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Allende, Salvador

Por Rodrigo Nobile

Salvador Allende Gossens estabeleceu contato com o pensamento socialista desde jovem, quando militava na política estudantil. Após o término do serviço militar, cursou medicina na Universidade do Chile (UC). Ali participou do movimento de esquerda Avance, do qual seria expulso por apoiar práticas consideradas democráticas. Em 1933, fundou com outros companheiros o Partido Socialista, no qual militaria por toda sua vida. Quatro anos depois, participou da campanha parlamentar e apoiou a campanha presidencial de Pedro Aguirre Cerda. Com a dupla vitória, foi nomeado ministro da Saúde e optou por renunciar à sua vaga no Legislativo de Valparaíso. Escreveu o livro La realidad medico social chilena e viajou ao Peru em 1941, onde se reuniu com militantes da Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA). No ano seguinte, assumiu a Secretaria do Partido Socialista.

Após a experiência no Executivo, foi eleito em 1945, 1953, 1961 e 1969 ao Senado, por diferentes regiões. Sua atuação no Legislativo ficou conhecida pela defesa do socialismo moderado e da soberania nacional, e pelo combate à desigualdade, ao imperialismo e aos oligopólios. Outra postura que o acompanhou por toda a vida foi o internacionalismo, comprovado por suas viagens à União Soviética e a outros países do bloco socialista. Viajou em 1959 a Cuba, reconhecendo os méritos da Revolução Cubana e, posteriormente, denunciando o bloqueio dos Estados Unidos. Manteve amizade com Fidel Castro e diálogo com Ernesto Che Guevara. Foi receber os guerrilheiros sobreviventes do grupo de Che na fronteira com a Bolívia para garantir sua integridade física, e liderou a delegação chilena em 1968 no encontro da Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS).

Adversários

Se a carreira política de Allende ascendia, seus inimigos se fortaleciam. Entre eles, o que mais se destacava era a imprensa conservadora, liderada pelo jornal El Mercúrio, que, segundo uma entrevista do líder socialista, era o representante dos bancos e dos monopólios. Com Augustin Edwards, proprietário do Banco Edwards e maior acionista do jornal, Allende travou um intenso combate. Os setores ligados ao capital estrangeiro também se davam conta de que ele defendia posições contrárias aos seus interesses.

Allende recebe a faixa presidencial (Biblioteca del Congreso Nacional de Chile)

 

Allende foi derrotado três vezes, antes da sua eleição à presidência. A primeira em 1952, contra o general Carlos Ibáñez, na qual os comunistas se aliaram com facções socialistas. Na segunda, em 1958, houve a reunificação dos partidos socialistas, o que fortaleceu as alianças com o Partido Comunista e outros movimentos como a Ação Popular Independente (API), no marco da coalizão Frente de Ação Popular (FRAP). Allende conquistou o segundo lugar com apenas 35 mil votos de diferença de Jorge Alessandri Rodriguez. Na terceira vez, em 1964, concorreu pela FRAP contra Eduardo Frei Montalva, que apresentava um projeto reformista-conservador, apoiado pelos Estados Unidos e parcialmente financiado pela CIA.

Em 1970, Allende concorreria novamente à presidência da República pela coalizão Unidade Popular Dentre os fatores que o favoreceram pode-se citar o apoio conquistado entre as classes populares, a crescente radicalização do campo e dos setores marginalizados urbanos, e a crise econômica que desgastou o governo democrata cristão de Frei. No tocante aos fatores negativos, estavam a guinada na política externa norte-americana, que intensificou sua intolerância com governos esquerdistas na região, arquitetando golpes de Estado por meio da CIA, a força da ditadura militar brasileira, o desgaste do candidato entre seus companheiros por ter perdido três eleições presidenciais e sua crença na via pacífica do socialismo – o que não era uma posição consensual –, a polarização da sociedade chilena e os ataques da imprensa conservadora.

Três últimos anos

Em meio a esse cenário turbulento, Allende venceu as eleições em 4 de setembro de 1970 com pequena vantagem, o que sinalizava a futura dificuldade para governar.

Nacionalizou o cobre e fortaleceu o planejamento estatal da economia, mas teve dificuldades para estender a nacionalização a outras empresas, conforme previa seu programa de governo, devido à oposição do Congresso e da Justiça. Após um ano, seu governo enfrentou boicotes, por parte tanto de empresas como do Congresso, intensificação dos ataques da imprensa e ações terroristas do grupo de extrema-direita Pátria e Liberdade.

À medida que as condições se agravavam, Allende procurou tecer alianças com setores políticos de centro e do Exército que considerava legalistas, constituindo um gabinete cívico-militar. Esse fato despertou grandes críticas da esquerda, principalmente do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR) e da esquerda do Partido Socialista. Contudo, o divisor de águas foi um ensaio de golpe aplicado no dia 29 de junho de 1973, que, embora não se efetivasse, evidenciou a fragilidade da esquerda chilena.

Marcha em apoio a Allende durante a corrida presidencial, em 1964 (US Library of Congress)

 

Com a intensificação dos protestos, Allende consultou o militar Augusto Pinochet, que participava do gabinete, sobre a convocação de um plebiscito, que se realizaria em 11 de setembro de 1973, no qual pretendia assegurar a transição democrática de governo. As Forças Armadas se anteciparam e orquestraram um golpe de Estado para o mesmo dia.

No dia do golpe, Allende dormiu em sua casa e foi ao Palácio La Moneda de sobreaviso, pois o haviam alertado de que o Palácio estava cercado por tanques. Discursou pela manhã em uma rádio, chamando à resistência, mas dessa vez o golpe tinha muito mais força do que a tentativa anterior. Recebeu telefonemas de apoio até do dirigente do MIR, Miguel Enríquez Espinosa, que ofereceu um plano de resgate. No entanto, o presidente estava disposto a resistir até o fim no Palácio. Também negou a oferta de oficiais, que lhe ofereceram um avião para deixar o país com sua família. Combateu ferozmente as tropas que cercavam o Palácio, com um capacete de minerador e um fuzil soviético AK-47, presenteado por Fidel Castro, mas se suicidou quando percebeu que seria aprisionado pelo inimigo. Em seu último discurso, proferido no Palácio La Moneda em 11 de setembro de 1973, à rádio da Central Única dos Trabalhadores, Allende se despediu reafirmando a certeza de uma sociedade chilena mais justa:

Trabalhadores de minha pátria, tenho fé no Chile e em seu destino. Superarão outros homens este momento cinza e amargo, em que a traição pretende se impor. Sigam sabendo que, muito mais cedo do que tarde, se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre para construir uma sociedade melhor.

Allende permanece como um ícone da esquerda chilena, a exemplo de Luis Emílio Recabarren, Pablo NerudaGladys Marín Millie, Miguel Enríquez, entre muitos outros.