Estudar pelo celular é tão fácil quanto estudar pelo computador?
24 de agosto de 2021 | 10:00
Guilherme Ventura Bondezan é licenciado em Física pela Universidade de São Paulo em 2016, mestre em Ensino de Ciências na modalidade Física pelo PIEC em 2019 e professor de Física e de Matemática na rede estadual paulista de ensino desde 2019. Sua principal preocupação é estudar a cidadania e como ela pode ser incentivada no Ensino de Ciências, encontrando formas para a educação contribuir para um mundo melhor para todas pessoas.
Ao longo de 2020 acompanhamos o rápido alastramento da COVID-19 e as medidas para evitar perdas humanas. Dentre essas medidas, destaca-se a suspensão do ensino presencial, que deu lugar a um ensino remoto sem o devido planejamento.
Embora o ensino a distância não seja algo recente e embora o acesso a celulares e a internet seja muito mais fácil hoje do que há alguns anos, ainda assim muitas dificuldades foram enfrentadas na adoção do ensino remoto. Estas dificuldades, tendo como base a situação de alunos e professores das escolas públicas estaduais paulistas, podem ser agrupadas em três conjuntos:
O primeiro conjunto de dificuldades diz respeito aos recursos necessários à implementação do ensino remoto. Ainda que praticamente todas as famílias de estudantes e professores possuam celulares, poucas possuem computadores, e nem sempre estes dispositivos estão em perfeitas condições ou em quantidade suficiente. Além disso, embora boa parte das famílias tenha acesso à internet, nem sempre a conexão é rápida ou com tráfego ilimitado de dados.
Esta situação, associada ao fato dos estudantes raramente terem um local tranquilo e confortável para estudar, indica que o ensino remoto, apesar de possível, pode ser extremamente cansativo e desgastante.
O segundo conjunto de dificuldades diz respeito à rotina dos estudantes. Devido à pandemia, muitos alunos precisaram trabalhar para complementar a renda familiar, o que diminuiu o tempo disponível para o estudo. Os estudos foram dificultados, também, pela monotonia da rotina dentro de casa, que gerou desânimo e até mesmo depressão em muitos alunos.
O terceiro conjunto de dificuldades diz respeito às condições econômicas dos alunos. As necessárias medidas para conter a propagação do vírus suspenderam muitas atividades que garantiam o sustento das famílias e, para isso, foi aprovado o auxílio emergencial. Este auxílio, contudo, teve valor extremamente baixo e duração limitada, não impedindo que alguns alunos enfrentassem condições financeiras precárias e não pudessem dar prosseguimento aos estudos.
De maneira geral, são dois os tipos de ensino remoto que podem ser colocados em prática, o ensino síncrono e o assíncrono, ambos com vantagens e desvantagens, tanto em sua capacidade de incentivar o aprendizado, quanto de ser mais acessível aos estudantes.
O ensino síncrono é muito mais dinâmico e possibilita uma relação mais estreita com os alunos, o que o torna mais didático, mas exige uma conexão de boa qualidade e que professores e alunos estejam disponíveis ao mesmo tempo. O ensino assíncrono, por sua vez, não exige uma conexão veloz, nem o mesmo grau de disponibilidade, podendo se valer de materiais físicos e virtuais, mas possui relação menos direta com os professores e pode se tornar mais distante dos alunos.
A escolha entre o ensino síncrono e o assíncrono, portanto, deve ser realizada, idealmente, em diálogo com a comunidade escolar e levando em consideração não apenas as preferências dos docentes, mas também as dificuldades enfrentadas na adoção destas modalidades de ensino e suas potencialidades em alcançar os alunos.
Ao longo de 2020, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo veiculou aulas de todas as disciplinas, de todos os anos da educação básica, tanto pelo aplicativo do Centro de Mídias e pela TV de forma síncrona, quanto assíncrona pelo YouTube. Embora a Secretaria incentivasse o ensino síncrono e o Google Classroom, as escolas tiveram bastante liberdade para escolher sua forma de trabalho.
Diante deste contexto, a coordenação da escola em que trabalhei optou por utilizar formulários Google semanais com duas questões de cada disciplina para cada uma das séries. Essas questões, na grande maioria dissertativas, mas também de múltipla escolha, deveriam ser elaboradas pelos professores com base nas aulas do Centro de Mídias e, posteriormente, respondidas e comentadas.
O envio dos formulários e dos comentários das questões para os alunos era feito por meio de grupos de Whatsapp, meio também utilizado para solução de dúvidas, envio de materiais complementares e comunicação em geral. Os alunos que não conseguiam acompanhar as atividades dos formulários poderiam responder e entregar apostilas fornecidas pelo governo.
A escolha dos formulários Google como forma de ensino permitiu que cerca de metade dos alunos desta escola fossem alcançados, parcela que aumenta quando consideramos, também, aqueles atingidos com as apostilas. A título de comparação, escolas vizinhas que adotaram o ensino síncrono alcançaram, apenas com esta modalidade, uma parcela muito menor de alunos.
Apesar das vantagens da forma de trabalho adotada pela escola, várias dificuldades foram enfrentadas, além das já citadas, como o fato das aulas de Física do Centro de Mídias terem uma exposição muito rápida de conteúdos, o que dificultou a aprendizagem dos alunos. Além disso, várias questões dos formulários não possuíam contextualização adequada, nem eram claras o suficiente, dificultando a compreensão dos alunos, principalmente, daqueles acostumados a buscar e a reproduzir informações. Os formulários Google, por conterem muitas questões, ficavam muito extensos, o que desmotiva sua resolução, principalmente, em aparelhos celulares.
Para colocar o ensino remoto em prática de maneira eficiente e superar as dificuldades é necessário tanto que professores e a equipe pedagógica das escolas se esforcem, quanto que as diretorias de ensino, a secretaria da educação e demais gestores educacionais ajam de maneira coordenada, organizada e compromissada. Esta ação, além de nada fácil, é política e envolve interesses diversos.
Muitos foram os aprendizados desde o início da pandemia de COVID-19, como os professores que aprenderam a lidar com a tecnologia e se desdobraram para repensar sua atividade docente. Mas outros aprendizados ainda precisam acontecer, como o conhecimento sobre as condições de vida dos alunos e o conhecimento dos fatores burocráticos e organizacionais que influenciam a prática docente. É preciso ter em mente que não é possível que professores continuem a ensinar os conteúdos tradicionais em meio ao “fim do mundo” e fingir que nada está acontecendo.