Psicólogos também fazem terapia para manter a saúde mental

“Nossa, mas você não pode se irritar com isso. Afinal, você é um psicólogo.” É um dos comentários que esses profissionais costumam ouvir quando estão fora de seus consultórios e, por algum motivo, ficam nervosos com a situação.

Para a psicóloga clínica especialista em neuropsicologia Marina Ambar, esse tipo de pensamento faz parte do imaginário de como um psicólogo deve se comportar, mesmo quando não está atendendo.

“Acho que colocam a gente num lugar de pessoas neutras em todos os sentidos e detentoras do conhecimento, o que não é verdade. Esse tipo de pensamento acaba nos sobrecarregando, tanto no sentido de que precisamos sempre ter respostas, a qualquer momento que nos perguntem algo, quanto no sentido de que devemos estar blindados de sentimentos”, afirma.

A capacidade de sentir, inclusive, é uma aptidão que deve fazer parte da vida daqueles que seguem essa carreira.

“A profissão de psicólogo requer sensibilidade, habilidade de compreensão e desprendimento de julgamento. Mas, ao mesmo tempo, é preciso se manter crítico”, diz Claudinei Affonso, coordenador do curso de psicologia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

A psicóloga e psicanalista Ana Carolina Fantin em seu consultório, no Jardim Paulistano, na zona oeste de São Paulo – Danilo Verpa/Folhapress

Para que os profissionais saibam manejar todas essas situações, eles são orientado a fazer psicoterapia quando ainda estão na graduação.

David Pio Alcantara, aluno do sétimo período da psicologia da Ufes (Universidade Federal do Espirito Santo), diz que alguns professores de disciplinas mais voltadas ao atendimento clínico costumam fazer essa indicação. Ele mesmo já era paciente antes de passar no vestibular e continua com as sessões até hoje.

“A terapia é uma oportunidade de ser vulnerável a uma escuta qualificada. Querendo ou não, sentar no lugar de quem fala nos ensina muito sobre como as pessoa que vêm até nós para serem ouvidas”, diz.

Pablo Castanho, coordenador do Centro-Escola do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), enfatiza que, embora exista essa cultura de estimular os estudantes a iniciarem um processo terapêutico, não é algo que seja exigido. Afinal, muitos alunos não têm condições financeiras para arcar com os custos do tratamento.

A importância de ter esse acompanhamento se dá porque, durante o curso, o universitário entra em contato com conteúdos e relatos que abordam problemas de saúde mental e situações de muito sofrimento, como casos de depressão grave, suicídios e abusos sexuais.

“Acredito que os cursos de psicologia deveriam desenvolver estratégias dentro de um marco pedagógico para lidar com essa dimensão de mobilização emocional que o próprio estudo e a própria atividade de estágio despertam nos estudantes, para que a realização da psicoterapia individual possa ser postergada para um momento em que a pessoa já tenha mais condições de pagar”, afirma Castanho.

Uma saída, diz o professor, é poder contar com uma rede de interlocução e conversar com outros colegas sobre casos clínicos — sempre mantendo o sigilo profissional, claro.

Às vezes, isso é feito no modelo de supervisão, quando um psicólogo consulta um profissional mais experiente para  debater sobre determinado caso. Mas também pode acontecer de formar mais horizontal, explica Castanho, quando alguns psicólogos se reúnem para conversar sobre desafios que estão enfrentando nos atendimentos.

O coordenador do Centro Escola do Instituto de Psicologia da USP diz que, de modo geral, os estudantes que optam pela graduação em psicologia já têm uma sensibilidade e um interesse maior em relação às questões da mente humana, por isso, quando têm condições, fazem terapia desde jovens.

Mas esses profissionais não precisam passar pelo processo terapêutico durante todo o tempo que durar a carreira. “A terapia é um artifício para potencializar algumas coisas que estão na vida. Então, sim, o psicólogo pode fazer terapia, ter alta, continuar atendendo seus pacientes e, como qualquer outro, voltar para terapia porque algo aconteceu, como a morte de alguma pessoa próxima, um remanejamento da profissão, ou mesmo quando o caso de um paciente despertar algo que estava ali mais escondido e que demanda um cuidado mais intenso”, diz.

Por: Sílvia Haidar, para Folha de São Paulo, 26/08/2023

 

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