Os direitos originários sobre terras indígenas em julgamento no STF

Por Carla Mustafa

A questão da demarcação de terras indígenas será abordada no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.017.365 que tramita no Supremo Tribunal Federal. O caso é extremamente relevante, pois servirá como parâmetro para futuras decisões judiciais sobre o tema. O art. 231 da Constituição Federal reconhece aos indígenas, os direitos originários sobre as terras tradicionalmente ocupadas e cabe ao Supremo Tribunal Federal como se dará sua intepretação.

Trata-se, originalmente, de uma ação de reintegração de posse movida pela Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (FATMA) de área administrativamente declarada como de tradicional ocupação indígena pelo povo Xokleng, localizada em Santa Catarina. Em 2003, por meio da Portaria nº 1.128/03 do Gabinete do Ministro da Justiça, a delimitação e a posse da terra de Ibirama-la klãnõ foi reconhecida às comunidades Xokleng, Guarani e Kaigang. O Tribunal Regional Federal da 4ª região manteve a decisão de primeira instância, favorável à FATMA. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) interpôs o Recurso Extraordinário no Supremo Tribunal Federal.

No dia 22/02/2019, este Recurso Extraordinário teve a repercussão geral reconhecida, pois além de tratar de questões específicas do processo, traz pontos de suma importância como fixação de critérios para ações envolvendo demarcação de terras indígenas em geral como o marco temporal e até mesmo a participação das comunidades afetadas como amici curiae.

O Parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União (AGU) tem grande impacto na análise do caso, uma vez que estava sendo utilizado para revisão de ações que já haviam estabelecido a demarcação de terras indígenas. A tese do marco temporal refere-se ao reconhecimento da posse da terra indígena, desde que o território já estivesse ocupado quando da promulgação da Constituição Federam em 05/10/1988. Considerando a situação de vulnerabilidade e constantes violações aos direitos dos povos originários, o reconhecimento deste marco temporal pode trazer impactos não apenas nas questões fundiárias, como na existência e preservação de comunidades indígenas.

Considerando o contexto de pandemia e o fato de que ações possessórias contra a comunidade indígena poderiam causar graves danos à saúde e integridade, o relator Ministro Facchin, deferiu a liminar para a suspensão dos efeitos do Parecer da AGU enquanto perdurar a crise sanitária ou até o julgamento final do Recurso Extraordinário pelo STF. Cerca de 17 procedimentos sobre demarcação de terras indígenas foram encaminhados para a FUNAI no sentindo de revisar as decisões, demonstrando que a não suspensão do Parecer da AGU pode ser prejudicial à garantia de direitos desta população.

O Ministro Alexandre de Moraes entende que a decisão deste Recurso Extraordinário deve ser paradigma para outros casos pendentes de julgamento, ao contrário do efeito não vinculante do caso Raposa Serra do Sol. Haveria uma fixação de parâmetro e uniformização de entendimento, a partir do posicionamento do Supremo Tribunal Federal.

O reconhecimento do marco temporal é restringir o acesso e direito às terras tradicionalmente ocupadas antes da promulgação da Constituição Federal de 1988.Trata-se não apenas da defesa do acesso e direito à terra, mas também do reconhecimento dos direitos de comunidades indígenas à dignidade humana, já que há uma forte relação entre terra, pertencimento, identidade e cultura, para além de questões econômicas, de subsistência e de acesso aos recursos naturais. Por esta razão, a demarcação de terras indígenas é fundamental na proteção dos direitos dos povos originários.

O julgamento do Recurso Extraordinário estava marcado para o dia 28/10/2020, mas foi retirado da pauta e ainda não foi estabelecida nova data. Por enquanto, tanto as ações possessórias contra povos indígenas e o Parecer 001/2017 da AGU seguem suspensos até que haja decisão pelo Supremo Tribunal Federal sobre o caso.

 

Referência

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 30 out. 2020.

FUNAI. Fundação Nacional do Índio. Legislação. Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/2014-02-07-13-27-42. Acesso em: 30 out. 2020.

STF. Supremo Tribunal Federal. RE1017365. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5109720. Acesso em: 30 out. 2020.

STF. Suspensos efeitos de parecer da AGU sobre terras indígenas até julgamento final de RE sobre o tema. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=442891&ori=1. Acesso em: 20 out. 2020

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