No centro das decisões: jovens formadas na USP se destacam como lideranças femininas da política

Sâmia Bomfim, Luana Alves [IPUSP], Luna Zarattini e Letícia Chagas são as ex-alunas da USP que compõem a parcela mais jovem do parlamento brasileiro e reivindicam direitos para as minorias sociais

A política institucional brasileira possui um rosto específico. Homens brancos com uma média de 49 anos de idade representam o perfil dominante dos deputados eleitos nas últimas eleições, enquanto a participação feminina conseguiu chegar apenas a 18% do Congresso Nacional, segundo levantamento do site G1, com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Outra pesquisa publicada no site da Câmara Legislativa aponta que, no âmbito municipal, a desigualdade de gênero é ainda maior, com 84% de maioria masculina. Mas insurgem, no cenário político atual, jovens mulheres que buscam desafiar essas estatísticas e construir um horizonte de resistência.

Algumas delas são Sâmia Bomfim, Luana Alves, Luna Zarattini e Letícia Chagas, que recentemente conseguiram seu espaço na Câmara, na Assembleia ou no Congresso. Além do propósito de combate ao tradicionalismo da política nacional, também se assemelham na trajetória universitária: todas foram alunas da USP e participantes ativas do movimento estudantil. Antes de ocuparem os principais centros de poder e decisão do País, adquiriram experiência e fortaleceram sua experiência na militância liderando reivindicações sociais dentro da Universidade. Hoje, elas compõem a parcela mais jovem e diversa do parlamento brasileiro.

Suas lutas são transversais: procuram levar para as bancadas as demandas dos estudantes, das mulheres, da população negra, indígena e periférica. Para elas, a entrada na política institucional não é o destino final de suas atuações políticas, mas sim uma forma de expandir o alcance da militância já realizada ao longo do tempo: “A política não é sobre ganhar o parlamento, é sobre transformar o mundo”, manifesta Letícia, que foi eleita deputada estadual nas últimas eleições, com 22 anos. Sâmia, a oitava mulher mais votada para o Legislativo de São Paulo no ano passado, reforça a urgência de uma maior heterogeneidade na política do Brasil: “Mulheres, jovens oriundos das periferias, são pessoas assim que precisamos consolidar como lideranças na política institucional”.

Conheça um pouco da trajetória de cada uma dessas mulheres:

LUANA ALVES
“A juventude ter no curso universitário um sonho e uma possibilidade é algo que me acompanha até hoje”

Não foi da noite para o dia que Luana Alves, ex-aluna da USP eleita a vereadora mais jovem em 2020 pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), decidiu embarcar na trajetória política para disputar seu lugar na sociedade. Os problemas estruturais e as injustiças sociais do País desde cedo são assuntos presentes nas conversas com seu pai, que foi preso e torturado pela ditadura militar. “Sempre houve debate sobre a distribuição da riqueza, por exemplo”, conta Luana. As influências maternas também são evidentes: a mãe, assistente social e militante do movimento antimanicomial, incutiu na filha o orgulho do cabelo crespo e da pele preta. 

A mulher, hoje com 29 anos, nascida em Santos, que distribuía panfletos, levantava bandeiras e participava de carreatas quando criança, se adentrou ainda mais na luta política com o ingresso na USP. Luana foi caloura de Psicologia em 2012 e afirma que já neste primeiro ano conectava a graduação com pautas sociais: “No curso, encontrei a linha das políticas públicas de saúde. Eu pude estagiar na UBS [Unidade Básica de Saúde], conhecer os postos de saúde e conhecer a psicologia dentro de um contexto de política pública de saúde total”. 

Luana no dia da sua posse de vereadora, em 2021 - Foto: Reprodução/Instagram

Mas a atuação política de Luana na USP se estendeu para além do curso de graduação. Sua vivência na Universidade abarcou o efervescente período de luta pela aprovação das cotas étnico-raciais. Sendo uma das poucas alunas pretas, logo entrou para o movimento negro e estudantil para dar continuidade a essa batalha histórica, existente desde a década de 1980. Foi representante dos estudantes no Conselho Universitário, codiretora do coletivo Juntos, militante do Ocupação Preta e membro da gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Em todas as organizações, lutou pela maior inclusão dos estudantes racializados, e viu a vitória acontecer. “Eu fui parte desse movimento. Foi uma luta muito suada”, relata.

Luana no dia da sua posse de vereadora, em 2021 - Foto: Reprodução/Instagram

Durante a sua trajetória na Universidade, conheceu a organização de que participa hoje, a Rede Emancipa, movimento social que agrega diversos cursinhos populares, com o objetivo de democratizar o acesso ao ensino superior. Em 2014, ajudou na logística do Dia na USP, evento organizado pelo próprio movimento que leva os alunos da rede para conhecer o campus. “Fiquei encantada, porque pela primeira vez eu vi a Universidade cheia de pessoas pretas e periféricas”, conta. 

Segundo Luana, esse acúmulo de experiências na USP foi “indispensável” para a sua decisão de disputar a política institucional. Foram 37 mil votos que levaram pautas como o combate ao racismo e a acessibilidade da educação para a juventude periférica até a Assembleia Legislativa de São Paulo. “A democratização da possibilidade para o jovem da quebrada, a juventude ter no curso universitário um sonho e uma possibilidade, é algo que me acompanha até hoje. E isso se relaciona com muitas políticas públicas municipais ”, diz. 

Democratizar a USP é, para a vereadora, o principal passo para proteger a educação pública. Os ataques generalizados às universidades estaduais e federais se fortalecem na sociedade brasileira porque elas se encontram distantes da realidade das camadas populares, opina Luana. “A USP precisa ser um sonho possível para a juventude. É necessário que a Universidade dialogue com as bases da sociedade”, manifesta.

Por Maria Fernanda Barros, para o Jornal da USP, 7/6/2023