Das estrelas ao quilombo: a trajetória de Alan Alves de Brito

Foto de Alan Alves Brito em matéria da Revista FAPESP. Disponível em: .

Da astrofísica estelar e galáctica ao ensino de física, passando pela divulgação científica à educação para as relações étnico-raciais. Um dos homenageados do número 7 é o professor Alan Alves Brito. 

27 de maio de 2023 | 10:00

A 10.639 de 2003, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96) para estabelecer a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nas instituições de ensino do país completou 20 anos em 2023 trazendo inúmeros debates sobre a importância da educação para as relações étnico-raciais, bem como apontando para a continuação da luta para que seus artigos sejam aplicados no cotidiano dos espaços de aprendizagem. Sob o tema que homenageia a referida lei, a Revista BALBÚRDIA homenageia o professor Alan Alves Brito por ser inspiração para a divulgação das ciências de forma ampla, que atinja a diversidade de culturas e saberes e se torne, verdadeiramente, emancipatória.

A história de Alan é inspiradora onde é marcada pela dedicação à ciência, à pesquisa, à astronomia e à educação e, sobretudo, pela sua vontade legítima de ver a universidade em uma relação dialógica com a sociedade ao propor reflexões sobre questões de raça e gênero na produção acadêmica e cultural. Em entrevista ao canal do YouTube “Museu Ciência e Vida”, no programa “De frente com cientistas”, relatou que foi uma criança muito curiosa. Quando pequeno, gostava de olhar para o céu da Bahia e refletir sobre muitas questões, incluindo a formação do universo e religião. Desde pequeno precisou lidar com questões de raça, gênero, classe e espiritualidade e sua curiosidade aguçada, atributo inerente às crianças e cientistas, foi, por várias vezes, motivo de crítica e desconfiança das pessoas sobre seu futuro. Em Feira de Santana (BA), já no início do ensino fundamental, os elogios dos professores e as palavras de incentivo de sua mainha foram essenciais para aumentar a autoestima de uma criança negra do chamado Brasil profundo.

Durante a adolescência, Alan acompanhou programas de divulgação científica que o fez criar, junto com colegas, um clube de ciência no bairro em que morava. Além disso, começou a participar de grupos de jovens em um programa de saúde do adolescente do estado da Bahia. Nesse programa, enquanto política pública, recebia orientação de diversos profissionais da área da saúde e tinha como responsabilidade discutir com outros adolescentes temas cruciais para a juventude: drogas, IST, HIV/Aids, gravidez na adolescência, relacionada também a questões raciais. Nessa época, foi aprovado em um colégio estadual técnico, instituição onde diz ter recebido apoio e incentivo dos professores para desenvolver suas potencialidades. Iniciou o curso de Física na Universidade Estadual de Feira de Santana, em 2002, enquanto terminava algumas disciplinas do curso técnico. O jovem Alan somente se desligou do programa de saúde do adolescente quando saiu da graduação, devido à importância em sua vida.

Durante a graduação participou de diversos eventos científico/culturais, aprimorando seu conhecimento, sua pesquisa e a forma de realizar divulgação científica. O mestrado e o doutorado em Astrofísica foram realizados no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP. Realizou estágio de doutorado em diversos países e fez pesquisa de pós-doutorado no Brasil e em diversos países. Atualmente é professor no Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Suas áreas de atuação vão desde as ciências exatas, como a astrofísica estelar e galáctica, até a área da educação, como ensino de física, divulgação científica e educação para as relações étnico-raciais.

Autor de diversos livros, foi finalista do Prêmio Jabuti, maior prêmio literário no Brasil, na categoria ciência, com o livro “Astrofísica para a Educação Básica: a origem dos elementos químicos no Universo”. Publicado em parceria com a professora Neusa Teresinha Massoni, a obra busca trazer aspectos da história, filosofia, ciências e diversidade para que professores da educação básica se sintam mais seguros para tratarem de assuntos relacionados à Astrofísica de um modo contextualizado e crítico. Também é autor de dois livros de literatura infantojuvenil. Um deles é “Antônia e a caça ao tesouro cósmico”, publicado em 2020. Neste livro, a protagonista é uma estudante negra do Brasil profundo que apresenta altas habilidades. Diante das dúvidas de Antônia, a história vai se desenvolvendo e trazendo questões relacionadas à família, escola, sonhos e questionamentos científicos e existenciais. Em 2022, publica “Antônia e os cabelos que carregavam os segredos do Universo”. Com o objetivo de atingir as crianças, o livro traz os questionamentos da pequena Antônia, com perguntas sobre o Universo, ancestralidade e diversidade. Os temas são tratados de forma leve, mas com a devida importância sobre a necessidade de falarmos sobre questões raciais com nossas crianças e adolescentes.

Como extensão e pesquisa, o prof. Alan desenvolve projetos em conjunto com a Comunidade Kilombola Morada da Paz e escolas públicas, em Triunfo/RS. O objetivo é a promoção da equidade e enfrentamento das desigualdades relacionadas à raça e gênero para o desenvolvimento de políticas públicas educacionais. As atividades de empoderamento de meninas negras e formação para as ciências são trabalhadas no quilombo, de modo integrado com um currículo escolar voltado para as relações étnico-raciais e educação científica antirracista. A comunidade recebe recursos e orientações para formar grupos de alunos, de outros quilombos e indígenas da região.

Além desses e muitos outros projetos de divulgação do conhecimento que buscam romper com a hegemonia da ciência colonialista, o professor Alan mantém sua produção acadêmica na área de astrofísica. É membro de diversas sociedades científicas, dentre elas a União Astronômica Internacional. Foi diretor do Observatório Astronômico da UFRGS, além de compor o corpo editorial de diversas revistas.

Como sabemos, há uma realidade de desigualdade racial no ambiente universitário e escolar. Apesar de avanços nos últimos anos devido às ações afirmativas, ainda é muito discrepante a proporção racial entre professores brancos (em sua maioria homens) e negros e indígenas em ambientes universitários – sobretudo nos espaços de decisões e na pós-graduação – comparada à população brasileira.  O mesmo se aplica à educação básica em que professores negros e indígenas também são subrepresentados, além de não haver apoio das secretarias de educação para a implementação das leis 10.639/03 e 11.845/08.  Nesse cenário, o professor Alan Alves Brito é uma inspiração para nós educadores que buscamos em nossa prática educacional e pesquisa científica fontes seguras para lutarmos por uma educação verdadeiramente emancipatória e antirracista.

Quer saber mais? Consulte as referências abaixo!

MUSEU CIÊNCIA E VIDA (Canal YouTube). Programa De frente com Cientistas com Alan Alves Brito. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7qZhTH0gwG8. Acesso em: 02 fev. 2024.

FERREIRA, Edimara Maria; TEIXEIRA, Karla Maria Damiano; FERREIRA, Marco Aurélio Marques. Prevalência racial e de gênero no perfil de docentes do ensino superior. Revista Katálysis, v. 25, n. 2, p. 303–315, maio 2022. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rk/a/LvwKpGwBpzfTFtZkS3MygsL/#. Acesso em: 06 fev. 2024.

Lei 10.639/03: a atuação das Secretarias Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e afro- brasileira / [organização Beatriz Soares Benedito, Suelaine Carneiro, Tânia Portella]. -- São Paulo, SP. Instituto Alana, 2023. Disponível em: https://alana.org.br/wp-content/uploads/2023/04/lei-10639-pesquisa.pdf. Acesso em: 06 fev. 2024.