Desperdício de potencial

A TV, que entretém as crianças brasileiras por mais de quatro horas todos os dias, possui apenas 1% de seus programas infantis  voltados para a alfabetização

Meio de comunicação com maior alcance no país, a televisão se faz presente na vida dos brasileiros desde muito cedo. Em seu mestrado a pesquisadora Anna Carolina Müller Queiroz, relata que no Brasil as crianças assistem  TV em média 4 horas e meia todos os dias. “Nota-se que além das brincadeiras, outro componente importante do contexto de vida da criança em fase de alfabetização é a televisão”

São muitos os canais que exibem desenhos infantis em sua programação. O universo fantasioso das crianças é estimulado por heróis e heroínas em cenas de ação repletas de efeitos especiais. Há produções que destacam a comicidade e a rapidez de raciocínio, e há outras que buscam introduzir valores morais e comportamentais em indivíduos que estão construindo aos poucos suas referências. Não se pode, portanto, negar o potencial educativo da televisão. Mas quantos desses programas infantis estão voltados para a alfabetização, aquisição essencial para os nossos dias?

Anna Queiroz analisou programas infantis brasileiros e a forma como contribuem para a aquisição da leitura por meio da manipulação oral e visual da linguagem em português. Intitulado As concepções de leitura envolvidas nos programas infantis de televisão, seu mestrado constatou que, dos 211 programas veiculados na televisão (aberta ou por assinatura), e aproximadamente dos 2000 títulos de DVDs levantados que são voltados ao público infantil, apenas 1 programa de televisão e 2 séries de DVDs apresentaram os critérios buscados. São eles o Vila Sésamo e as séries Galinha Pintadinha e Xuxa Só Para Baixinhos, que fazem uso, entre outros recursos, de legendas em sincronia com as músicas apresentadas.

Anna classificou os três programas entre as duas principais concepções teóricas de leitura, denominadas em sua dissertação de “Construtivismo” e “Cognitivismo”. Seriam pertencentes à primeira concepção os programas que apresentassem o conteúdo escrito contextualizado com as imagens e os sons, sem ênfase na consciência  fonológica (sílabas e fonemas) ou morfológica. Já os de concepção cognitivista apresentariam tal ênfase por meio de elementos metalinguísticos, como a correspondência de sons e letras à medida que aparecessem na tela. A conclusão foi que pode haver a prevalência de um deles ‒ Vila Sésamo com uma abordagem cognitivista e Xuxa Só Para Baixinhos construtivista ‒ ou a concepção pode ser mista, como no caso da Galinha Pintadinha.

Os elementos explícitos nos programas infantis servem primordialmente para auxiliar no papel da educação formal, protagonista na tarefa de alfabetizar. Claramente, o papel da televisão não é nem deveria ser o mesmo que o da escola. Porém, chama atenção a proporção baixíssima de produções voltadas diretamente para fins educativos. “Hoje em dia, se você assistir televisão em qualquer país, vai ver que poucos programas são educativos”, afirma Queiroz, que continua: “A maior parte é para te entreter sem te colocar pra pensar muito”. Ela ainda completa: “Não só para o público infantil, mas para todo o público.”

Anna acredita que isso ocorre devido a aspectos culturais e financeiros. A busca por audiência faz com que sobressaiam opções com maior apelo emocional ao público infantil, como narrativas de aventura e romance. A necessidade de investimento em programas mais elaborados também desestimula sua maior incidência nos canais brasileiros. “Você vai fazer um programa realmente com uma proposta educativa, vai gastar bastante, porque terá pesquisadores, fará programa piloto e testes para ver se o objetivo está sendo atingido, e assim vai”, aponta a pesquisadora.

Pesquisa de Anna Queiroz – clique aqui.

Por Ariane Alves e Tatiana Iwata
Edição e revisão Por Islaine Maciel e Maira Isabel Leme

Clique nas imagens para folhear as revistas psico.usp

Alfabetização – 2015, n. 1

É hora de falar sobre Gênero – 2016, n.2/3

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