
Figura 1: Lisete Arelaro e Paulo Freire trabalharam juntos em defesa da escola pública – Foto: Reprodução/FE-USP
A professora Lisete Arelaro é homenageada no número 5 da Revista BALBÚRDIA.
13 de março de 2023 | 10:00
Temos o orgulho de homenagear nessa edição da BALBÚRDIA a professora Lisete Regina Gomes Arelaro. Pedagoga, pesquisadora, educadora, feminista, militante, socialista, doutora. Lisete se formou em pedagogia em 1966 pela PUC-Campinas. Foi professora e diretora de escola nos ensinos fundamental e médio. Cursou mestrado e doutorado em Educação pela USP, na década de 1980, e integrou a equipe do educador Paulo Freire na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo entre 1989 e 1992, sob a prefeitura de Luiza Erundina. Era pesquisadora na área de Política Educacional, Planejamento e Avaliação Educacional, Financiamento da Educação Básica e Educação Popular. Dirigiu a Faculdade de Educação da USP entre 2010 e 2014 e presidiu a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (FINEDUCA - 2015/2017). Em 2018, candidatou-se ao Governo do Estado de São Paulo pelo PSOL, obtendo mais de 500 mil votos. Orientou mais de 20 dissertações de mestrado e mais de 30 teses de doutorado. De sua vasta publicação, destacamos o livro mais recente: “Direitos Sociais, Diversidade e Exclusão: a sensibilidade de quem as vive” publicado em 2018. Recentemente, Lisete recebeu honrarias como a Medalha Anchieta, o Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo e uma homenagem da Câmara Municipal de São Paulo. Para reforçar a nossa homenagem a quem se dedicou toda uma vida à luta em defesa de uma educação emancipatória pública e de qualidade, temos o prazer de trazer um texto escrito especialmente à BALBÚRDIA pelo grupo de pesquisa que Lisete atuava.

Figura 2: Professora Lisete dá entrevista após o debate na Globo nas eleições ao governo do Estado de São Paulo em 2018 — Foto: Celso Tavares/G1
Lisete, a mais animadinha, sempre presente!
Lisete Arelaro, nossa coordenadora do grupo de pesquisa, mas também nossa professora, amiga, referência e inspiração dentre tantos outros adjetivos que poderíamos lhe atribuir, faria hoje, 30 de maio de 2022, 77 anos. Nesta data, esse grupo escolheu divulgar mais uma homenagem, dentre tantos tributos e registros já realizados desde sua partida, somando-se às vozes que traduzem a multiplicidade e intensidade de Lisete nas diversas frentes que exercia.
Sabemos que Lisete tinha ativa participação em diferentes grupos de pesquisa, com demais pesquisadores nacionais e internacionais, mas cá estamos para rememorar a história deste em especial, grupo de estudos e pesquisa que se iniciou em 2006 por um chamado de Lisete, com o objetivo de estudar as mudanças na organização da Educação Infantil e do Ensino Fundamental que, no caso deste, passava a ter nove anos de duração.
Do Ensino Fundamental de Nove anos ao Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa e a implementação da Meta 5 do PNE 2014/2024, o grupo foi dando sequência aos temas e pesquisas que analisaram as políticas educacionais da educação básica. Ao longo do período, assim como os debates foram se atualizando, também o foi a composição do grupo. Mais de 40 pesquisadores fizeram parte dessa história. Tecemos este texto à muitas mãos, nos fortalecendo coletivamente como Lisete defendia, a partir de fragmentos de nossas lembranças e percepções, recolhendo os aspectos mais marcantes de nossa convivência que nunca foi apenas acadêmica. Dentre nós tivemos chegadas, partidas e permanências no grupo. Neste percurso, Lisete nos ensinou também que é preciso respeitar o tempo das pessoas. E acolheu a cada um de forma especial. A cada novo/a integrante que chegava em nosso grupo, uma recepção calorosa e a certeza de que nossas discussões seriam enriquecidas. Lisete era uma mulher muito acolhedora e inclusiva do ponto de vista real da palavra, sempre estava com pessoas das mais diversas características e histórias. E essa também foi a marca desse grupo.
