Cortes Regionais de Direitos Humanos | Agosto 2021

Corte Africana de Direitos Humanos

Durante o mês de agosto de 2021, não houve julgamentos de mérito na Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, ocorrendo apenas uma decisão “interlocutória”:

Caso Ahmed Ally Vs. República da Tanzânia, n. 019/2017. Decisão de 03/08/2021 

O caso de Ahmed Ally é baseado no fato de que o requerente, que é condenado por homicídio, é sentenciado a pena de morte. De acordo com o Requerente, ele recorreu desta decisão para o Tribunal de Recurso, que proferiu acórdão em 19 de abril de 1994, negando provimento ao recurso na íntegra. Em 13 de junho de 2017, o requerimento foi apresentado e entregue ao Estado Demandado em 15 de abril de 2018. O Estado Demandado teve sessenta (60) dias para apresentar sua resposta. O requerente era Ahmed Ally, que estava no corredor da morte por crime de homicídio em que contesta a decisão que o levou para o corredor da morte, baseando- se no artigo 2 e 3 (2) da carta.

Neste caso, o tribunal observa a pertinência da Regra 65 (1) das Regras e por conta disso, observa que o Requerente foi perdoado pelo Presidente do Estado Respondente e, portanto, libertado da prisão. Além disso, os representantes legais do requerente afirmaram que tentaram entrar em contato com o requerente para dar seguimento ao caso, mas sem sucesso. O Tribunal também tentou entrar em contato com o requerente por meio das autoridades das prisões, mas não recebeu respostas a suas cartas. 

Devido a isso, o Tribunal exige que as partes de um pedido levem a cabo o seu caso com diligência e o não cumprimento leva à conclusão de que uma das partes não é mais interessada em prosseguir com sua reivindicação. Portanto, o tribunal conclui que o requerente não tem intenção de prosseguir com a sua aplicação e decide que o aplicativo deve ser eliminado de sua lista de causas de acordo com regra (65 – 1 e b). 

Por fim, foi concluído que o caso seja eliminado e que, apesar disso, a decisão de eliminar o pedido não impede que o requerente, mostrando uma boa causa, de requerer a restauração do seu caso ao tribunal.

Corte Europeia de Direitos Humanos

Ao longo do mês de agosto de 2021, a Corte Europeia de Direitos Humanos não julgou nenhum caso considerado de impacto 1 na Grand Chamber, mas julgou oito casos considerados de impacto 2, conforme os graus de importância estabelecidos pela própria Corte Europeia. Significa que se trata de um caso que um dia virá a ser um case report ou key case. Trataremos dos casos destacados pela própria Corte.

1. Caso da Associação Política Nacional de Marco Pannella e Radicais Italianos, v. Itália (nº 20002/13) – Decisão proferida em 31.08.2021

No Caso da Associação Política Nacional de Marco Pannella e Radicais Italianos v. Itália, os requerentes são duas associações – Associação Política Nacional e Radicais Italianos – que argumentaram que houve uma violação ao seu direito à liberdade de manifestação de opiniões em virtude da supressão da emissão televisiva dedicada ao debate político. 

O sistema de comunicação radio-televisivo italiano é dividido em duas categorias – emissão de comunicação política, Commissione Parlamentare per l’indirizzo generale e la vigilanza dei servizi radiotelevisivi e emissão de informação, Autorità per le garanzie nelle comunicazioni – « l’AGCOM » – reguladas por uma legislação responsável pela difusão de ideias de natureza política para garantir o respeito aos princípios constitucionais, tendo a a Radio Televisione Italiana – RAI como o serviço público de radiotelevisão para organizar as tribunas políticas. 

Em 21 de novembro de 2007, a comissão de vigilância repassou a RAI as instruções para o último ciclo de tribuna política, que vigorou até 15 de abril de 2008, organizado pela RAI antes das eleições. Em 2008, em virtude das eleições, a composição da comissão de vigilância foi renovada e a nova comissão não repassou a RAI as instruções para organizar um novo ciclo de emissões de comunicação política, assim as tribunas políticas não foram mais organizadas. 

