Veredicto histórico: O primeiro julgamento de genocídio contra os Yazidis

Veredicto histórico: O primeiro julgamento de genocídio contra os Yazidis

 

Texto elaborado por Felipe Nicolau Pimentel Alamino e  Larissa Kröner Bresciani Teixeira

16 de maio de 2022

Em novembro de 2021, Taha al-Jumailly, um membro iraquiano do Estado Islâmico, foi condenado a prisão perpétua por um Tribunal alemão por cometer uma série de crimes contra a minoria Yazidi, incluindo a escravização e assassinato de uma menina de 5 anos da minoria, em Faluja, no Iraque. O Tribunal Regional Superior de Frankfurt identificou que os crimes configuram crime de genocídio e contra a humanidade, tornando o presente caso o primeiro julgamento de genocídio contra a minoria étnico religiosa Yazidi. 

O presente julgamento também é inovador no sentido de ser baseado no princípio da jurisdição universal sobre os crimes tipificados à luz do direito internacional penal, haja vista que o autor não é cidadão alemão e, a partir de um mandado de prisão internacional, foi extraditado para a Alemanha. A jurisdição universal é importante princípio de direito internacional público, que impede que crimes internacionais deixem de ser investigados, evitando a impunidade dos agentes que cometeram crimes que são do interesse da humanidade como um todo, não apenas de um ordenamento jurídico específico.

Em 2014, o Estado Islâmico iniciou uma ofensiva de ataques direcionados a população civil Yazidi, minoria religiosa e linguística, a qual se encontra na região Sinjar, ao norte do Iraque. Esta região fica a 15 quilômetros da fronteira com a Síria e é casa para o maior agrupamento da comunidade Yazidi no mundo. O Estado Islâmico publicamente direciona seus discursos de ódio aos Yazidis e os classifica como um grupo infiél. De 2014 a 2016, cerca de 10 mil pessoas foram assassinadas durante as atrocidades em massa, bem como estima-se que cerca de 7 mil mulheres e meninas foram escravizadas sexualmente (AMIEL, 2021). Os homens Yazidis foram obrigados a se converter ao Islã, caso contrário eram executados ou deportados e usados como trabalhadores forçados. Os meninos de sete anos eram “re” educados em escolas Corânicas e, a partir, dos 14 anos de idade, participavam de campos de treinamento do grupo, sendo recrutados inclusive para realizar ataques suicidas (HIGHER REGIONAL FRANKFURT/MAIN, 2021, p.2). 

Tipificado inicialmente pela Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (1948) e pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, o crime de genocídio exige que o perpetrador tenha uma intenção especial de destruir, no todo ou em parte, um grupo protegido. Identificados no artigo 2º da Convenção contra Genocídio e no artigo 6º do Estatuto de Roma, os grupos protegidos são os grupos nacionais, étnicos, raciais ou religiosos. Assim, os atos criminosos devem ser cometidos contra uma pessoa em razão de seu pertencimento a um determinado grupo, no objetivo de destruir aquele grupo (no todo ou em parte), e não somente o indivíduo.

O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em um relatório especial elaborado em 2016, reconheceu que os crimes cometidos pelo Estado Islâmico contra os Yazidis configuram como genocídio, sobretudo por que o objetivo do grupo é apagar completamente o modo de vida Yazidi. Além dos assassinatos em massa, o Estado Islâmico tenta destruir os Yazidis de diversas formas, como pela escravidão seuxal, escravidão, tortura, tratamento desumano e degradante, transferências forçadas, imposição de medidas para impedir o nascimento de crianças Yazidis (HUMAN RIGHTS COUNCIL, 2016). 

No caso em tela, Taha al-Jumailly foi preso em maio de 2019 na Grécia, onde tentava adquirir o status de refugiado. O Estado alemão já investigava a sua esposa, Jennifer W, e por isso emitiu um mandado de prisão internacional para o senhor Taha. O Tribunal condenou Taha al-Jumailly por comprar uma mulher Yazidi e sua filha de 5 anos como escravas em 2015 no Iraque. Além do aspectro do assassinato e dos maus tratos a menina de 5 anos da minoria Yazidi, a Promotoria precisou vincular a ideologia do Estado Islâmico como fundamento aos atos praticados por Taha al-Jumailly. Como o réu agiu com o intuito de destrui-las por serem membros do grupo Yazidi, a intenção específica do crime de genocídio foi caracterizada. 

Considerou-se que Taha pretendia eliminar a minoria religiosa Yazidi comprando e escravizando-as, sobretudo por ser membro do Estado Islâmico. Taha punia suas vítimas, sobretudo a criança, que era forçada a ficar descalça sobre pedra no quintal ao Sol, em uma temperatura que varia de 38 a 51 graus Celsius à sombra. No dia específico do assassinato da criança, ela havia sido amarrada à grade da janela em punição por haver, em razão de doença, urinado no colchão. A criança foi exposta à luz do sol direta, sem recurso de comida ou água, tendo morrido devido à insolação (HIGHER REGIONAL FRANKFURT/MAIN, 2021, p.3).

O Tribunal considerou Taha culpado de genocídio, combinado com crime contra a humanidade, resultando em morte, crime de guerra contra indivíduos, resultando em morte, auxílio e cumplicidade em crime de guerra contra indivíduos e lesão corporal resultando em morte, sendo sentencidado a prisão perpétua e a um multa compensatória à vítima, no valor de 50 mil Euros, pelo dano moral sofrido pela mãe da criança. O Tribunal precisou ouvir um grande número de especialistas e testemunhas, inclusive com algumas delas tendo que viajar do Iraque a Frankfurt, em meio à pandemia. Cabe ainda recurso à esfera federal na justiça alemã (HIGHER REGIONAL FRANKFURT/MAIN, 2021, p. 1;4).

 

Referências

AMNESTY INTERNATIONAL. Germany/Iraq: World’s first judgment on crime of genocide against the Yazidis. Disponível em: https://www.amnesty.org/en/latest/news/2021/11/germany-iraq-worlds-first-judgment-on-crime-of-genocide-against-the-yazidis/. Acesso em: 14 mai 2022. 

AMIEL, Sandrine. World’s first trial for genocide against Yazidis set to conclude in Germany. In: EURONEWS. 29 november 2021. Disponível em: https://www.euronews.com/2021/11/29/world-s-first-trial-for-genocide-against-yazidis-concludes-in-germany. Acesso em: 14 mai 2022. 

HIGHER REGIONAL FRANKFURT/MAIN,  Press Release – Frankfurt/Main, 30 november 2021, no. 78/2021. https://ordentliche-gerichtsbarkeit.hessen.de/pressemitteilungen/higher-regional-court-frankfurtmain-sentences-taha-al-j-to-lifelong-imprisonment. Acesso em: 14 mai 2022.

HUMAN RIGHT COUNCIL.  “They came to destroy”: ISIS Crimes Against the Yazidis.A/HRC/32/CRP.2.  15 June 2016. Disponível em: https://www.ohchr.org/sites/default/files/Documents/HRBodies/HRCouncil/CoISyria/A_HRC_32_CRP.2_en.pdf. Acesso em: 13 mai 2022. 

 

Fonte da foto: https://www.bbc.com/news/world-europe-59474616

Na foto, Taha al-Jumailly escondendo seu rosto de fotógrafos após decisão judicial. 

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