No início, a proposta parecia um pouco extravagante… E era mesmo: sexta feira às 23h após a aula que ela ministrava na graduação… E com algumas reuniões no domingo à tarde. Parecia improvável "dar certo", mas deu. Lisete era a verdadeira “animadinha”, à frente dos trabalhos, com uma disposição única e contagiante:
quando em geral a universidade estava encerrando seus trabalhos semanais, nos reuníamos para iniciar as discussões e conduzir as atividades de pesquisa. Saídos do trabalho ou das aulas, não raro pedíamos uma pizza para acompanhar a conversa. Também não foram poucas as vezes que os encontros acabaram depois da 1h, 2h da madrugada, quando as caronas se organizavam para deixar todos em suas residências em segurança. A decisão do horário de reunião deste grupo de pesquisa tinha uma motivação clara: permitir que todos os interessados pudessem participar, considerando que parte trabalhava de dia e parte (também) estudava à noite, sendo esse o único horário possível a todos. Lisete nunca se furtou ou se incomodou com essa possibilidade, ao contrário, era ela mesma que defendia nossa participação e a otimização desse tempo, deixando para sexta-feira essa “agenda”, para que pudéssemos descansar na manhã seguinte. Era uma forma de democratizar a participação na pesquisa, considerando as realidades de estudantes e trabalhadoras da educação interessadas no percurso acadêmico. Aprendemos com Lisete a nos valorizar e a lutarmos para permanecermos na universidade e ampliar o seu acesso às classes trabalhadoras, assim como a defender os movimentos sociais e populares.
Além do horário, a forma de condução das pesquisas e dos debates sempre foi democrática. A cada encontro, Lisete tecia uma aula de política educacional, aberta às nossas perguntas e aos nossos relatos. Parte das/dos integrantes do grupo estavam nas escolas como profissionais, em outras escolas como pesquisadores, bem como atuando em outras realidades no ensino superior, como a UNIFESP. Daí saía uma multiplicidade de experiências relatadas, às quais Lisete alinhava com uma análise política pedagógica da conjuntura vivida. A construção dos textos, desde os projetos de pesquisa, os instrumentos de subsídio à sua realização, os documentos de análise… Todos tinham a participação ativa dos membros do grupo e da Lisete, que fazia do momento da pesquisa um tempo de possibilidade formativa generosa, leve apesar de séria e complexa como é a análise das políticas públicas. Firme em suas determinações, trazia a ponderação como um instrumento para alinhavar bons afetos em torno de um projeto político de Educação. Com maestria, articulava as políticas passadas e presentes com autores referência, como Azanha e Paulo Freire, entre outros. Acompanhá-la nas pesquisas era sempre muito aprendizado, um aprender a ser pesquisadora, professora, orientadora, aprender a ser gente, mas não qualquer gente: uma gente sabida e consciente do lugar que querem nos colocar e, desta forma, do lugar que queremos e que lutamos para estar.
Ao nos dar essa possibilidade ampla de participação e, também, por ter sua agenda tão recheada de atividades, não raro precisávamos até o último minuto do prazo da FAPESP ou do CNPq para o envio de nossos relatórios e prestação de contas. A madrugada sempre foi nossa amiga também nesses momentos, concluindo textos, artigos, inserindo documentos no sistema, aprendendo a mexer em plataformas e descobrindo que nossos relatórios de 600 páginas não poderiam ser enviados na íntegra (as quais, representando a construção do conhecimento da pesquisa, Lisete insistia que fossem apreciadas pelas agências financiadoras). Era também uma incentivadora constante às nossas produções acadêmicas, da participação em eventos e congressos.
Apesar de muito requisitada, ela era muito acessível. Eram momentos de leveza, de muita descontração e conhecimento. Sua fala fácil, contadora de histórias que trazia o outro como protagonista dos acontecimentos vividos, direcionava o seu discurso com objetividade e nitidez. Ouvíamos Lisete falar, longamente, com alma e aquilo impactava profundamente a gente. A convicção de que a luta por um outro mundo não é, definitivamente, um ímpeto juvenil, mas um modo consciente, crítico de andar no mundo, de se comprometer com ele, de intervir nele, com "paciência histórica", como ela gostava de usar. Havia a sensação de nunca voltar para casa a mesma pessoa, porque cada encontro com Lisete nos modificava por dentro. Éramos jovens (ou nem tanto) ao seu redor, cheios de brilho nos olhos, esperança, energia e disposição de luta. Pensávamos: “se ela vibra, quem somos nós para desmoronar? Se ela acredita, é porque estamos no caminho certo!”. Com muito humor, fazia todas/es seguirem com esperança. Quanta energia!