Nesse contexto, a primeira requerente questiona a situação cessação das tribunas políticas que, segundo a diretora editorial da RAI, não ocorreu porque a comissão de vigilância não forneceu uma decisão de autorização para considerar a primeira requerente como um grupo parlamentar autônomo, isso porque o governo não possui uma definição ampla de sujeito político, mas restrita, deixando claro que ao tomar essa decisão, a RAI reiniciará a organização dos ciclos de tribuna política. Em 17 de dezembro de 2009, a segunda requerente reportou ao presidente da comissão de vigilância sobre a supressão das tribunas políticas, em que a população italiana foi privada de seguir os debates dos sujeitos políticos, ademais criticou o critério em que há tempo de exposição desproporcional as emissões.  

Ambas, invocam o artigo 10º da Convenção, alegando que houve uma violação ao direito de expressão de ideias políticas. A primeira requerente sustenta que há uma escolha para privilegiar emissões de informação política que favorecem forças políticas mais populares e que essas emissões não possuem o mesmo efeito democrático e nem fornecem o mesmo espaço de pluralismo das tribunas populares. No entanto, o governo se defende através de índices de audiências para afirmar que o formato de tribunas populares já não atrai o interesse do publico ao contrário do formato de talk-show. 

Por fim, a Corte declara, por unanimidade, que o processo da primeira requerente é aceitável, argumentando que não houve violação do artigo 10º da Convenção, mas houve violação ao artigo 13º da Convenção, por isso estimou uma indenização a ser paga a primeira requerente e não considerou o processo da segunda requerente aceitável.

2. Caso Karrar v. Bélgica (nº 61344/16) – Decisão proferida em 31.08.2021

O caso trata de um processo penal da requerente, Abdelmajid Karrar, em relação a corte de Liège relacionado a acusação de assassinado de seus dois filhos e um encontro da mãe das vítimas com o presidente da jurisdição do seu processo penal na semana que precedeu sua instauração, para exprimir sua compaixão por sua situação. Diante dessa situação, a requerente acusa o presidente da Corte Penal de imparcialidade, invocando o § 1 do artigo 6º da Convenção que estabelece um tribunal independente e imparcial para todos. Embora, o governo alegue que a requerente não recebeu a acusação em virtude dessa visita, a Corte decidiu unanimamente que acusação de violação do § 1 do artigo 6º da Convenção é admissível apenas pela visita a mãe das vítimas e que a constatação da violação em si já é um prejuízo moral a requerente.

3. Caso “Milošević vs. Croácia”, n. 12022/16 – Decisão proferida em 31.08.2021. 

Trata-se de demanda movida por um cidadão da Bósnia Herzegovina em face da Croácia. Alega o requerente que em uma inspeção ocorrida em 29 de junho de 2012, em seu caminhão, na alfândega croata, constatou-se que o combustível do veículo era um óleo de aquecimento especial que não poderia ser usado como combustível para veículos motorizados, o que lhe gerou uma multa por infração penal de menor potencial ofensivo. Além disso, pelo mesmo fato, o Autor teria sido multado em valor que consistia em um imposto especial de consumo aumentado cem vezes (devido ao uso ilegal do referido óleo). Esta decisão foi mantida em recurso administrativo e processual domésticos. Assim, após esgotar os recursos internos do páis, o requerente ajuizou a presente demanda, alegando violação ao artigo 4º do Protocolo nº07 da Convenção Europeia de Direitos Humanos, ante a dupla condenação pelo mesmo fato.

A Corte entendeu que houve sim um bis in idem, visto que tanto a infração penal de menor potencial ofensivo como o processo administrativo (fiscal) subsequente diziam respeito ao mesmo acontecimento, e o fato de o imposto especial de consumo que incidiu ter sido aumentado cem vezes prova que a referida medida tinha um carácter penal e não se destinava exclusivamente a prevenir a evasão fiscal. Assim, a Corte entendeu que houve sim violação ao artigo 4º do Protocolo nº07 da Convenção Europeia de Direitos Humanos.

Dessa forma, a Corte condenou o Estado demandado a pagar ao requerente, no prazo de três meses a partir da data em que a sentença se tornar definitiva, um valor equivalente a 3 mil euros (acrescidos de eventual taxa devida) por danos materiais e morais, e 685 euros (acrescidos de eventual taxa devida) de custas e despesas processuais.

