientes com culturas prévias evidenciando presença de BGN ESBL+ ou BGN resistente ao cefepime, ou histórico recente de falha de tratamento da NF com cefepime, iniciar o tratamento da NF com carbapenêmico (meropenem, preferencialmente). Nos casos de paciente com colonização ou infecção prévia por BGN resistente aos carbapenêmicos, Enterococo resistente à vancomicina (VRE) ou outras situações específicas, discutir o caso com a CCIH e/ou oncologia.
Casos de infecção viral, como herpes zoster, ou suspeita de infecção fúngica invasiva deverão ser discutidos com a oncologia pediátrica e CCIH.
Sempre discutir com oncologia pediátrica início do uso de filgrastima (dose habitual: 5-10 mcg/kg/dia)

Referências bibliográficas:
Thomas Lehrnbecher et al., Guideline for the Management of Fever and Neutropenia in Pediatric Patients With Cancer and Hematopoietic Cell Transplantation Recipients: 2023 Update. JCO 41, 1774-1785(2023). DOI:10.1200/JCO.22.02224
Fever in children with chemotherapy-induced neutropenia, Uptodate