IPUSP participa de evento em homenagem ao centenário de nascimento de Carolina Bori

Carolina Bori lutou para que a Psicologia fosse reconhecida e institucionalizada, relataram companheiras de profissão e pesquisa em evento da SBPC que celebrou seu Centenário de Nascimento

A contribuição de Carolina Bori foi “multidimensional”: ciência, educação, psicologia, democracia, direitos humanos. “Ela foi militante de várias causas”, definiu Dora Selma Fix Ventura, do Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo (USP).

Ventura foi uma das expositoras da mesa-redonda “A Atuação institucional de Carolina Bori”, promovida terça-feira (6/2) pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) como parte da celebração pelo centenário de nascimento dessa que foi a primeira presidente mulher da entidade.

A mesa, coordenada pelo presidente da SBPC,  Renato Janine Ribeiro, e pela diretora da entidade, Fernanda Sobral, contou ainda com a participação das psicólogas Deisy das Graças de Souza e Mariza Monteiro Borges, além de Eunice Maria Fernandes Personini, secretária-executiva que trabalhou com Bori em sua gestão à frente da SBPC, entre 1987 e 1989.

Dora Ventura relembrou todo o trabalho de Bori para tornar a Psicologia uma profissão e um campo de pesquisa relevante no Brasil, tendo sido também a primeira filiada ao Conselho Federal de Psicologia (CFP). “Ela fez muito pelo currículo mínimo de Psicologia, se preocupou com a criação de cursos de graduação no país todo e a criação da importantíssima primeira pós-graduação”, afirmou.

Representando a Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP), a professora Deisy das Graças de Souza, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), testemunhou Carolina Bori enquanto cientista de Psicologia. E nessa condição, relatou Souza, “Carolina batalhou incessantemente desde muito jovem para que esse campo de conhecimento tivesse um desenvolvimento científico de ponta e que se consolidasse, não apenas nas universidades, mas que ganhasse visibilidade na sociedade.”

A professora Mariza Monteiro Borges, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB), destacou a participação de Bori na criação daquela instituição nos anos 1960 e sua resistência às interferências do governo golpista. Diante da demissão de docentes e o movimento de protesto, Bori se manteve no posto até concluir e colocar em pleno funcionamento o Laboratório de Análise Experimental da UnB. “Ela manteve seu compromisso institucional”, interpretou Borges.

Eunice Personini, funcionária da SBPC desde 1974, falou sobre a gestão de Carolina Bori à frente da entidade, relembrando sua postura “corajosa” em momentos difíceis pelos quais a instituição passou, especialmente durante a ditadura (1964-1985), com as perseguições ideológicas aos cientistas e à própria entidade.

Personini destacou ainda as iniciativas pioneiras de Bori na divulgação científica. “A doutora Carolina enfatizava muito a necessidade de levar o conhecimento e a importância da ciência à população em geral”, contou. Nesse contexto, durante sua presidência, ela incentivou a criação de programas de difusão, como uma rádio feita por jovens jornalistas (que ficou no ar entre 1984 e 1986), transmitindo conteúdo científico pelas emissoras Cultura e USP, e a contratação de uma assessoria de imprensa para divulgação de notícias da ciência.

Por: Janes Rocha, Jornal da Ciência, 7/2/2024

Mesa especial realizada nessa terça-feira (06/02) reuniu cientistas que foram orientandos de Bori durante a graduação e pós-graduação; segundo estudiosos, a cientista pregava que a preocupação da ciência era com a sociedade

Como parte da programação em comemoração ao centenário da pesquisadora Carolina Bori, iniciada em janeiro, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) promoveu uma sessão especial que reuniu orientandos e demais especialistas que trabalharam com Bori para debater o seu papel como educadora e pesquisadora.

Realizada na última terça-feira (06/02), a mesa-redonda foi coordenada pela professora emérita pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Maria do Carmo Guedes, e contou com as presenças de Júlio César de Rose, professor titular da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos); Lino de Macedo, professor emérito pelo Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), Marilena Ristum, professora titular aposentada da Universidade Federal da Bahia (UFBA); e Raul Albino Pacheco Filho, professor titular da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da PUC-SP.

Professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Silvio Paulo Botomé também foi convidado a participar da mesa, mas não pôde comparecer presencialmente.  Botomé encaminhou um depoimento em texto, que foi lido pela diretora da SBPC, Fernanda Sobral:

“Para Carolina, a ciência não importava apenas como uma forma do conhecer, a sua atuação também está marcada na construção da sociedade”, afirmou o especialista, no documento.

Botomé ressaltou as ações de Carolina Bori na construção da política educacional, com ênfase à regulação da profissão de psicologia. “Carolina sabia as diferenças entre fazer ciência e aplicar a ciência. A lembrança de Carolina Bori como algo eterno se torna imprescindível.”

Primeira entre os presentes a falar, a professora Marilena Ristum ressaltou a preocupação de Bori com a promoção da psicologia e como ela rompia os padrões do que hoje se entende como orientação em pesquisas: ao invés do pesquisador indicar temas aos orientandos, Bori ouvia os seus estudantes e embarcava nos questionamentos de cada um deles.

“Carolina tinha a habilidade de acolher o interesse de seus orientandos, mesmo que esse interesse fosse em áreas em que ela não tinha tanto conhecimento. Ela tinha uma visão de que ciência se faz com diversidade, e essa diversidade é enriquecedora.”

As diferenças entre o ensino do passado e dos dias de hoje também foram foco da fala do professor Júlio César de Rose, da UFSCar. Rose relatou que, enquanto orientando de Carolina Bori, entre 1973 e 1981, via uma fila de pessoas se formar cotidianamente na sala da pesquisadora, que atendia a todos.

“Naquela época, a pós-graduação era bem diferente, não se publicava muito. Uma vez, perguntei à Carolina o porquê disso e ela me respondeu: ‘não se publica porque não se tem revistas científicas aqui’. Isso incomodava Carolina, aliás. Foi assim que ela começou a dedicar esforços para promover os estudantes e criou várias ações para a divulgação científica.”

Professor emérito pelo Instituto de Psicologia da USP, Lino de Macedo destacou que muito da atuação de Carolina Bori ficava nos bastidores. “O lugar de Carolina Bori não é apenas institucional, é importante reconhecê-la como pessoa. A dona Carolina era uma mestra, no sentido pleno desse termo. E quando a gente chama alguém de mestre, a gente entende que esse alguém tem discípulos. Ser orientado por Carolina era ter alguém que não era necessariamente da minha área, mas que tinha exigências, tinha rigor, tinha visão de conjunto, sabia questionar e criticar as formas de fazer pesquisa, sabia questionar o que era ser um profissional da academia. E a dona Carolina era tudo isso.”

Encerrando as falas do dia, o professor da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da PUC-SP, Raul Albino Pacheco Filho reforçou que o grande mérito de Carolina Bori era valorizar as diferenças, tanto políticas, de pensamentos e de visões acadêmicas.

“Carolina Bori tinha uma posição que extrapolava sua dimensão de grande analista comportamental, ela era uma personagem imbuída da missão de fazer avançar a ciência, de um modo amplo e extenso, para além da abordagem ou do campo científico em que atuava. Não é sem razão que, após ter se incumbido na direção de diversas entidades e instituições da Psicologia, essa grande mulher tenha tomado para si a tarefa de contribuir com o progresso da Ciência, exercendo diversas funções na SBPC, até chegar à sua Presidência.”

Assista à mesa-redonda na íntegra, pelo canal da SBPC no Youtube

Por: Rafael Revadam, Jornal da Ciência, 7/2/2024