4. Caso “Bragi Guðmundur Kristjánsson v. Islândia”, n. 12951/18- Decisão proferida em 31.08.2021. 

Trata-se de demanda movida por um cidadão da Islândia. O demandante teria sido condenado no país por violações ao código tributário islandês. No processo administrativo/fiscal, os impostos devidos pelo recorrente foram reavaliados e foi aplicada uma sobretaxa de 25%. Posteriormente, no âmbito do processo penal, o recorrente foi condenado por infrações fiscais agravadas e condenado a três meses de prisão e a uma multa de cerca de 84.000 euros. O requerente queixa-se de ter sido julgado duas vezes pelo mesmo fato, o que, segundo ele, teria violado o princípio ne bis in idem consagrado no artigo 4.º do Protocolo n.º 7 da Convenção Europeia de Direitos Humanos.

A Corte entendeu que houve sim um bis in idem, visto que ambos os processos (administrativo e penal) diziam respeito a uma mesma infração essencialmente “criminal”. Segundo a Corte, a condenação penal do recorrente e a aplicação de sobretaxas fiscais basearam-se na mesma não declaração de rendimentos. Além disso, o processo fiscal e o processo penal incidiram sobre o mesmo período devido e sobre o mesmo montante em impostos sonegados. Consequentemente, o requisito idem do princípio ne bis in idem restou preenchido. 

Ainda segundo a Corte, verificou-se que o duplo ajuizamento de processos contra o recorrente não estava suficientemente justificado em matéria de “substância” e “tempo”, e poderia ter sido evitado. Consequentemente, o demandante foi julgado e punido pelo mesmo comportamento por autoridades diferentes em dois processos distintos que careciam da conexão exigida. Portanto, segundo a Corte, houve sim uma violação ao Artigo 4º do Protocolo Nº. 7 da Convenção.

Dessa forma, a Corte condenou o Estado demandado a pagar ao requerente, no prazo de três meses a partir da data em que a sentença se tornar definitiva, um valor equivalente a 86.250 euros (acrescidos de eventual taxa devida) por danos materiais, 5.000 euros (acrescidos de eventual taxa devida) por danos morais, e 16.800 euros (acrescidos de eventual taxa devida) de custas e despesas processuais.

5. Caso “Estemirova v. Rússia”, n. 42705/11- Decisão proferida em 31.08.2021. 

O caso diz respeito ao rapto e assassinato de uma conhecida ativista de direitos humanos, Sra. Natalia Estemirova, e à eficácia da investigação que se seguiu. A requerente, irmã de Natalia Estemirova, foi representada por advogadas (os) do Memorial Human Rights Centre (“o Memorial HRC”) e do Centro Europeu de Defesa dos Direitos Humanos (“o EHRAC”), organizações não governamentais. O Governo foi representado por procuradores da Federação da Rússia no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Resumidamente, Natalia Estemirova era uma conhecida ativista de direitos humanos russa e membro do conselho do Memorial HRC. Ela investigou casos de sequestros, tortura e execuções extrajudiciais na Chechênia e denunciou crimes cometidos por insurgentes chechenos e por agentes da lei. A Requerente alega que Natalia Estemirova foi sequestrada por militares na frente de policiais que patrulhavam a área e requer a responsabilização do Estado russo.

Em 15 de julho de 2009 foi sequestrada perto de sua casa, ao sair para o trabalho, pela manhã e duas testemunhas relataram tê-la visto sendo empurrada para um Lada branco, modelo VAZ-2107 e ouvido o grito, em que a vítima afirmava estar sendo sequestrada. Os colegas de trabalho informaram o Ministério do Interior da Chechênia e a promotoria sobre o sequestro entre meio-dia e 13h00. O corpo de Natalia Estemirova foi encontrado às 16h30, em um campo adjacente à autoestrada federal Kavkaz, na vizinha República da Inguchétia. Ela levou um tiro na cabeça e no peito. 

A investigação oficial concluiu ao vasculharem uma casa em Shalazi, que Bashayev, um policial e líder de um grupo armado ilegal – Shalazhi jamaat – era proprietário de uma das armas cujas balas foram encontradas na cena do crime e no corpo de Natalia Estemirova, bem como os cartuchos coletados na cena do crime teriam sido disparados a partir de uma dessas armas encontradas. Outras provas indicaram a sua autoria do crime. Contudo, essa investigação foi refutada pela Requerente, tendo sido denunciada a falha do governo por apresentar versão não confiável. A investigação oficial não explicava: (i) por que o DNA do Sr. Bashayev não estava presente no corpo da Sra. Estemirova ou na cena do crime; (ii) como os investigadores identificaram as placas de registro do carro dos criminosos; (iii) a razão pela qual o Sr. Bashayev não foi registrado como o proprietário legal do carro; (iv) como foi possível ao oficial N. se lembrar do rosto do Sr. Bashayev seis meses após os eventos em questão e por que ele não percebeu que seus documentos haviam sido falsificados; (v) por que as balas encontradas na cena do crime não coincidiam com os disparos da arma supostamente pertencente ao Sr. Bashayev; vi) a razão pela qual, segundo o relatório de um perito, essas balas não foram disparadas do silenciador, alegadamente pertencente ao Sr. Bashayev; (vii) porque o solo do carro VAZ-2107 não combinava com o solo da cena do crime; e (viii) quem era o motorista do carro que acompanhou os perpetradores desde a cena do rapto.

