Quando o novo coronavírus chegou aos Estados Unidos, Diane Button seguiu a orientação de especialistas de saúde: se possível, fique em casa e adapte o seu trabalho para o home office.
Em seu caso, a decisão implicou, por exemplo, continuar ajudando uma cliente que está escrevendo uma carta de despedida. Agora, ela orienta por telefone. “Eu digo: ‘se a sua família pudesse estar reunida novamente por uma última vez, o que você diria a eles?’ Ela vai me falando e eu escrevo.”
Diane Button é uma doula da morte. Doular uma pessoa, função mais conhecida quando uma profissional auxilia a mãe durante o parto, vem ganhando espaço agora na outra ponta, no fim da vida.
A doula oferece conforto físico, espiritual e prático para o seu cliente quando ele está próximo da morte e faz valer seus desejos após seu falecimento. Isso pode significar acender uma vela na cabeceira da cama, entregar uma mensagem, garantir que seu corpo seja cremado e até mesmo resolver questões burocráticas, como testamentos. Outras atribuições estão vetadas, como a aplicação de remédios.
O ofício é menos protocolar do que outros ligados ao momento da partida. A ideia é entender com o cliente quais são suas demandas, os últimos pedidos e questões a resolver. Isso não significa que não seja necessário treino: no Brasil, o primeiro curso para doulas da morte foi ministrado em 2019. O curso foi criado pelas gaúchas Tatiana Santana e Ana Portillo. Antes disso, era preciso buscar orientação fora do país. Em março, começaram as aulas da terceira turma — que agora ocorrem online, por causa da necessidade de distanciamento social.
O trabalho ainda não tem suas atribuições tipificadas no Brasil, mas Santana começa a observar um movimento das doulas para exigir essa regulamentação. “Assim como as doulas de nascimento se organizaram e em alguns locais já são regulamentadas, a gente entende que esse processo vai começar a acontecer com as doulas da morte também”, explica.
A procura no Brasil ainda é baixa. Durante a pandemia, porém, Santana, que é enfermeira, relatou maior interesse das pessoas pelo seu trabalho.
É consenso entre os profissionais entrevistados por TAB que deveríamos falar mais sobre a morte. Maria Julia Kovács, professora do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), explica que a pandemia colocou um holofote sobre o tema, mas não antecipa as possíveis consequências dessa mudança.
“Estamos sendo submetidos a uma overdose de imagens de morte em UTIs, com muito sofrimento. (…) Ela invade nossos lares, nossas vidas”, explica. “Muitas pessoas estão morrendo sozinhas nos hospitais ou em casa. Familiares e amigos estão sofrendo sem notícias”, diz Kovács, que coordena o Laboratório de Estudos Sobre a Morte da USP. “Muita coisa vai mudar, mas ainda não sabemos em que direção.”
Para Cristiane Moro, fisioterapeuta há 20 anos e doula da morte, a solidão não é novidade. “Todo mundo hoje fala que a morte por Covid-19 é solitária, porque está muito evidente no momento. Mas vejo mortes solitárias de idosos há muito tempo.”.
Por Daniela Arcanjo