EM UM CENÁRIO DE CRISE AMBIENTAL GLOBAL, O QUE PODEMOS FAZER?

Esta é a publicação do editorial do número 8 da Revista BALBÚRDIA. O número 8 completo está disponível para baixar aqui.

30 de maio de 2025 | 10:00

A crise climática planetária não é mais uma ameaça distante. Ela está aqui, agora, remodelando ecossistemas, economias e sociedades em um ritmo alarmante. De ondas de calor intensas a inundações devastadoras, as mudanças climáticas estão impondo desafios sem precedentes à humanidade.

Infelizmente, o cenário de destruição ambiental não diz respeito apenas à emergência climática. Os problemas a serem enfrentados são inúmeros e de diversas ordens, na frente ambiental temos a destruição de biomas nativos perda de biodiversidade, alteração dos regimes hídricos; na frente socioambiental notamos um aumento alarmante na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos como as enchentes, desmoronamentos, poluição do ar, de nascentes e do solo, as queimadas e a desertificação; finalmente, todos esses problemas se encontram na frente social, amplificando o extrativismo intensivo, a monocultura latifundiária, a injustiça climática, o racismo ambiental e o assassinato de populações originárias, gerando a necessidade de lutar por terras produtivas, gerir melhor os resíduos e repensar o consumismo desenfreado.

Apesar de muitas evidências e alertas, que não são recentes na história, estamos caminhando para uma catástrofe ambiental e humanitária sem precedentes. 

Fato é, a Terra já aqueceu cerca de 1,1°C (IPCC, 2023), e as consequências são palpáveis e foram sentidas por milhões de brasileiros nos últimos anos, seja nas enchentes que atingiram o Sul ou nas queimadas intensas que afetam todo o país, o aumento de doenças transmitidas por vetores como a dengue, malária e a febre amarela e a insegurança alimentar são apenas algumas das consequências diretas (ONU Brasil, 2021).

O Brasil tem 58% (Oxford, 2024) do seu território coberto por florestas, é a nação mais rica em biodiversidade do planeta e com a maior quantidade de água doce. Deveríamos assumir uma posição de liderança nas mudanças sociais e ambientais, todavia o que estamos fazendo? Devastando nossas riquezas naturais, pelo desmatamento,  poluição e o avanço descontrolado da fronteira agrária. 

Colocamos em risco não apenas os ecossistemas, mas também as populações que dependem deles diretamente, como os povos originários e as populações ribeirinhas, apagados, silenciados e atacados rotineiramente, e de forma menos direta, como as populações urbanas, que sofrem com as consequências dessa destruição, com problemas de saúde, aumento dos custos alimentícios e, consequentemente,  insegurança alimentar.

Em 2022, foram desmatados o equivalente a quase sete vezes o tamanho da cidade de São Paulo (Brasil, 2022). Este desmatamento é impulsionado, em grande parte, pela expansão da agropecuária, mineração ilegal e extração de madeira.

Povos originários, responsáveis por preservar cerca de um terço das áreas protegidas do país (Oviedo e Doblas, 2022), enfrentam invasões frequentes do garimpo, grileiros e pecuaristas. Casos de invasão em terras indígenas aumentaram em 180% entre 2018 e 2022 (Brasil, 2023). Ao mesmo tempo, trabalhadores rurais e assentados lutam contra a concentração fundiária e pela implementação de políticas de reforma agrária.

O agronegócio brasileiro está associado à degradação ambiental e às injustiças sociais. Apenas em agosto de 2024, 2,4 milhões de hectares foram incendiados no Cerrado, bioma conhecido como a "caixa d'água do Brasil" (Projeto MapBiomas, 2024). Hoje, a maior bancada do congresso é a ruralista, com 251 deputados e 49 senadores membros, enquanto que a chamada frente ambientalista conta apenas com 181 congressistas e 14 senadores (Portal da Câmara dos Deputados, 2024). A luta pela terra representa uma das facetas mais agudas da crise ambiental brasileira. 

Frente às enormes desigualdades questionamos: todos possuem a mesma parcela de culpa na atual crise ambiental? Daqui, surgem conceitos imprescindíveis, como a justiça climática e o racismo ambiental. Ambos destacam como a crise ambiental não afeta todas as populações de forma igualitária, exacerbando desigualdades socioeconômicas e raciais.

No Brasil, comunidades historicamente marginalizadas, como indígenas, quilombolas e moradores de periferias urbanas, são desproporcionalmente impactadas por eventos climáticos extremos, devido à combinação de vulnerabilidade social e desigualdade no acesso a recursos e políticas de adaptação climática. De forma injusta, essas são as comunidades de menor impacto ambiental.

O racismo ambiental no Brasil é colossal, principalmente em áreas urbanas onde aterros sanitários, indústrias poluentes e áreas de risco habitacional são frequentemente alocadas em comunidades predominantemente negras e com baixo poder aquisitivo (veja o filme “Lixo Extraordinário”!), sofrendo com falta de infraestrutura e maior exposição a enchentes e deslizamentos de terra (do Nascimento, de Azevedo e de Almeida, 2023).

É preciso lutar pela justiça climática, ou seja, combater também a estrutura de exclusão e desigualdades na qual estamos imersos. A falta de mecanismos participativos e de conscientização amplia as desigualdades climáticas, prejudicando os grupos mais vulneráveis (Torres et al., 2021)​.

Dessa maneira, o número 8 da revista BALBÚRDIA se posiciona em meio a essa distópica e atual realidade e se põe a refletir sobre o papel do ensino, do professor e de todos nós no meio dessa balbúrdia ambiental.

