Cortes Regionais de Direitos Humanos | Dezembro 2021

Corte Africana de Direitos Humanos

Durante o mês de dezembro de 2021, foram nove decisões, no âmbito da Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.

1. Caso Robert Richard v. República Unida da Tanzânia. Sentença proferida em 02.12.2021 – Requerimento nº 035/2016

Síntese do caso:

O requerente Robert Richard, um cidadão da Tanzânia, sentenciado à prisão perpétua, em 22 de agosto de 2004, pela sodomia de uma criança de um (1) ano e cinco (5) meses. O requerente alega que sua audiência, para apelação perante o Tribunal Superior de Tanzânia À Dar es Salaam no recurso criminal nº 84 de 2008, iniciou em 15 de abril de 2009, mas ainda se encontrava pendente até a data de instauração desse processo em 8 de junho de 2016. E em 26 de setembro de 2018, o recurso foi proferido e concedido: a condenação anulada, “sentença perpétua anulada” infligido ao Requerente e ordenou sua libertação. Diante dessa situação, o requerente alega violação ao seu direito de ser julgado sem atraso razoável garantido pelo artigo 7º, 1, d da Carta Africana de Direitos Humanos. No entanto entre a apresentação do requerimento em 8 de junho de 2016, notificação do Estado em 7 de setembro de 2016 e a decisão da Corte em 26 de setembro de 2018, o Estado não apresentou por escrito a resposta à Corte, mesmo depois de diversos avisos: 24 de janeiro de 2017, 7 dezembro de 2017, 6 de agosto de 2018, 25 de setembro de 2018, 26 de novembro de 2018, 20 fevereiro de 2019 e 9 de julho de 2020. E em 25 setembro de 2018 e 20 de março de 2019, o Tribunal notificou que proferiria uma sentença padrão na ausência de uma resposta.

 

Decisão da Corte:

A Corte por unanimidade se declara competente e que o pedido é admissível. Também declara unanimente que o Estado violou o direito do requerente ser julgado em um prazo razoável como observado pelo 7 (1) (d) da Carta Africana de Direitos Humanos. Sobre as reparações – pecuniárias e não pecuniárias-, a Corte, por uma maioria de 10 a 1, a despeito da opinião dissidente do Juiz, concedeu: 1. a quantia de cinco milhões (5.000.000) de xelins da Tanzânia, com isenção de imposto, como indenização por danos morais sofridos em decorrência de demora indevida do Estado no exame do recurso do requerente e 2. que a sentença seja publicada pelo Estado, nos sites Internet do Judiciário e do Ministério de Assuntos constitucional e legal, três (3) meses a partir da data da notificação e acessível por pelo menos um (1) ano após a data de publicação. Acrescenta-se que o Estado deve submeter um relatório sobre as implementações da decisão no prazo de seis (6) meses a partir da data da notificação desta sentença e posteriormente a cada seis (6) meses até o Tribunal certifique-se de que as implementações foram realizadas. Condenou cada parte a suportar suas próprias despesas processuais.

2. Caso Sadick Marwa Kisase versus República Unida da Tanzânia – Sentença proferida em 02.12.2021 – Requerimento nº 005/2016

 Síntese do caso:

O requerente, cidadão da Tanzânia, Sr. Sadick Marwa Kisase, foi considerado culpado e condenado, em 30 de junho de 2008, a 30 (trinta) anos de prisão com doze (12) chicotadas, pelo Tribunal Distrital de Geita na Ação Criminal nº 598 de 2007, por assalto à mão armada, infracção punível pelo artigo 287 A do código penal da Tanzânia. Em virtude de sua condenação, interpôs, em 17 de agosto de 2019, o recurso Criminal nº 85/2009 perante o Tribunal Superior da Tanzânia que, em 18 de março de 2011, manteve a decisão do Tribunal Distrital. O Requerente, então, recorreu da decisão do Tribunal Superior de Tribunal de Recurso, em 26 de julho de 2013, que manteve a decisão do tribunal inferior. E em 21 de março de 2014, interpôs um recurso em revisão do acórdão do Tribunal de Recurso. O requerente alega violação de seu direito a um julgamento justo no quadro dos processos nos tribunais nacionais. O requerente alega que o Tribunal de Recurso da Tanzânia em Mwanza o sentenciou erroneamente em 26 de julho de 2013 e, posteriormente, causou-lhe um grave prejuízo por não agendar audiência de seu recurso de revisão, enquanto isso outros pedidos após o seu, já havia sido agendado e marcado para uma audiência. O requerente acrescentou que o Tribunal de Recurso não considerou todas as suas defesas, violando seu direito fundamental para que seu caso fosse ouvido por um tribunal, como previsto no artigo 3.º, n.º 2, da Carta Africana de Direitos Humanos e não lhe concedeu representação legal durante seu julgamento, privando-o do seu direito de ter sua causa ouvida, violando assim seus direitos fundamentais previstos no artigo 7.º, n.º 1, alínea c), e (d) da Carta e Artigos 1 e 107 (2) (b) da Constituição Tanzaniano de 1997.

