Entre Dúvidas e Certeza: Como Naomi Oreskes defende a Ciência em seu livro “Por que confiar na Ciência?”

Legenda: A esquerda, fotografia de Naomi Oreskes (Fonte: Site do Departamento de História da Ciência de Harvard). A direita, capa do livro Why Trust Science? (Fonte: Site da Princeton University Press).

Obra resenhada: ORESKES, Naomi. Why trust science? Editado por Stephen Macedo, Princeton University Press, 2019.

Disponível para leitura no Kindle, compra pelo site da Amazon. Links para versão em inglês e em espanhol. Tradução em português ainda não disponível.

Em "Por que confiar na Ciência?", a escritora Naomi Oreskes nos convida a refletir sobre como podemos confiar na ciência frente a atual onda de desinformações científicas.

Marcos Vinícius Ribeiro Ferreira

Atualmente faço mestrado pelo Programa de Pós-graduação Interunidades em Ensino de Ciências (PIEC-USP) e conto com um auxílio da FAPESP. Tenho grande interesse pelas áreas de Ensino e Filosofia das Ciências, assim como pelo trabalho de divulgação científica. Faço parte do Grupo de pesquisa em História, Teoria e Ensino de Ciências (GHTC).

Instagram: @marcos_vrf

24 de junho de 2024 | 10:00

Se você é um pesquisador, professor ou mesmo um entusiasta das áreas científicas, então você provavelmente irá se interessar pelo livro Why Trust Science? (Por que confiar na ciência?). Publicado ao final de 2019, o livro é um dos trabalhos recentes de Naomi Oreskes, historiadora da ciência estadunidense e professora associada ao departamento de história da ciência da universidade de Harvard. Oreskes possui uma extensa lista de publicações e best sellers, sendo uma das mais famosas o livro Merchants of Doubt (Mercadores da Dúvida), de 2011.

Exímia em escrever de forma atrativa não somente para o público especializado, a autora cria uma estrutura narrativa em seus livros que os torna mais agradáveis. Além disso, em Why Trust Science?, aborda um tema relevante e controverso: o descrédito da ciência em tempos de pós-verdade. Nessa perspectiva, sabendo que a ciência muitas vezes é falha, é mutável e inacabável, por que ainda confiar nela?

Para Oreskes, o essencial é que os conhecimentos científicos são construções coletivas feitas por praticantes diversos, passando pelo crivo de testes, experimentos, discussões, aplicações, teorizações, revisões por pares, processos esses que validam o conhecimento científico ao longo do tempo. Logicamente que, para se evitar vieses, quanto mais diversa é a comunidade de cientistas e suas práticas, melhor será essa validação dos conhecimentos. Sendo assim, a historiadora defende uma ciência inclusiva, diversa e transparente, capaz de gerar bons resultados para a sociedade.

Por mais que defenda a ciência, o texto aborda controvérsias da história das ciências, como a demora em se estabelecer um consenso quanto ao aquecimento global, quanto à teoria da deriva continental, ou à teoria da energia limitada. Todavia, isso não significa que deveríamos abandonar a ciência por completo, mas sim, com base nesses exemplos de leniência, tornarmo-nos ainda mais criteriosos em como a ciência é feita e para quais interesses ela serve.

Nesse ponto, Oreskes sugere que os cientistas assumam seus objetivos, ideais e valores de maneira transparente, para que seus leitores, sendo eles seus pares ou não, entendam porque as pesquisas científicas são realizadas. Dessa forma, defende uma pessoalidade no empreendimento científico, como maneira inclusive de mostrar que os cientistas possuem, de maneira geral, os mesmos valores que o restante da população. Isso seria uma forma de evitar o medo ou a aversão às ciências. Logicamente Oreskes não argumenta que somente isso solucionaria a crescente negacionista que vemos atualmente. Sendo assim, também defende uma ciência mais acessível e a divulgação científica.

De modo geral, o livro segue uma estrutura em quatro partes: o primeiro capítulo serve como um resumo de importantes ideias na área da filosofia da ciência, tornando-se basilar para a compreensão do segundo capítulo, no qual Oreskes descreve as suas ideias de como a ciência funciona e por que ela é confiável. Já os capítulos três a seis são comentários sobre os capítulos anteriores escritos por outros autores, como forma de aprofundamento das discussões do livro. Cada um desses quatro capítulos foi escrito por pesquisadores de áreas distintas, como da história, filosofia, economia e psicologia, representando um esforço da própria estrutura do livro de incluir críticas aos pontos defendidos pela autora. Os capítulos sete e o posfácio, são, respectivamente, as respostas de Oreskes aos comentários levantados pelos autores convidados e a reformulação da sua resposta inicial, título do livro, Por que confiar na Ciência?

Portanto, uma forma de se responder a indagação presente no título do livro, sem cair em uma argumentação autoritária de superioridade do conhecimento científico, seria pela formação e participação cidadã, habilitando as pessoas a compreenderem a natureza da ciência, como ela é socialmente construída por indivíduos e coletivos, podendo esses sujeitos idealmente ser qualquer pessoa.

Em última instância, cada cidadão poderia contribuir com a emergência da confiabilidade científica, ao participar de seu empreendimento. Logicamente que a realidade está longe do ideal, por isso é importante lutarmos pelo acesso dos sujeitos historicamente excluídos das ciências, de maneira a garantir uma diversidade não apenas de corpos, mas também de culturas, ideias e maneiras de se fazer ciência, fortalecendo os consensos construídos.

Com base nesses pontos e discussões, essa obra pode servir como fonte de reflexões para educadores de ciências. Com Why trust Science?, podemos pensar em argumentos e formas de abordar a construção de um entendimento sofisticado da ciência com nossos estudantes, a fim de evitar o avanço de movimentos preocupantes, como o anti vacinação por exemplo, tão evidente na atualidade. O atual contexto exige que essas questões sejam abordadas sistematicamente pelo ensino de ciências, para garantir uma formação científica crítica que beneficie a vida dos estudantes, permitindo acesso à cultura científica e a capacidade de escolhas bem informadas e mais cidadãs.