Diante dessa crise sistêmica e multifacetada, a educação, como forma de libertação e emancipação de uma estrutura dominante, precisa abordar transversalmente o que se denomina de educação ambiental (EA). Essa área preconiza  promover a conscientização, a crítica e a ação transformadora. Estimula uma compreensão mais profunda da interconexão entre as ações humanas e o meio ambiente.

Quando integrada aos currículos e programas educacionais, a EA pode impulsionar mudanças sistêmicas, formar futuras gerações em um paradigma mais sustentável e socialmente justo, incentivar a ação social e comunitária, estimular a consciência crítica e valorizar o conhecimento tradicional (Dias e Salgado, 2023).

Nesse contexto, o tema Ensino de Ciências e a Educação Ambiental foi escolhido para o mais novo número da revista BALBÚRDIA. Serão explorados não apenas dados e pesquisas que elucidem a urgência em se trabalhar a EA, assim como ações concretas e maneiras de atuar frente às crises ambientais. Programas educativos voltados para a EA podem empoderar comunidades marginalizadas, engajá-las em soluções locais e exigir mudanças estruturais​.

O oitavo número da revista destaca, no Espaço do Docente, o trabalho produzido pelo Grupo de Pesquisa em Educação Ambiental e Formação de Educadores (GPEAFE) do IB-USP, grupo dedicado a investigar, entre outros tópicos, o papel da EA no contexto atual.

Na editoria Homenagem, convidamos o leitor a fazer uma linda viagem pelo legado e história de Chico Mendes. O ambientalista é símbolo da luta pela preservação da Amazônia e é apresentado em “Chico Mendes: o filho da floresta”, em um texto poético e inspirador que convida à reflexão.

A Professora Doutora Thais Brianezi (CCA/ECA/USP) agraciou o número 8 com uma Entrevista na qual compartilha suas experiências no campo socioambiental, sua trajetória marcada pela integração entre justiça social e ambiental, e seu envolvimento em projetos de educomunicação e educação ambiental crítica. Na conversa, ela destaca a importância de lutas integradas para enfrentar crises climáticas e desigualdades, além de trazer reflexões sobre práticas educativas transformadoras que valorizam o diálogo e o engajamento coletivo. Uma leitura essencial para quem busca inspiração e ação frente aos desafios atuais!

Em suma, este número 8 apresenta uma conversa inadiável sobre a questão ambiental e a Educação Ambiental imersa nesse contexto. A BALBÚRDIA se empenhou em apresentar materiais que contribuam para a valorização da EA e que incentivem a formação de nossos leitores, destacamos os textos da série Textos de Divulgação Científica e do Espaço aberto, que trazem o tema de forma ampla, contundente e intimamente relacionada à prática docente na contemporaneidade com exemplos concretos de como a EA pode ser integrada ao cotidiano escolar ou a projetos comunitários.

O cenário atual exige urgência. Vamos exigir responsabilidade e reimaginar o progresso. Tal desafio exige um esforço coletivo para transformar a maneira como vemos e nos relacionamos com o meio ambiente. Este número da BALBÚRDIA convida você, leitor, a refletir, agir e ser parte da mudança.

Uma boa leitura!

Balburdie-se!

 

Referências:

BRASIL. Nota técnica: Estimativa de desmatamento na Amazônia Legal para 2022 é de 11.568 km2.  [s.l.] Brasília, DF, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 2022.

______. Relatório: Violência contra os povos indígenas no Brasil: dados de 2022. [s.l.] Brasília, DF, Conselho Indigenista Missionário, 2023.  

DIAS, Genebaldo Freire; SALGADO, Sebastião. Educação ambiental, princípios e práticas. Editora Gaia, 2023.

PORTAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2024. Acessado em 27 nov. 2024, através do link: https://www.camara.leg.br/deputados/frentes-e-grupos-parlamentares.

INTERGOVERNMENTAL SCIENCE-POLICY PLATFORM ON BIODIVERSITY AND ECOSYSTEM SERVICES. Relatório: Summary for policymakers of the global assessment report on biodiversity and ecosystem services of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services. Secretariado IPBES, Bonn, Alemanha, 2019.

INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE. Relatório: Summary for Policymakers. In: Climate Change 2023: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. IPCC, Geneva, Suíça, p. 1-34, 2023.

do NASCIMENTO, K. L.; de AZEVEDO, S. L. M.;  de ALMEIDA, M. As múltiplas faces do racismo ambiental no Brasil: uma revisão sistemática. Observatorio de la economía latinoamericana, v. 21, n. 6, p. 5072–5089, jun. 2023.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2021. Mudanças climáticas são a maior ameaça à saúde humana, afirma OMS. Acessado em 27 nov. 2024, através do link: https://brasil.un.org/pt-br/151400-mudan%C3%A7as-clim%C3%A1ticas-s%C3%A3o-maior-amea%C3%A7a-%C3%A0-sa%C3%BAde-humana-afirma-oms

PROJETO MAPBIOMAS, 2024. Mapeamento das áreas queimadas no Brasil entre 1985 a 2024. Coleção 3. Acessado em 27 nov. 2024, através do link: https://brasil.mapbiomas.org/wp-content/uploads/sites/4/2024/09/8_Boletim_fogo_Agosto2024-2.pdf.

TORRES, P. H. C. et al. Justiça climática e as estratégias de adaptação às mudanças climáticas no Brasil e em Portugal. Estudos Avançados, v. 35, n. 102, p. 159–176, ago. 2021.