Decisão da Corte:

Por unanimidade, sobre a competência, a Corte rejeitou a objeção de incompetência material, declarando ter competência; sobre admissibilidade, indeferiu a exceção de inadmissibilidade do recurso e declara o pedido admissível. Sobre o mérito, considerou que o Estado não violou o direito do requerente de julgamento do caso garantido pelo artigo 7.º, n.º 1, da Carta; nem violou o direito do requerente de igual proteção da lei garantida pelo artigo 3 (2) da Carta, já que não havia uma decisão do seu pedido de revisão.  No entanto o Estado violou o direito de defesa do Requerente previsto no artigo 7 (1) (c) da Carta, em conjunto com o artigo 14 (3) (d) do PIDCP, ao não lhe prestar assistência jurídica gratuitamente. Sobre as reparações pecuniárias, a Corte não deferiu o pedido de indenização por danos sofridos em decorrência da perda de rendimentos, trauma psicológico, estresse, dor física e danos gerais, no entanto concede ao requerente a quantia de trezentos mil (300.000) Xelins da Tanzânia (isentos de impostos e paga no prazo de 6 (seis) meses a partir da data da notificação do presente sentença) de pelos danos morais.

3. Caso “Mohamed Selemani Marwa x República Unida da Tanzânia” – Sentença proferida em 02.12.2021 – Requerimento nº 014/2016

Trata-se de sentença envolvendo cidadão da Tanzânia, que havia sido condenado a 30 anos de prisão por um roubo a mão armada ocorrido em 2005. A todos os recursos interpostos pelo cidadão nas cortes internas do país foi negado provimento. O cidadão alega que as cortes do país violaram os artigos 2 (de não discriminação), 3, §1º e §2º (o direito à igualdade perante a lei e igual proteção da lei), 5 (dignidade), 7 (julgamento justo), 19 (equidade) e 26 (independência da Corte) da Carta Africana de Direitos Humanos.

O Requerente alega que os tribunais do Estado Demandado o condenaram com base em evidência que não foi comprovada de acordo com as normas exigidas por lei, ou seja, além de qualquer dúvida razoável. O Requerente alega que sua condenação se baseou apenas em sua identificação na cena do incidente. Ele também afirma que a acusação não estabeleceu a intensidade e localização da fonte de luz na cena do crime, bem como a distância entre ele e os observadores do incidente, o tamanho da área (sala) do cenário, a sua descrição, dentre outros pontos. O Requerente afirma ainda que as provas contêm contradições fundamentais e inconsistências. Segundo ele, essas questões confirmam que o caso não foi provado além de qualquer dúvida razoável.

O Estado Demandado alega que a Corte não possui jurisdição para julgar o caso, já que a demanda foi profundamente analisada nas cortes de origem, e que o Requerente foi condenado com base em provas incontestáveis, tendo ele sido sim identificado na cena do crime.

A Corte pontou que a questão da identificação do Requerente foi considerada exaustivamente pelos tribunais de origem, e que o Requerente não forneceu provas de que a forma como estes tribunais julgaram o caso apresentou erros que justificassem a intervenção do Tribunal (de Direitos Humanos). Consequentemente, a Corte considerou que o Requerente não conseguiu provar que o Estado Demandado violou os seus direitos e, portanto, rejeitou a demanda, não havendo que se falar em reparações.

4. Caso “Yaya Koné x República do Mali” – Sentença proferida em 02.12.2021 – Requerimento nº 001/2021

Trata-se de sentença envolvendo um cidadão do Mali. O cidadão, de nome Yaya Kone, era empregado da SOMILO SA, e, em nome da empresa, em junho de 2013, apresentou uma reclamação perante a polícia, afirmando que um rolo de cabo elétrico pertencente à empresa havia sido furtado, e que o cabo foi encontrado no armazém do Sr. Aliou Diallo, um prestador de serviços da companhia. A polícia, junto com o Ministério Público, apresentou queixa contra quatro suspeitos, incluindo o Sr. Aliou Diallo. Depois de um julgamento pelo Tribunal local, condenou-se a pessoa de Abdramane Traore pelo crime, e absolveu-se os demais suspeitos, incluindo o Sr. Aliou Diallo, o qual, depois, juntamente com o Ministério Público, ajuizou demanda contra o Sr. Yaya Kone pelo crime de falsa acusação, tendo sido proferida sentença reconhencendo a falsa acusação. O Sr. Yaya Kone foi, juntamente com a empresa, condenado pelos tribunais locais a uma reparação pecuniária pela falsa acusação (bem como a 6 meses de prisão).

Assim, o Sr. Yaya Kone ajuizou a demanda em questão perante a Corte de Direitos Humanos alegando ofensa aos artigos 3, §1º e 2º (o direito à igualdade perante a lei e igual proteção da lei) e 7 (julgamento justo) da Carta Africana e aos artigos 14 e 15 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

O Requerente afirma que não cometeu os atos dos quais foi acusado. Ele ainda afirma que não é o “reclamante”, uma vez que ele apenas representou seu empregador, em nome de quem e por conta de quem a reclamação foi feita.  O Estado Demandando sustentou que o Requerente não pode ignorar que a falsa acusação é crime previsto e punido pelo artigo 247 do Código Criminal do país, e que os fatos relatados pelo Requerente, que levaram à denúncia de falsa acusação, foram plenamente avaliados por tribunal competente.

A Corte entendeu que o Requerente não apresentou nenhuma prova para demonstrar que os Tribunais foram parciais ou tendenciosos nos procedimentos que levaram à sua condenação, e que, ao contrário do que alega, o Tribunal de Apelação deixou claro que a empresa empregadora do Requerente (SOMILO SA) é quem na verdade deverá pagar a indenização ao Sr. Aliou Diallo. Em vista disso, a Corte considerou que a alegação do Requerente de que ele seria obrigado a pagar uma compensação ao Sr. Diallo carece de mérito. Dessa forma, a Corte concluiu que o Estado Demandado não cometeu violações, não havendo que se falar em reparações.

