Segundo especialistas, existem muitos benefícios na ação, mas é necessário adotar medidas para o conforto de todos
Durante a pandemia de covid-19, o número de adoções de animais aumentou cerca de 400%, segundo dados da Uipa (União Internacional Protetora dos Animais). Após esse período, algumas empresas vêm adotando a prática do dog day (dia do cachorro, em português), ou seja, levar o cachorro para o trabalho em um dia combinado e até mascotes. A iniciativa é comum em outros países, como os Estados Unidos, o qual inclusive possui o “dia nacional de levar seu cão para o trabalho”, que ocorre na sexta-feira seguinte ao Dia dos Pais estadunidense.
Estima-se que esse contato começou por volta de mais de 20 mil anos atrás, com lobos. Carolina Jardim Barboza, mestranda em Psicologia Experimental no Instituto de Psicologia da USP, dona da empresa Turma do Focinho e consultora comportamental de cães, explica a relação do homem com o cão, subespécie dos lobos: “O primeiro processo foi uma domesticação mais natural e uma aproximação por interesse mesmo. Eles viram nos caçadores-coletores uma fonte de comida. Por outro lado, o humano acabou vendo nisso uma limpeza de território e uma questão de guarda”. A especialista afirma que o processo subsequente foi artificial, com cruzamentos que visavam — e ainda buscam — a características específicas, como força, estética, vocalização e faro, por exemplo.
Ana Alice Vercesi Gallo, fundadora da Cão Vivência e adestradora voluntária responsável pela implantação do projeto de Atividades Assistidas por Animais do Hospital das Clínicas da USP de Ribeirão Preto, destaca que o toque e a companhia de um animal trazem benefícios: “A gente tem menor taxa de hipertensão, há uma redução de hormônios ligados ao estresse, aumento de produção de ocitocina, que é um hormônio relacionado ao desenvolvimento de confiança e simpatia. Também tem um aumento na produção de imunoglobulina, que melhora a resistência do organismo. Isso tudo ao olhar, interagir ou tocar um cão”.
Ambiente pet-friendly
“O animal de estimação funciona muitas vezes como um catalisador social. Colaboradores que muitas vezes não têm muita integração na empresa, ao compartilhar experiências dos seus animais de estimação experimentam essa aproximação que, talvez por outros assuntos ou por outros interesses, não ocorresse no ambiente corporativo”, explica Ana Alice.
Segundo ela, existem muitas formas de incluir os animais de estimação no ambiente organizacional, como em ciclos de palestras. Além disso, é possível planejar um dog day e até receber um plano de saúde pet como benefício no trabalho. Carolina salienta que a prática só é realizada com cachorros, visto que gatos e outros animais possuem transporte e socialização diferentes. Empresas como a Nestlé, Serasa, Roche e C&A já experimentaram a atividade.
A mestranda, que também presta esse serviço, explica que o processo envolve várias frentes de trabalho, passando desde uma entrevista com o tutor do animal até a construção de espaços de lazer para os pets. “Dependendo do temperamento do cão, ele vai ficar com outros; ou não, vai ficar na sala, com o proprietário. A ideia é pensar em um tripé: o ganho tem que ser para o cão, para o funcionário e para a empresa.” Segundo ela, cachorros mais reativos — aqueles que reagem com mais intensidade a estímulos —, dependendo do grau, podem ter atividades de passeio com um monitor. Já os mais sociáveis ficam em uma área de atividades, junto com outros “colegas”. Também é possível estar na companhia do cão em reuniões on-line.
Carolina menciona que é importante prezar pelo bem-estar do animal: “Para isso, precisa de uma equipe especializada. Infelizmente, têm pessoas que decidem levar o cachorro por benefício próprio. Sem pensar no temperamento do cão e se ele tem alguma fobia”.
Cuidados e desafios
As duas especialistas destacam que, para a atividade ser prazerosa — tanto aos cachorros quanto aos humanos —, é necessário que todos sejam escutados e combine-se limites para a interação. “Você pode ter colaboradores que têm alergia ao pelo desse animal, que têm fobia a algum tipo de animal de estimação. Precisa ter regras compartilhadas para entender os limites disso tudo”, esclarece Ana Alice. Para ela, a organização de dias mais tranquilos para as visitas, a parceria e a conversa são essenciais.
Em relação à saúde dos cães, Carolina relata que é importante que as vacinas, o protocolo de vermifugação e o protetor antiparasitário estejam em dia. “Já pensou levar seu cachorro para o ambiente de trabalho e ele pega um carrapato de outro animal? Isso acaba sendo um motivo para não repetir o evento. Quando se trabalha em conjunto com uma empresa, também se exige essa documentação.”
A segurança também é uma questão que deve ser discutida: “No cenário ideal, teria que ter um ambiente adequado, monitores especializados para gerenciar o que foi desenvolvido”. A consultora comportamental cita que os tutores têm suas funções na empresa e que, na falta de atenção, o pet pode invadir outras salas, ter contato com alguém que tem medo e até fugir.
Por Isabella Lopes, sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira para o Jornal da USP no ar, 22/4/2025