Com ela aprendemos que não devemos desistir dos nossos sonhos e que apesar do que muitos falam, que quando envelhecemos vamos ficando mais “realistas” (no sentido de abandonar as utopias), isso não precisa ser verdade. Lisete nos fazia enxergar a realidade, através das pesquisas, mas sem nos afastar dos sonhos de mudança e possibilidades de transformação, possíveis a partir da luta diária e do compromisso com a defesa de uma educação pública, gratuita, laica e de qualidade para todos e todas como ela defendia.
Uma mulher apaixonante para qualquer ser humano que tem a transformação radical da sociedade capitalista como um objetivo a ser alcançado. E ainda, uma mulher respeitosa com os divergentes, habilidosa e honesta intelectualmente. Sabia que para haver bons diálogos é preciso haver diferenças. Lisete não queria apagar
as diferenças, afinal também acreditava que o diálogo se torna necessário, ela nunca quis “seguidoras/es” - ela queria muito ter companheiras/os de e nas lutas.
Referência acadêmica, professora, militante, candidata, diretora, mãe, mestra, amiga, contestadora, acolhedora e ainda tivemos a oportunidade de conhecer o lado “vó babona” da professora que se derretia ao contar histórias de sua neta, Helena. Lisete era potência, animação, coerência, alegria mesmo frente às adversidades e reafirmava a todo tempo que juntos, coletivamente, sempre poderíamos resistir e avançar mais e melhor. Uma freireana “animadinha” que acompanhava as questões de seu tempo, inspiração que fez da luta uma metodologia. Lutou com todas as forças por sua vida. Lutou com todas as forças por uma educação pública de qualidade. Nos deixou um legado imensurável no campo educacional. Deixou em nós outro tanto imensurável de saudades. Que façamos sempre um brinde, com bom vinho, quando qualquer ação nossa defender a escola pública ou ajudar a construir o socialismo. Foi isso que ela nos ensinou. Somos porque somos todos nós! E assim continuaremos porque Lisete vive e continua a contribuir com um mundo mais justo, mais democrático e mais solidário como sempre fez. Que sorte e honra a nossa termos convivido com você. Obrigada, Professora Lisete! Lisete Vive!
Participaram desse Grupo de Pesquisa:
Alline Ferreira, Ana Cláudia Fernandes Roseno da Silva, Ana Mello, Ana Paula Lima, Ana Paula Santiago do Nascimento, Carla de Oliveira Rosa, Caroline Ferrarezi Fernandes, Cláudia Maciel da Silva, Clóvis Edmar Paulino, Cristiane Oliveira e Silva, Dalva Franco, Daniel Cardoso, Danilo Calderon, David Henriley Pitombeira, Deise Rosálio, Felipe Willian Pereira de Alencar, Fernanda Batista, Ivan Ferreira Santos de Carvalho, Lara Gonzalez Gil, Letícia Paloma de Freitas Pereira Silva, Luiz Tiago Lima de Souza, Magna Damasceno, Márcia Aparecida Jacomini, Mariana Martha de Cerqueira Silva, Michelle Gonçalves do Nascimento Faria, Mônica Aparecida Ferreira dos Santos, Natalia Francisca Cardia dos Santos, Nilson Alves de Souza, Paula Baptista Capriglione, Paula Mangolin de Barros, Paulo Rogério Batista, Piéra Cristin Varin, Raissa Ota, Renata Lívia Soares Perini, Rosilene Vieira, Sandra Cristina Lima da Silva, Sarah Correa, Shirley Silva, Sonia Kruppa, Sylvie Bonifácio Klein, Tatiane Aparecida Ribeiro, Vanessa Gomes, Wendel Moreira de Oliveira

Figura 3: a professora Lisete realizou uma palestra intitulada “Políticas Públicas para uma Educação de Qualidade” para membros das comunidades interna e externa ao IFSP em 2019.