5. Caso “Thobias Mango & outros (Ally Hussein Mwinyi, Juma Zuberi Abasi, Julius Joshua Masanja, Micheal Jairos, Azizi Athuman Buyogela e Samwel Mtakibidya) v. República Unida da Tanzânia” – Sentença proferida em 02.12.2021 – Requerimento nº 005/2015

Peticionaram em 17 de abril de 2015, todos os Requerentes condenados a cumprir as suas penas na Prisão de Ukonga em Dar es Salaam, Tanzânia. Dois dos sete candidatos cumprem pena de 30 anos por condenação por terem cometido assalto à mão armada. Cinco requerentes foram condenados à morte, com substituição da pena para prisão perpétua.

Os Requerentes afirmam que foram discriminados na concessão de perdões de pena. Argumentam que isso é discriminatório e uma violação do princípio de igualdade perante a lei. Alegam falta de independência do Tribunal Constitucional e privilégios a outros condenados por crimes de corrupção.

Alegam tratamento diferenciado de outros condenados. Isso inclui serem colocados em isolamento, sendo negados seus direitos constitucionais e fundamentais, reclamando de tratamento desigual dos condenados. Fizeram referência a violações dos seguintes instrumentos: Artigos 2, 3, 5, 7, 9, 15, 19, 27 e 28 da Carta Africana de Direitos Humanos e os direitos dos povos; Artigos 5, 7, 8 e 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e Artigos 13 (1) – (6), 45, 64 (5) e 107 A (2) (a) da Constituição da República Unida da Tanzânia.

DECISÃO:

Os pedidos de reparações pecuniárias por supostos danos materiais foram rejeitados.

Também foram rejeitados os pedidos de reparação por danos por prejuízo moral às seguintes supostas vítimas indiretas: Kiliona Mango, Yasinta Thobias Mango, Selemani Thobias Mango, Florida Shukurani também conhecido por Holyda Masuka, Masegenya Shukurani Mango, Harid David, Wallace Mpangala, Mohamed Bashir, Monica Simkiwa e Rhoda Simkiwa;

Rejeitados os pedidos de reembolso de taxas legais dos tribunais domésticos.

Deferido o pedido dos Requerentes – Sr. Thobias Mang’ara Manga e Shukurani Masegenya Mango – de indenização por danos morais que eles sofreram devido às violações encontradas, na soma de Dois milhões, quinhentos mil xelins da Tanzânia (TZS 2, 500.000) cada;

Deferido o pedido dos Requerentes pelos danos morais sofridos pelas seguintes vítimas indiretas e concede compensação a elas da seguinte forma: dois milhões de Xelins da Tanzânia (TZS 2.000.000) para Dorothea Thobias Mango alias Dorothea John Magesa, esposa do Primeiro Requerente; um milhão e quinhentos mil Xelins da Tanzânia (TZS 1.500.000) para Happy Mango, filha do Primeiro Requerente e um milhão de xelins da Tanzânia (TZS 1.000.000) para Dickson Masegenya Mango, irmão dos Requerentes.

Ordena que o Estado Respondente pague os valores indicados acima isentos de impostos, com vigência de 6 (seis) meses a partir da data de notificação da Sentença, sob pena de pagamento de juros de mora, calculado com base na taxa aplicável do Banco Central do República Unida da Tanzânia, durante todo o período de atraso no pagamento, até que o valor seja integralmente pago.

6. Caso “HAMIS SHABAN alias HAMIS USTADH v. UNITED REPUBLIC OF TANZANIA” – Sentença proferida em 02.12.2021 – Requerimento nº 026/2015

Hamis Shaban, também conhecido por Hamis Ustadh (o Requerente), é cidadão da República Unida da Tanzânia (o Estado Respondente). No momento da apresentação do pedido, ele estava cumprindo uma pena de prisão de trinta (30) anos, tendo sido condenado pelo crime de sodomia contra uma menina de dez (10) anos. O Requerente alegou violação pelo Estado Respondente dos seus direitos garantidos nos termos dos Artigos 3 (2), 7 (1) (c) e 7 (1) (d) da Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos (a Carta) por condená-lo sem lhe fornecer representação legal gratuita e por não levar em consideração seu pedido de reconsideração. Requereu reparações para as violações alegadas.

Decisão da corte:

A Corte reconheceu que foi negada assistência jurídica gratuita, conforme alegado.  E embora tivesse sido acusado de um delito grave, que acarretou uma pena mínima de custódia já gravosa, o Requerente teve violada a norma do Artigo 7 (1) (c) da Carta.

 A Corte concedeu ao Requerente 300 mil Shillings da Tanzânia (TZS 300.000) como compensação justa pelo dano moral que sofreu com a negação de assistência jurídica gratuita durante os procedimentos nos tribunais nacionais. Cada uma das partes deverá arcar com as despesas processuais.

