Após o ataque à Escola Estadual Thomázia Montoro, São Paulo e outros estados têm registrado aumento significativo de casos de ameaças e de porte de armas por alunos no sistema educacional. Esse fenômeno é conhecido como “efeito contágio” e é detectado entre crianças e adolescentes, expostos exaustivamente a cenas de violência pelas redes sociais e pelos noticiários.
Segundo um levantamento realizado pelo R7, pelo menos 20 novos casos que envolveram crianças e adolescentes ocorreram em São Paulo, no Rio de Janeiro, na Paraíba e no Mato Grosso do Sul, entre segunda e quinta-feira. Os episódios vão desde ameaças de morte por mensagens de aplicativo e bilhetes até o porte de armas brancas ou de fogo falsas.
Para psicólogas ouvidas pela reportagem, o acesso sem controle às imagens do circuito de segurança do ataque — que vitimou a professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, e deixou quatro pessoas feridas nesta segunda-feira (27) — pode ter estimulado jovens a planejarem e a praticarem atos de violência similares.
Elaine Alves, psicóloga especialista em luto e coordenadora do Niped (Núcleo de Intervenções Psicológicas em Emergências e Desastres), e Leila Tardivo, professora do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo), afirmam que o compartilhamento desses vídeos não é responsável pela criação de novos eventos, mas funciona como um estímulo a jovens que já têm essa propensão.
A doutora em psicologia clínica pela USP Joana Vartanian explica que o comportamento humano é desenvolvido a partir de interações sociais. Como a identidade de crianças e adolescentes está em formação, é comum a reprodução de ações de outras pessoas como uma espécie de espelho.
“O jovem vê um comportamento que funciona e acaba imitando para atingir algum fim de ordem emocional, de acolhimento ou de valorização social. Isso é muito mais forte entre crianças e adolescentes, que são mais influenciáveis. Já os adultos têm a identidade mais fortalecida”, afirma Vartanian.
A psicóloga também destaca que jovens com “déficit de habilidades emocionais ou de recursos emocionais” são mais vulneráveis à exposição de conteúdos violentos e suscetíveis à reprodução desses comportamentos. Isto é, não é qualquer adolescente e criança que vai reproduzir atos violentos, como o ataque à escola. É necessário analisar a bagagem de cada um.
Segundo especialistas, uma das maneiras de evitar o efeito contágio é não oferecer protagonismo ao aluno infrator, impedindo uma possível glorificação pelos jovens. “O perpetrador do ataque ganha uma fama, uma visibilidade dentro da invisibilidade. As imagens vão levar subsídios [a potenciais ataques]”, diz Elaine Alves.
No início da semana, uma mãe relatou que o filho foi ameaçado por outro estudante em uma escola, em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo. O adolescente teria feito promessas de um ataque similar ao contra a Escola Estadual Thomázia Montoro, na Vila Sônia.
Em Santo André, de acordo com a SSP (Secretaria de Segurança Pública), um aluno também ameaçou a professora durante a aula dizendo que os docentes deveriam ser esfaqueados. Ele citou o caso da zona oeste paulistana como inspiração.
Leila Tardivo acredita que o caminho para impedir a perpetuação do efeito contágio não é a proibição da exibição desse tipo de evento nos noticiários. Casos extremos de violência nas escolas devem ser discutidos, porém sem dar notoriedade ao responsável pelo ataque. A questão deve ser veiculada de forma mais ampla e analítica, como nos casos de suicídio.
“As crianças estão resolvendo os problemas por meio da violência. Se a comunidade e os pais são violentos, esse comportamento será reproduzido. É preciso trabalhar por uma cultura de paz nas escolas, além de ter uma visão abrangente acerca do problema. É uma questão social”, reitera a professora do Instituto de Psicologia da USP.
A divulgação exaustiva das imagens do ataque à escola também representa um obstáculo à elaboração do luto pelos alunos, professores, funcionários e por toda a comunidade envolvida. Com experiência de 30 anos em psicologia de luto, Alves explica que a morte da professora Elisabeth é pública e a repetição das cenas de violência os faz permanecer neste pesadelo.
“Agora é muito comum que os alunos tenham insônia ou pesadelo. Eles ainda não se sentem a salvo, e essas cenas que se repetem não ajudam nisso. O luto não afeta apenas individualmente, mas de forma intrageracional”, diz a coordenadora do Niped.
A psicóloga cita o massacre de Realengo (RJ), que deixou 12 alunos mortos após um jovem de 23 anos invadir a escola armado, como o luto pode ser intrageracional. As sobreviventes do ataque ainda não conseguiram superar completamente as perdas, por isso essas questões emocionais acabam sendo transferidas para os filhos.
Além de atingir a comunidade envolvida com a Escola Estadual Thomázia Montoro, o medo afeta alunos e funcionários de todo o sistema educacional. Muitas pessoas não querem mais estudar ou trabalhar com receio de possíveis episódios de violência.
Por: Letícia Dauer, para R7, 31/03/2023.