Decisão da Corte: Com base no art. 2º da Convenção, a Corte concluiu que não foi demonstrado “além de qualquer dúvida razoável” que os agentes do Estado russo foram os responsáveis pelo sequestro e assassinato da ativista de direitos humanos e por cinco votos a dois, compreende que houve a sua violação, em aspectos processuais apenas. Compreendeu que a investigação foi inadequada, dadas as deficiências identificadas e reconheceu a falha do governo em apresentar todos os arquivos de investigação.

Art 38 da Convenção • Falha do governo em fornecer todas as instalações necessárias

O Tribunal atribuiu à Requerente 20.000 euros (EUR) a título de danos imateriais.

6. Caso “Galovic x Croácia”, n. 45512/11- Decisão proferida em 31.08.2021. 

Constava que o Requerente foi condenado por vários delitos de violência doméstica e negligência infantil em processos criminais, colecionando condenações em 2006 e 2007. O histórico de suas condenações indica que em 4 de julho de 2007, o Tribunal Municipal de Zagreb (Općinski sud u Zagrebu) considerou o requerente culpado em processo penal por violência doméstica e negligência e abuso de um menor de idade no período entre março de 2002 e o final de fevereiro de 2005. Ele foi condenado a dois anos de reclusão. Em 6 de Outubro de 2006, o Tribunal de Delitos Menores de Zagreb (Prekršajni sud u Zagrebu) já havia considerado o requerente culpado de um delito “menor” de violência doméstica ao abrigo da secção 4 da Lei de Proteção contra a Violência Doméstica contra a sua filha menor ZG, cometido em 5 de outubro de 2006. Foi condenado a cinquenta dias de prisão com suspensão de um ano. Também consta que em 2 de fevereiro de 2007 o Tribunal de Delitos Menores de Zagreb considerou o requerente culpado de um delito leve de violência doméstica contra sua esposa Mi.G. e seu filho H.G cometido em 30 de janeiro de 2007. Ele foi condenado a dez dias de prisão, enquanto sua sentença suspensa anterior havia sido revogada (ver parágrafo 6 acima) e ele foi condenado a um total de cinquenta e nove dias de prisão. 

Perante a CEDH reclamou nos termos do Artigo 6 § 3 (b) da Convenção que, devido à brevidade do período entre a data em que ele foi informado da sessão do tribunal de apelação e a data real dessa sessão, em que não teria tempo suficiente para procurar um(a) advogado (a) e preparar a sua defesa. Queixou-se ainda de que a sua ausência na sessão do tribunal de recurso resultou na violação dos seus direitos, ao abrigo do artigo 6.º, n.º 3, alínea c), da Convenção. O requerente alega ter sido julgado e condenado duas vezes pela mesma infração, em violação do artigo 4.º do Protocolo n.º 7 da Convenção. 

O julgamento em 31.08.2021 trouxe em sua decisão o seguinte teor: declarou o pedido admissível; considerou que não houve violação do artigo 6.º, nº s 1 e 3, alíneas b) e c), da Convenção no que se refere à brevidade do período durante o qual o requerente teve de preparar a sua defesa antes da sessão do tribunal de recurso; considerou que houve uma violação do artigo 6 §§ 1 e 3 (c) da Convenção no que diz respeito à ausência do requerente à sessão do tribunal de recurso; considerou que não houve violação do artigo 4º do Protocolo nº 7 da Convenção; e condenou o Estado requerido a pagar ao requerente, no prazo de três meses a partir da data em que a decisão se torna definitiva em conformidade com o artigo 44.º, n.º 2, da Convenção, 1.500 euros (mil e quinhentos euros), mais qualquer imposto que pode ser exigível ao requerente, no que diz respeito a danos imateriais, a converter em kunas croatas à taxa em vigor na data da liquidação, com a possibilidade de aplicação de juros simples sobre o montante a uma taxa igual à taxa de cedência de liquidez do Banco Central Europeu durante o período de incumprimento acrescida de três pontos percentuais. Rejeitou o restante da reclamação do requerente por justa satisfação.