7. Caso “EX-TRABALHADORES DA SOMADEX versus C. REPÚBLICA DE MALI” – Sentença proferida em 02.12.2021 – Requerimento nº 006/2018

Em 20 de fevereiro de 2018, ex-trabalhadores da SOMADEX SA, que são cidadãos do Mali (doravante denominados “Os Requerentes”), apelaram para a Corte Africana de Direitos Humanos e dos Povos contra o Estado do Mali por violação dos seus direitos garantidos nos artigos 3, 4, 6 e 7 da Carta Africana dos Direitos do homem e dos povos. Contestam a sua demissão e o não pagamento por parte do seu empregador o bônus de desempenho por exceder as metas de produção, alegando um excesso de produção alcançado no período de 2000 a 2003 na mina de ouro da empresa Morila SA, que produziu lucros milionários, apesar da previsão em acordo coletivo desse pagamento de bônus. Também tiveram outros direitos sociais desrespeitados e por tal razão entraram em greve, que foi considerada ilegal. A SOMADEX SA enviou então um aviso de demissão aos trabalhadores. Os Requerentes argumentaram que esta rescisão dos contratos foi abusiva e denunciaram as condições indignas de trabalho e descumprimentos, inclusive, de direitos que os trabalhadores obtiveram com uma sentença a seu favor em 2004. Ainda alegaram que alguns trabalhadores e representantes sindicais foram acusados injustamente de um incêndio criminoso de dois ônibus da SOMADEX e presos sem garantia de fiança. Alegaram que o Estado Demandado é cúmplice com a SOMADEX SA, sobre o não cumprimento de suas obrigações em relação aos direitos de seus ex-empregados.

Decisão da Corte:

A Corte reconheceu sua jurisdição temporal e territorial sobre o caso.

A Corte considerou que os demandantes não esgotaram os recursos da jurisdição interna. Consequentemente, concluiu que a denúncia não preenchia a condição de admissibilidade prevista no artigo 56 (5) da Carta, sem que seja necessário examinar as outras condições de admissibilidade, que são cumulativas.

Condenou cada parte a suportar suas próprias despesas processuais.

8. Caso “LAURENT MUNYANDILIKIRWA V. A REPÚBLICA DE RUANDA” – Sentença proferida em 02.12.2021 – Requerimento nº 023/2015

O Requerente afirma ser um advogado de direitos humanos de Ruanda e um ex-presidente da Liga Ruandesa para a Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (LIPRODHOR). Nesta qualidade, serviu na Liga de dezembro de 2011 até que foi retirado ilegalmente da organização em julho de 2013. Ele é representado pela Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH) e Robert F. Kennedy Human Rights (RFKHR). O requerente declara que a LIPRODHOR é uma organização de direitos humanos que tem monitorado e conduzido a advocacia em torno de questões de direitos humanos em Ruanda após o genocídio de 1994. Ao longo dos anos, várias formas de obstáculos administrativos, ameaças e prisões arbitrárias de seus dirigentes, com a interferência do governo de Ruanda que restringiu a capacidade da organização para realizar seu trabalho independente de direitos humanos.

O Requerente alega que Ruanda, ao interferir com os direitos do requerente e ao não prevenir e sancionar violações privadas dos direitos humanos, violou os artigos 1, 2, 3, 7, 9, 10, 11, 15 e 26 da Carta Africana de DH. Requer, seja restaurado imediata e totalmente a sua posição de liderança na LIPRODHOR antes de sua expulsão, para iniciar imediatamente uma investigação eficaz e imparcial sobre as ameaças e atos de intimidação contra o Requerente e o conselho legítimo, a fim de assegurar que os responsáveis sejam levados à justiça, requerendo reparações, incluindo indenização ao Requerente, ao conselho legítimo, incluindo danos materiais, por despesas com serviços psicológicos e sociais e condenar publicamente as ameaças e outras formas de intimidação contra defensores independentes dos direitos humanos e de liberdades fundamentais.

Decisão da Corte:

Inadmissibilidade, por falha do Requerente em cumprir o requisito de exaustão do sistema interno. Com dois votos dissidentes, porém. A Corte também destaca que uma mera tentativa de acesso judicial ordinário não é suficiente para atender ao requisito de esgotamento dos recursos nos termos da Regra 50 (2). No presente caso, uma vez que o pedido não cumpriu o requisito previsto no Artigo 56 (6) da Carta, a corte considera o pedido inadmissível.

9. Caso “KOUADIO KOBENA FORY V. REPÚBLICA DA COSTA DO MARFIM” – Sentença proferida em 02.12.2021 – Requerimento nº 034/2017

A Aplicação se deu em 08.nov.2017. O Requerente alega que o judiciário e a administração pública da Costa do Marfim violaram premeditadamente seus direitos e os de seus familiares. Elenca violações, conforme garantido no Artigo 3 (2) da Carta e Artigo 26 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (doravante denominado “ICCPR”); o direito à integridade física e moral, dignidade, respeito pela própria reputação e privacidade garantida nos termos dos Artigos 4, 5 e 16 da Carta; Artigos 8 (3), 10 (1) e 17 do PIDCP e Artigo 11 da Convenção contra a Tortura e outro tratamento ou punição cruel, desumano ou degradante (doravante denominado “CAT”); o direito à liberdade e segurança da pessoa, conforme garantido no artigo 6º do Carta; o direito a uma audiência e a um recurso nos termos do Artigo 7 (1) (a) (b) (c) e (d) da Carta e o Artigo 14 (3) e (5) do PIDCP; o direito à liberdade de associação, garantido pelo Artigo 10 da Carta; o direito ao trabalho e a uma remuneração adequada, conforme garantido no Artigo 13 (2), 15 e 28 da Carta e os artigos 6 (1) e 7 (1) (C) do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (doravante denominado o “PIDESC”); o direito de propriedade conforme garantido no Artigo 14 da Carta; o direito à proteção da família garantido nos artigos 18 (1), (2) e (3) da Carta e 10 (1) do PIDESC; o direito de não ser obrigado a testemunhar contra si mesmo nos termos do Artigo 14 (3) (g) do ICCPR; a obrigação do Estado de garantir a independência dos tribunais e de promover os direitos humanos e as liberdades garantidas nos termos dos artigos 2 e 26 da Carta. O Requerente pede à Corte a admissibilidade de seus pedidos e a declaração que as medidas de segurança solicitadas no requerimento são necessárias; o reconhecimento de todas as violações mencionadas e a condenação ao Estado Respondente nas reparações completas além da ordem que implementem as medidas corretivas solicitadas;

