A Corte Internacional de Justiça na Aurora de seus 75 Anos

The Peace Palace, in The Hague, the Netherlands, seat of the International Court of Justice. May 1984. 1/May/1984. UN Photo/P Sudhakaran. www.unmultimedia.org/photo/

O prestígio e a relevância alcançados pela Corte Internacional de Justiça na sociedade internacional hodierna é fruto dos magnos intentos de juristas visionários, que propiciaram a concretização de uma etapa salutar para o franco desenvolvimento do Direito Internacional: o surgimento de uma Corte permanente com jurisdição internacional, com o escopo precípuo de alcançar e manter a paz pelo Direto.

Num coup d’oeil, quase um século se passou!

Em 16 de junho de 1920, na Haia, no Palácio da Paz, ocorria a primeira sessão pública do Comitê Consultivo de Juristas, cuja preciosa missão consistia em lapidar a criação de uma Corte Permanente de Justiça Internacional.

Nessa Sessão, um dos discursos mais eloquentes e que denota a magnitude do trabalho desse Comitê foi o proferido por Léon Victor Auguste Bourgeios, então representante do Conselho da Sociedade das Nações.

Bourgeios enalteceu a criação da Corte como instituição judicial suprema na esfera internacional e sublinhou que “[…] un tribunal dont les sentences doivent garantir la maintien de la paix, n’a autorité que si cette paix est fondée sur le droit lui-même. La paix, avons-nous dèjà dit, c’est la durée du droit”[1]: “um tribunal, cujas sentenças devam garantir a manutenção da paz, somente tem autoridade se esta paz é fundada sobre o próprio direito. A paz perdura, como dissemos, enquanto perdurar o direito”.

Imbuídos deste magnífico escopo, entre 16 de junho a 21 de julho de 1920, jusinternacionalistas oriundos de diversos países e que representavam distintos sistemas jurídicos, dotados de notabilíssimo saber jurídico, debateram, defenderam, decidiram sobre o teor de cada um dos artigos, insculpindo assim, o projeto do Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional.

Dentre eles, dois expoentes brasileiros, Clóvis Beviláqua – que apresentou o draft brasileiro, contribuindo com sugestões  para a elaboração do Estatuto da futura Corte – e Raul Fernandes, que além de sustentar a importância dos princípios gerais do direito como fonte do Direito Internacional, ainda ousou ter a perspicácia de resolver a questão fulcral da jurisdição obrigatória da Corte, resultando na imprescindível Cláusula Facultativa de Jurisdição Obrigatória, também mundialmente conhecida como Cláusula Raul Fernandes.

Um projeto desta envergadura passou por minuciosa revisão e, em dezembro de 1920, a Assembleia da Sociedade das Nações aprovou, por unanimidade, o projeto do Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional. Um passo relevantíssimo para a construção da Justiça Internacional, mas que ainda carecia da ratificação dos Estados para que pudesse entrar em vigor.

Por esta razão, foi disponibilizado um protocolo para assinaturas em 16 de dezembro desse mesmo ano. Em setembro de 1921, verificou-se que um número significativo de Estados já havia assinado e ratificado o Estatuto, entrando finalmente em vigor.

Por conseguinte, em 14 de setembro de 1921 foram eleitos os primeiros juízes – que comporiam esta Corte Internacional – pelo Conselho e pela Assembleia da Sociedade das Nações.

Sediada no Palácio da Paz, a Corte Permanente de Justiça Internacional realizou sua primeira sessão preliminar, com a finalidade de elaborar seu Regulamento em 30 de janeiro de 1922 e, finalmente, em 15 de fevereiro de 1922 ocorreu a Sessão Inaugural desta magnífica Corte.

Durante seu labor profícuo que perdurou até 1940, sendo extinta formalmente em 1946, a Corte Permanente de Justiça Internacional foi instada a decidir sobre 29 (vinte e nove) controvérsias internacionais e a pronunciar-se em 27 (vinte e sete) Opiniões Consultivas.

A cronologia e estes fatos históricos são importantes ainda mais se consideramos os resultados magistrais que advieram da aplicação e da interpretação do Direito Internacional por ambas as Cortes, cada qual no compasso de seu tempo e da história.

A Corte Permanente de Justiça Internacional, predecessora da Corte Internacional de Justiça, legou à essa não apenas sua valiosa construção jurisprudencial, mas a fortuna de compartilhar sua gloriosa gênese, vez que o Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional constitui a base do Estatuto da Corte Internacional de Justiça e este, por sua vez, integra a Carta das Nações Unidas.

Não obstante, é de todo oportuno mencionar que a Corte Internacional de Justiça exsurge como o principal órgão judiciário das Nações Unidas, cuja Sessão Inaugural sucedeu em 18 de abril de 1946.

O arcabouço jurisprudencial da Corte Internacional de Justiça constitui auspiciosa e monumental construção jurídica, ante a incontestável complexidade das questões apreciadas e, ipso facto, se revestem de valor inestimável para a toda a sociedade internacional, vez que o labor majestoso de juris dictio da Corte propiciou e propicia o fiel cumprimento do princípio pax mundi suprema lex, ao solucionar pacificamente as controvérsias internacionais.

Desde sua instituição até abril de 2021, foram submetidas à Corte Internacional de Justiça 140 (cento e quarenta) Controvérsias e 29 (vinte e nove) Opiniões Consultivas, cuja característica principal reside na complexidade.

Seja no exercício de sua competência contenciosa, seja no exercício de sua competência consultiva, a Corte Internacional de Justiça contribuiu e contribui sobremaneira para a construção, desenvolvimento e consolidação do Direito Internacional, em especial do Direito Internacional Geral; para a elucidação das fontes do Direito Internacional; para a interpretação dos Tratados; para a responsabilização dos Estados por violação do Direito Internacional… para mencionar apenas algumas matizes de seus feitos.

Não obstante, além de se debruçar sobre questões clássicas do Direito Internacional, a Corte também contribuiu para o desenvolvimento de novas áreas do Direito Internacional, tais como o Direito do Mar e o Direito Internacional Ambiental e, nos últimos anos, tem sido cada vez mais instada a se manifestar acerca de Tratados de Direitos Humanos.

A Corte Internacional de Justiça completou 75 anos este mês! Precisamente em 18 de abril de 2021, data significativa que remonta à Sessão Inaugural da Corte. É de enaltecer a gloriosa e magnífica atuação da Corte na solução jurídica de controvérsias, internacionais, na interpretação do Direito Internacional, no desenvolvimento e na consolidação do corpus juris internacional.

Longevidade à Corte Internacional de Justiça! Avante! Que continue sua profícua trajetória, valiosa, sempre rumo à tão sonhada Paz Perpétua, de Immanuel Kant!

[1] Cf. COUR PERMANENT DE JUSTICE INTERNACIONALE. Comité Consultatif de Juristes. Procèss – Verbaux des Sèanses du Comitê avec Annexes (16 juin-24 julliet 1920). La Haye: Van Langenhuisen Frères, 1920, p.06.

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