Estudo relaciona a agressividade canina ao contexto social do animal

Foto: Pixabay

Texto: Bianca Camatta

Flavio Ayrosa – Foto: Arquivo pessoal

Diferentemente do que muitos podem imaginar, a agressividade não se resume apenas a ações negativas, que tem como objetivo lesar o outro, e sim uma ferramenta de resolução de conflitos. Mas você já se perguntou de onde surge o comportamento agressivo do seu cão? Uma pesquisa do Instituto de Psicologia (IP) da USP aponta que, além de estar relacionada com a raça, a agressividade também pode ter relação com o contexto social do animal.

Cachorros que brincavam e passeavam com seus tutores e aqueles com maior peso, por exemplo, tinham menor chance de serem agressivos com os donos. Enquanto isso, cães de mulheres foram relatados como menos agressivos com estranhos.

Flavio Ayrosa, pesquisador do Departamento de Psicologia Experimental do IP e autor principal do artigo Relationships among morphological, environmental, social factors and aggressive profiles in Brazilian pet dogs, conta ao Jornal da USP que há muitos estudos que relacionam a agressividade canina às raças, por isso ele buscou mostrar como características dos cães, do ambiente e da relação com tutores estão relacionados a comportamentos agressivos

Questionário on-line

A pesquisa coletou as informações de 665 tutores e seus cães por meio de três questionários on-line: um sobre informações gerais dos animais e de seus donos, como idade e dados morfológicos; outro sobre a interação entre cão e o tutor, que era composto de duas perguntas abertas (“Como o dono reage aos comportamentos inadequados do cão?” e “Quais atividades o cão e o dono mais fazem juntos”) e o último sobre a agressividade.

O questionário focado na agressividade, conhecido como C-BARQ (Canine Behavioral Assessment & Research Questionnaire), foi adaptado para o português pela professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coautora do artigo Carine Savalli. Ela conta que, para isso, foi preciso traduzir, procurar paralelos entre expressões culturais e tornar as perguntas acessíveis para os tutores.

“Esse questionário é muito amplo no sentido de que aborda a agressividade para com o tutor, pessoas estranhas e cachorros no geral”, opina Ayrosa. “O C-BARQ tem uma grande importância nas pesquisas sobre comportamentos de cães, no rastreamento e busca por fatores associados a determinados comportamentos”, complementa Carine.

Foto: Pixabay

A cada afirmação, os tutores poderiam marcar uma opção de uma escala de um a cinco. Sendo um, a ausência de agressão, variando em ações de rosnar, latir, abocanhar o ar até tentar morder ou morder uma pessoa, como o outro extremo da escala. Quando corrigido verbalmente ou punido (repreendido, terem recebido uma bronca etc.) por você ou outro morador da casa é um exemplo das afirmações presentes no questionário.

Ayrosa conta que a ideia inicial dos questionários era de serem respondidos presencialmente, para haver um contato pessoal com os tutores, e também de forma on-line, para alcançar um público mais amplo. Porém, devido à pandemia da covid-19, o processo foi feito todo remotamente.

O pesquisador explica que há alguns desafios em questionários não presenciais. Perguntas sobre o comprimento, altura e o tipo de focinho do cão podem não ser precisas e levar à desistência dos participantes, o que fez com que esses questionamentos fossem opcionais.

Carine Savalli – Foto: Arquivo pessoal

Outro ponto é a subjetividade das respostas dos participantes. Os donos dos cachorros, por exemplo, podem não querer apontar os níveis de agressividade de seus cães por considerar esse comportamento negativo ou que tem como objetivo lesar. “Para todos os animais, a agressividade é uma ferramenta social importante que surge quando você tem conflito entre pontos de vista ou decisões comportamentais conflitantes”, explica. Esse embate, então, surge como uma ferramenta de resolução, não necessariamente como uma ação que vai lesionar.

Apesar desses impactos causados pelo contato remoto com os participantes, Ayrosa ressalta que testes presenciais também podem ser enviesados: quando os cachorros estão em laboratórios, podem surgir sentimentos de estresse. “Com o nosso questionário, nós quisemos deixar a situação mais naturalista possível, então, a pessoa vai responder sobre o seu cachorro no dia a dia”, complementa.

O estudo foi publicado na revista Applied Animal Behaviour. “Exatamente porque representa um passo a uma nova e promissora direção. Esses dados, por mais que criticáveis, são muito importantes por trazer coisas novas que não foram feitas antes”, aponta. O pesquisador exemplifica que pesquisas que trabalham com medidas dos animais costumam ser limitadas a amostras menores, então, o artigo pode servir como base para futuras pesquisas que busquem um público maior.

Agressividade em cães e a convivência com humanos

Segundo Briseida Dogo de Resende, professora do IP e também autora do artigo, “interpretar os dados e entender que o comportamento não é algo já predefinido, mas que emergiu ao longo do desenvolvimento a partir das características dos cachorros e das pessoas que interagem com eles” foi o mais importante da pesquisa.

Ayrosa conta sobre algumas dessas relações encontradas. Devido ao seu metabolismo, cães menores são considerados mais energéticos e responsivos do que os maiores. O mesmo acontece na comparação entre cachorros mais novos e mais velhos.

Fêmeas tinham mais chances de estarem dentro da ausência de agressividade contra seus tutores, enquanto cães com donas mulheres tinham menos chance de serem agressivos com estranhos. Esse segundo resultado também é encontrado em outras pesquisas e pode ser enviesado, já que, na maioria das pesquisas, grande parte das amostras é composta de mulheres.

Briseida Dogo de Resende – Foto: Arquivo pessoal

Cães de focinho achatado ou braquicefálicos, de raças como Pug, Shih Tzu e Buldogue francês, tendiam a maiores agressividades, o que vai contra outros resultados da literatura. “No nosso caso, a gente discute como um cão braquicefálico é um cachorro da moda no contexto urbano brasileiro”, comenta Ayrosa. A maioria dessas raças é pequena, o que explica essa tendência à agressividade: por serem pequenos, as pessoas não se incomodam com ações como latir e rosnar, diferentemente do que acontece com cães maiores, que podem assustar as pessoas, por isso são comumente mais treinados, impactando nos níveis de agressividade.

Ainda, cães que brincam e passeiam com os donos foram relacionados à ausência de agressão com os tutores. Já cães que passam a maior parte do tempo fora de casa têm mais chances de estarem nos níveis de maiores agressividades.

Briseida explica que entender os aspectos relacionados à agressividade pode nos fazer refletir sobre como promover uma convivência mais saudável com os cães. “O estudo é um tijolinho compondo a construção de um pensamento científico que defende que o comportamento do cão, e também de qualquer outro organismo, emerge da interação entre o indivíduo e o ambiente social e físico: não está programado, embora esteja restrito justamente por estes aspectos físicos e sociais”, diz a professora.

 

O Shih Tzu é uma das raças com focinho achatado e uma das que estavam em maior número na amostra do estudo – Foto: Freepik

Carine também conta que é comum que os cães tenham comportamentos agressivos que se manifestam na linguagem e expressão facial, por exemplo, o que evitaria o confronto físico. Porém, se os sinais forem mal interpretados pelos tutores, a reação do cão pode ser negativa. Por isso é importante entender o contexto biológico, social, familiar e ambiental do animal.

Além de Ayrosa, Briseida e Carine, a pesquisa contou com a participação da pesquisadora Natália Albuquerque e apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Mais informações: e-mail fmsaf94@gmail.com, com Flavio Ayrosa, carinesavalli@gmail.com, com Carine Savalli e briseida@usp.br, com Briseida Resende

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