O Requerente pede ao Tribunal o reconhecimento que o Estado Respondente violou direitos fundamentais e de seus familiares, e condená-los com medidas pecuniárias e patrimoniais de forma a sanar e apagar totalmente as referidas violações e os danos sofridos como se nunca tivessem ocorrido. Em particular, solicitações de: que ele seja reintegrado em sua posição como Paymaster ou em uma posição semelhante na nota correspondente a vinte e dois (22) anos de carreira e será paga a soma de vinte milhões de dólares dos Estados Unidos ($ 20.000.000) como pagamentos atrasados e relacionados benefícios desde junho de 1996 até o dia de sua reintegração.

Decisão da Corte:

Reconhece a sua jurisdição e declara o Requerimento admissível, concluindo no mérito que o Estado Respondente violou o direito do Requerente a uma audiência dentro de um prazo razoável, conforme garantido no Artigo 7 (1) (d) da Carta; sobre reparações pecuniárias, considera que o pedido de reparação por dano relacionado ao direito ao trabalho, a remuneração e a propriedade são discutíveis. Rejeita o pedido de reembolso de despesas de viagem supostamente ocorrido por membros da família do Requerente para visitá-lo durante sua detenção. Ordena o Estado Respondente a pagar ao Requerente a quantia de quarenta e cinco milhões (45.000.000) de francos CFA, repartidos da seguinte forma:

a) Quarenta milhões (40.000.000) de francos CFA para o dano moral ele sofreu;

b) Dois milhões (2.000.000) de francos CFA como compensação para o dano moral sofrido pela esposa do Requerente;

c) Um milhão (1.000.000) de francos CFA para cada um dos três (3) filhos pelo dano moral que sofreram;

Sobre reparações imateriais, ordenou que o Estado Respondente publique este julgamento no site do Governo, do Ministério da Justiça e do Supremo Tribunal por pelo menos um (1) ano. Ordena que o Estado Demandado relate dentro de seis (6) meses a partir de a data da notificação desta Sentença sobre algumas dass medidas tomadas e posteriormente a cada seis (6) meses até que o Tribunal considere que a sentença foi totalmente implementada;

Decide que cada Parte suportará as suas próprias despesas.

Corte Europeia de Direitos Humanos

Ao longo do mês de dezembro de 2021, a Corte Europeia de Direitos Humanos julgou dois casos considerados impacto 1 na Grand Chamber, conforme os graus de importância estabelecidos pela própria Corte Europeia. Significa que se trata de um caso reconhecido como report ou key case. Trataremos dos casos destacados pela própria Corte.

1. Caso Abdi Ibrahim v. Noruega, n. 15.379/16 – Decisão Proferida em 10/12/2021

A requerente é natural da Somalia e imigrou para a Noruega em 2010, juntamente com seu filho que tinha menos de 1 ano de idade. A requerente alegou que foi privada da responsabilidade parental em relação a seu filho, que foi retirado de sua guarda pelo serviço de proteção à criança do país denunciando, tendo sido colocado em uma família adotiva de crenças religiosas diferentes da sua, o que teria acarretado violações Artigos 8º e 9º da Convenção, que correspondem ao direito ao respeito pela vida privada e familiar e ao direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, respectivamente. A requerente recorreu à instituição nacional de proteção à criança, bem como buscou o poder judiciário norueguês para reaver a guarda de seu filho, sem sucesso.

A Corte reconhece que houve uma interferência no direito ao exercício da privacidade na vida familiar da requerente, ao mesmo que verifica que a atuação das instituições de proteção à criança ocorreu conforme a legislação adequada, restando analisar se estas medidas eram necessárias em uma sociedade democrática para a prossecução de objetivos legítimos, inclusive se as autoridades domésticas consideraram devidamente os interesses do requerente protegidos pela liberdade do artigo 9. A Corte observa que os direitos da requerente nos termos do artigo 8 da Convenção, conforme interpretado à luz do artigo 9, poderiam ser cumpridos não apenas encontrando um lar adotivo que correspondesse à sua formação cultural e religiosa, uma vez que é consenso relativamente amplo no direito internacional de que as autoridades domésticas em circunstâncias como as do presente caso estão vinculadas por uma obrigação de meio, não de resultado, devendo ser buscado atender aos interesses da criança.

Por fim, a Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu, por unanimidade, que houve violação ao artigo 8 da Convenção, condenando o Estado denunciado ao pagamento de indenização por dano moral à vítima. Entretanto, a Corte decidiu, por 14 votos a 3, negar o pedido da requerente por justa satisfação.