7. Caso “Vassilou v. Chipre”, n. 58699/15). Decisão de 31.08.2021

O caso diz respeito à responsabilidade do Estado (Chipre) pela angústia vivida pela esposa e pelos filhos de um reservista cipriota grego que tinha desaparecido em ação durante a invasão turca de 1974 no norte de Chipre e que foi descoberto, vinte e seis anos depois, ter executados pelos invasores e enterrados em território do Estado desde o início. As vítimas (família Vassilou) foram representadas pelo Sr. A. Demetriades, advogado que exerce em Nicósia, Chipre. Enquanto o Estado foi representado pelo seu agente, o Sr. C. Clerides, Procurador-Geral da República de Chipre.

Partindo disso, o caso foi levado para a suprema corte em 2010 e se teve uma longa discussão sobre. Durante esses anos, a corte decidiu que: foi alegado a violação do artigo 2 da convenção. Os requerentes reclamaram que o Estado não havia investigado com eficácia a situação de seu parente desaparecido, conforme requerido pelo artigo 2 da Convenção. Tanto quanto relevante, esse artigo diz: “1. O direito de todos à vida deve ser protegido por lei.” e como eles foram mortos por uma invasão do Estado, seu direito à vida foi retirado.  Além da violação do artigo 2, foi declarado a violação do artigo 8 da convenção, os requerentes queixaram-se de que, ao não lhes ter comunicado qualquer informação sobre o destino do seu familiar desaparecido, o Estado lhes causou angústia em violação do artigo 3.º ou, em alternativa, do artigo 8.º da Convenção. Como mestre na caracterização jurídica dos fatos (Guerra e Outros c. Itália [GC], no. 14967/89, § 44, Relatórios de Acórdãos e Decisões 1998 I), o Tribunal examinará esta queixa apenas nos termos do Artigo 8. Este artigo diz: “1. Toda pessoa tem direito ao respeito pela vida privada e familiar (…) e 2. Não deve haver interferência de uma autoridade pública no exercício deste direito, exceto nos casos em que esteja de acordo com a lei e seja necessária em uma sociedade democrática no interesse da segurança nacional, da segurança pública ou do bem-estar econômico do país, para a prevenção de desordem ou crime, para a proteção da saúde ou da moral, ou para a proteção dos direitos e liberdades de outros.”

O artigo 13 também foi considerado como um dos violados, os demandantes denunciaram, nos termos do artigo 13 da Convenção, que não dispunham de um recurso efetivo para as violações de seus direitos, em particular porque o Estado havia negado sua responsabilidade pelo desaparecimento de seu familiar e não haviam recebido nenhuma indenização. O artigo 13 diz: “Todos cujos direitos e liberdades, conforme estabelecidos na Convenção, sejam violados, terão um recurso efetivo perante uma autoridade nacional, não obstante a violação ter sido cometida por pessoas agindo em uma capacidade oficial.”  O artigo 41 também foi considerado como um dos violados pela corte, isso porque o artigo 41 afirma: “Se o Tribunal considerar que houve uma violação da Convenção ou dos seus Protocolos, e se a legislação interna da Alta Parte Contratante em questão permitir apenas a reparação parcial, o Tribunal deverá, se necessário, dar justa satisfação a parte machucada.” e isso foi ressaltado, devido a angústia que a família das vítimas teve. O Estado do Chipre foi considerado culpado, considerando todos esses artigos.

8. Caso Kemal Bayram Vs. Turquia n. 33808/11 – Decisão proferida em 31/08/20211

A denúncia se refere à uma perda de propriedade do denunciante, o qual foi negado a possibilidade de contestar a medida pela falta de informação sobre o ocorrido. O denunciante possuía dois imóveis no país denunciado, os quais foram registrados como parte do tesouro do Estado, sem a devida notificação do proprietário, de modo que alega ter sofrido violação ao direito à propriedade consagrado no artigo 1º do Protocolo 1º da Convenção Europeia de Direitos Humanos: “ninguém pode ser privado de seus bens, exceto por razões de utilidade pública e nas condições previstas na lei e nos princípios gerais do direito internacional”.