2. Caso Savran vs. Dinamarca, n.57467/15 – Decisão Proferida em 07/12/2021

Esse caso versa sobre o artigo 3º e o 8º, aquele sobre a proibição da tortura e este sobre sobre o respeito à vida privada e privacidade. Trata-se da expulsão de um estrangeiro na Dinamarca com esquizofrenia para seu país de origem, Turquia, mesmo sem apresentar riscos a sua saúde ou à sociedade.

O requerente do caso, afirma que a sua mudança para a Turquia constituiu uma violação do artigo 3.º da Convenção, uma vez que não tinha uma possibilidade real de receber o tratamento psiquiátrico adequado e necessário, incluindo acompanhamento e supervisão, em relação à sua esquizofrenia paranóide, no país de destino. Ele também alegou que a implementação da ordem de expulsão violou o artigo 8º da Convenção. O pedido foi atribuído à Quarta Seção do Tribunal (Regra 52 § 1 do Regulamento do Tribunal). Em 20 de junho de 2017, o Governo foi notificado do pedido. Em 1 de outubro de 2019, uma Câmara da Quarta Seção, proferiu o seu julgamento. Declarou o pedido admissível e considerou, por quatro votos a três, que a expulsão do requerente para a Turquia daria origem a uma violação do artigo 3º da Convenção e que não era necessário examinar sua denúncia nos termos do artigo 8 da Convenção. Em 12 de janeiro de 2019, o governo solicitou que o caso fosse remetido à Grande Câmara, nos termos do artigo 43.º da Convenção, e o painel da Grande Câmara aceitou o pedido em 27 de janeiro de 2020. A autorização para intervir foi concedida aos governos da França, Alemanha, Holanda, Noruega, Rússia, Suíça e Reino Unido, e à Anistia Internacional e ao Centro de Pesquisa e Estudos sobre Direitos Fundamentais da Universidade de Paris Nanterre (CREDOF), e todos apresentaram comentários por escrito (Artigo 36 § 2 da Convenção e Regra 44 § 3). O Governo da Turquia não fez uso do seu direito de intervenção ao abrigo do artigo 36 § 1 da Convenção.

É importante ressaltar, que durante o julgamento, se fez uma análise nas leis da Dinamarca, e conclui que expulsar um estrangeiro sem os requisitos indicativos é contra lei e retalhar alguém que tem problemas de saúde mental também. Portanto, considerando a aplicação do artigo 22.º da Lei de Estrangeiros, os trabalhos preparatórios da Lei n. 429 de 10 de maio de 2006 que altera a Lei de Estrangeiros indica que a expulsão será inadequada nas circunstâncias mencionadas na seção 26 (1) da Lei se for contrária às obrigações internacionais, incluindo o artigo 8 da Convenção, em que se tem a expulsão do estrangeiro.

Considerando isso, foi concluído que houve uma violação do artigo 3.º da Convenção, além, é claro, de uma violação do artigo 8.º (tanto no que diz respeito ao direito ao respeito da vida privada como ao direito ao respeito pela vida familiar).  Tendo constatado a violação do artigo 3º e do artigo 8º, foi atribuído ao requerente uma indenização a título de dano moral a título de justa satisfação nos termos do artigo 41.º da Convenção. No entanto, como se trata de uma minoria, não é necessário que se determine a extensão do valor desse dano. A não atribuição de uma indenização por danos morais ao requerente pela violação dos seus direitos nos artigos 8.º e 3.º equivaleria, a tornar ilusória e fictícia a proteção desses direitos. E isso seria contrário à jurisprudência da Corte de que a proteção dos Direitos Humanos deve ser prática e efetiva e não teórica e ilusória.

Corte Interamericana de Direitos Humanos

Durante o mês de dezembro de 2021 e ao longo do ano, foram publicados alguns casos de mérito.

1. Caso Maidanik e os outros Vs. Uruguai – Sentença de 15.11.2021

Esse caso tem como contextualização a Ditadura militar no Uruguai, que permaneceu de 27 de junho de 1973, após um golpe, até 28 de fevereiro de 1985. Nesse período, graves violações de Direitos Humanos foram cometidas por parte dos agentes estatais. Eles incluíam a prática sistemática de detenções, torturas, execuções e desaparecimentos forçados realizados pela segurança e inteligência. Durante a ditadura, formas cotidianas foram implementadas na vigilância e controle da sociedade e, mais especificamente, na repressão de organizações políticas de esquerda.

Dado isso, em 15 de novembro de 2021, a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu uma sentença declarando a responsabilidade Internacional da República Oriental do Uruguai pelas violações de Direitos Humanos, em detrimento de Luis Eduardo González e Óscar Tassino Asteazu, que foram vítimas de desaparecimentos forçados durante a ditadura que o Uruguai sofreu entre 1973 e 1985, assim como seus familiares. Também determinou a responsabilidade internacional do Uruguai por violações de Direitos Humanos em detrimento dos familiares de Diana Maidanik, Silvia Reyes e Laura Raggio, que foram executados pelos militares ao mesmo tempo. Em particular, a Corte considerou que, em razão dos desaparecimentos forçados indicados, o Uruguai violou os direitos dos Srs. González e Tassino Asteazu, considerando os artigos 3, 4.1, 5.1, 5.2 e 7.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. 

O Estado também violou as obrigações de não praticar desaparecimentos forçados e de manter as pessoas detidas em locais de detenção oficialmente reconhecidos, exigidos pelos artigos 1º e 11º da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas. A Corte determinou que o Estado, devido à falta de ações investigativas adequadas de desaparecimentos forçados, direitos judiciais violados e proteção judicial, reconhecido nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em detrimento das duas vítimas desaparecidas e suas famílias. Em relação a isso, também o Uruguai descumpriu suas obrigações de punir os responsáveis pelo crime de desaparecimento, obrigados a tomar as medidas necessárias para tanto, estabelecidas no art. Artigos I.b) e I.d) da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoa.

Logo, se conclui que a corte, como decorre de sua jurisprudência constante, indicou que o desaparecimento forçado de pessoas é composto por três elementos concomitantes: a) privação de liberdade; b) a intervenção direta de agentes do Estado c) a recusa em reconhecer a prisão e revelar o destino ou paradeiro da pessoa interessado. É um ato contínuo ou permanente, que permanece enquanto o paradeiro da vítima seja conhecido ou seus restos sejam encontrados, e enquanto não for determinada sua identidade, é uma violação complexa e múltipla de Direitos Humanos, o que coloca a vítima em situação de completa indefesa e afeta, conjuntamente, os direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal. O desaparecimento forçado de pessoas é particularmente grave quando faz parte de um padrão sistemático ou é uma prática aplicada ou tolerada pelo Estado, concluindo que se teve a violação dos artigos 3, 4, 5, 7 e 8.

2. Caso Palacio Urrutia e outros vs Equador – Sentença 24.11.2021

Em 24 de novembro de 2021, a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu uma sentença em que declarou a responsabilidade internacional do Estado do Equador pelas violações de vários direitos em detrimento do jornalista Emilio Palacio Urrutia e dos diretores do jornal “El Universo”, Srs. Nicolás Pérez Lapentti, César Enrique Pérez Barriga e Carlos Eduardo Pérez Barriga. Em particular, o Tribunal concluiu que o artigo “NÃO à mentira”, publicado pelo Sr. Palácio Urrutia sobre fatos ocorridos no Equador em 30 de setembro de 2010, constituiu um artigo de opinião que se referiu a um assunto de interesse público, para o qual gozou de especial proteção em atenção à sua importância no debate democrático. Desta forma, advertiu que a sentença de condenação imposta pelo crime de “grave injúria contra a autoridade”, e a sanção civil imposta por ocasião da referida condenação, constitui violação da liberdade de expressão das vítimas do caso.

Os fatos ocorridos, durante o governo presidido pelo então presidente Rafael Correa Delgado, que ocupou a presidência do Equador de 15 de janeiro de 2007 a 24 de maio 2017, o jornal El Universo e seus jornalistas foram alvo de acusações formais e verbais por funcionários do governo, incluindo o então presidente. Essas acusações são realizadas no quadro daquilo que o então Presidente descreveu como uma resposta a vários anos de um ataque sistemático e organizado – entre outros grupos econômicos – por parte da empresa Compañía Anónima el Universo contra sua pessoa e seu governo. As acusações processuais foram realizadas por meio de ações judiciais contra o meio ou seus trabalhadores, e as acusações verbais foram feitas principalmente nas participações do então presidente no espaço de rádio e televisão do governo chamado “Enlace Ciudadano”.

A Corte levou em consideração os relatórios dos relatores da Comissão sobre liberdade de expressão Direitos Humanos Interamericanos e a Organização das Nações Unidas e advertiu que, no momento dos acontecimentos analisados, havia um contexto de confronto e conflito entre o então presidente e a imprensa crítica ao seu governo.

O artigo “NÃO à mentira” em 30 de setembro de 2010, teve como contextualização um protesto da polícia nacional do Equador, que  iniciou um protesto em seu quartel, o então presidente veio antes do regimento do quito, entretanto, a polícia não permitiu sua saída, resultando em um conflito da polícia e das forças especiais do exército, durante esses eventos, morreram algumas pessoas, por consequência, o Equador estava imerso em uma crise política que foi descrito como uma “clara tentativa de alterar a institucionalidade democrática” pelo governo do Equador perante a Organização dos Estados Americanos. Esses eventos resultaram em um interesse por parte da população, provocando diversas interpretações e reações na opinião pública no Equador. Nesse contexto, o Sr. Emilio Palacio Urrutia, publicou o artigo intitulado “NÃO à mentira”, no qual se pronunciou sobre os fatos mencionados acima, criticando a possibilidade de o então presidente Rafael Correa conceder indulto aos envolvidos nos eventos de 30 de setembro de 2010.

Isso resultou em uma denúncia por parte do governo em que declarava que Urrutia o realizou uma grave injúria caluniosa contra o Estado. Em 20 de julho de 2011, o Tribunal XV das Garantias Criminais de Guayas emitiu uma sentença condenando Urrutia, Pérez Lapentti e Pérez Barriga, a três anos de prisão e multa de doze dólares. Da mesma forma, foi determinado que eles deveriam pagar ao reclamante uma quantia de USD $ 30.000.000,00

Na conclusão, a Corte considerou que o Sr. Palácio Urrutia foi forçado a deixar o país e deixar o emprego por causa da condenação e outros fatos relacionados com o processo penal, que constituíram uma violação do seu direito à circulação e residência e sua estabilidade no emprego. Por outro lado, o Estado reconheceu sua responsabilidade pela violação dos direitos ao princípio da legalidade e não retroatividade, e às garantias judiciais e à proteção judicial. Consequentemente, o Tribunal concluiu que a Estado é responsável pela violação dos artigos 8, 9, 13, 22, 25 e 26 da Convenção Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante, “Convenção” ou “Convenção Americana”), em relação aos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento.