Ao analisar o mérito da questão, a Corte verificou que o denunciante não foi notificado da apropriação de seus imóveis pelo Estado, o que gerou violação ao seu direito à propriedade. A Corte Europeia de Direitos Humanos considerou por unanimidade que houve violação ao artigo 1º do Protocolo 1º da Convenção e condenou o Estado a indenizar o denunciante por danos morais na quantia de 5 mil euros. Não houve pedido do denunciante por indenização por danos materiais.

Corte Interamericana de Direitos Humanos

Durante o mês de agosto de 2021, não houve novos julgamentos de mérito ou decisões. Entretanto, houve a publicação da opinião Consultiva 28/21 e o julgamento de mérito do caso Grijalva Bueno V. Equador, ambos retroativos e referentes ao mês de junho de 2021.

1. Opinião consultiva 28/21. Emitida em 07/06/2021. Solicitada pela República da Colômbia – A figura da reeleição presidencial por tempo indeterminado em sistemas presidenciais e no contexto do sistema interamericano de direitos humanos

Em outubro de 2019, a República da Colômbia solicitou à Corte Interamericana de Direitos Humanos uma opinião consultiva sobre a figura da reeleição presidencial por tempo indeterminado, justificando-se a consulta pela divergência de posturas dos demais países do continente sobre o assunto.

A Corte afirma que o sistema interamericano de direitos humanos não impõe nenhum sistema político aos estados e nem modalidades de limitações aos direitos políticos, devendo ser garantidas o regime democrático e a realização de eleições periódicas. A Corte adverte que a fixação de período para mandato presidencial comporta uma limitação do exercício de poder, a fim de configurar um mecanismo de controle. Neste sentido, a possibilidade de eleição por períodos subsequentes indeterminados tem efeitos nocivos para o regime plural de partidos e organizações políticos, próprios de uma democracia representativa, além de que a falta de limites para a reeleição presidencial leva a uma debilitação dos partidos e movimentos políticos que integram a oposição.

Utilizando-se destes argumentos, a Corte opinou, por 5 votos a 2, que a proibição da reeleição presidencial por período indeterminado é compatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos, bem como que a previsão desta possibilidade contraria os princípios da democracia representativa e as obrigações estabelecidas na referida Convenção.

2. Caso Grijalva V. Equador. Decisão de 03/06/2021

O denunciante alega ter sido destituído arbitrariamente de seu cargo de Capitão da Força Naval Equatoriana, em 1993, bem como ter sofrido violação ao seu direito de garantias judiciais no processo penal militar ao qual foi submetido. Alega que o processo não foi conduzido por uma autoridade imparcial, além de que teria sido impossibilitado de exercer sua ampla defesa e garantias judiciais. A sentença do referido processo teria sido fundamentada exclusivamente em um relatório que apresentava diversas irregularidades, incluindo a aplicação de atos de tortura e coerção contra várias pessoas que testemunharam contra o Sr. Grijalva.

Ao analisar o mérito do caso, a Corte considerou as garantias judiciais da vítima no processo penal militar ao qual foi submetido. Em análise da possibilidade de ampla defesa proporcionada ao réu, verificou-se que houve violação ao direito de questionar testemunhas, uma vez que a defesa do Sr. Grijalva foi impossibilitada de exercer o seu direito de interrogar testemunhas e de exercer o respectivo controle sobre o conteúdo de suas declarações. A Corte também chegou à conclusão de que o juiz do referido processo penal militar apreciou provas ilícitas que teriam sido obtidas sob tortura e coação em violação do devido processo legal e das garantias judiciais reconhecidas na que teriam sido obtidas sob tortura e coação em violação do devido processo legal e das garantias judiciais reconhecidas pela Convenção Americana de Direitos Humanos.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu a responsabilidade do Estado denunciado pelo processo de destituição da vítima e pelo processo penal militar que se seguiu contra o denunciante, os quais resultaram em violação aos direitos a garantias e proteção judiciais, previsto no artigo 8 da Convenção Americana de Direitos Humanos. A Corte também reconheceu a responsabilidade do Estado pela violação ao direito à liberdade e expressão do pensamento, previsto no artigo 13 da Convenção. Por fim, a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Equador ao pagamento de dano material e dano moral à vítima, bem como considera que a publicação da própria sentença constitui reparação suficiente como medida de satisfação pelas violações sofridas.