3. CASO PROFESSORES DE CHAÑARAL E OUTRAS MUNICIPALIDADES VS. CHILE – Sentença de 10.11.2021

Durante o contexto da ditadura chilena e da intervenção do governo na educação no sentido de uma municipalização da educação, muitos professores das municipalidades ficaram sem receber os subsídios devidos. Após a transição democrática do Chile, diversos processos foram ajuizados visando o pagamento destes subsídios, entretanto em nenhum dos processos foi possível o pagamento do valor total devido aos professores na data da prolação da Sentença. Neste Caso, foi analisada a ocorrência de violações ao direito à proteção judicial, ao tempo razoável do processo, e aos direitos adquiridos pelos professores beneficiados pelas sentenças favoráveis.

A Corte observou que, como parte das obrigações contidas no artigo 25 da Convenção, as autoridades públicas não podem obstruir o sentido e o alcance das decisões judiciais ou retardar indevidamente sua execução. A Corte também enfatizou que as vítimas do presente caso eram todas idosas. Com relação a essas pessoas, a Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, da qual o Chile é parte, reconhece o direito de acesso à justiça e estabelece o dever dos Estados de garantir a devida diligência e a devida diligência, tratamento preferencial para o processamento, resolução e execução de decisões em processos administrativos e judiciais. Também se verificou que, em todos os processos que compõe o caso, houve um decurso de 22 a 27 anos para o cumprimento integral das sentenças, ocorrendo uma demora exagerada para a garantia da proteção judicial.

Por fim, a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu que houve responsabilidade do Estado chileno pelas violações, bem como condenou o país ao pagamento de indenização por dano moral para as vítimas, pagar a totalidade dos valores ainda devidos para as vítimas, bem como criar e implementar um plano de formação e sensibilização dos operadores judiciários sobre o acesso à justiça para idosos.

4. CASO ALDEA LOS JOSEFINOS v. ESTADO DA GUATEMALA – Sentença de 21.12.2021

O caso está relacionado aos supostos fatos ocorridos em 29 e 30 de abril de 1982 em Aldea Los Josefinos, no Departamento de Petén, Guatemala, no contexto do conflito armado interno. Foi alegado que na manhã de 29 de abril de 1982, guerrilheiros armados entraram na Aldea de Los Josefinos, capturando e assassinando duas pessoas por suas supostas ligações com o exército. Depois de um confronto com os guerrilheiros, presumivelmente o exército guatemalteco teria sitiado a aldeia, não deixando saída para seus habitantes. Depois da meia-noite de 30 de abril de 1982, eles o invadiram. Relatam que membros do exército mataram pessoas de pelo menos cinco carros patrulha que estavam na rua, e então começaram a queimar as casas, massacrando seus habitantes, entrando nas casas para verificar se havia sobreviventes e assassinando aqueles que encontraram, incluindo homens, mulheres, crianças e meninas. Além disso, foi alegado que pelo menos três pessoas desapareceram durante o massacre, depois de serem vistas pela última vez sob custódia de policiais da segurança do Estado e que, até o momento, o Estado continua sem informar o paradeiro dessas pessoas. Alegou-se que o Estado, apesar de ter conhecimento dos fatos, não iniciou nenhuma investigação ex officio e que, até à data, após mais de 37 anos do ocorrido e 23 anos após a investigação das supostas vítimas, os eventos continuam impunes. Houve uma Resolução da Presidência da CorteIDH em 15 de dezembro de 2020, convocando o Estado da Guatemala e representantes da Comissão IDH para uma audiência pública que ocorreu em 17 e 18 de fevereiro de 2021, para o recebimento de alegações e ponderações finais orais.

Decisão da Corte:

O Estado da Guatemala foi condenado por desaparecimento forçado, deslocamento forçado e violação de direitos múltiplos pelo massacre na aldeia Los Josefinos em 1982. O ato, atribuído a unidades militares, deixou pelo menos 38 mortos, 14 desaparecidos e sete famílias deslocadas.

5. CASO DOS POVOS INDÍGENAS MAIAS KAQCHIKEL DE SUMPANGO E OUTROS VS. GUATEMALA – Sentença de 06.10.2021

Os povos indígenas Maya Kaqchikel de Sumpango, Achí de San Miguel Chicaj, Mam de Cajolá e Mam de Todos Santos Cuchumatán denunciaram discriminação e tratamento desigual a partir das normas de radiodifusão interna, que regula a matéria de forma discriminatória, relatando incursões e apreensões de equipamentos do Ixchel e “La Voz del Pueblo”, realizada com base no regulamento interno da Guatemala e por despacho judicial.

Decisão da Corte: 

Em 6 de outubro de 2021, a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu uma sentença pela qual declarou internacionalmente responsável a República da Guatemala pela violação dos direitos à liberdade de expressão, igualdade perante a lei e participação na vida cultural, em relação à obrigações de respeito e garantia sem discriminação e o dever de adotar disposições de direito interno, em relação aos povos indígenas Maya Kaqchikel de Sumpango, Achí de San Miguel Chicaj, Mam de Cajolá e Mam de Todos Santos Cuchumatán. A decisão considerou o marco regulatório referente à radiodifusão na Guatemala, especialmente a Lei General de Telecomunicaciones (doravante “LGT”). A Corte declarou o Estado responsável pela violação dos artigos 13, 24 e 26 da Convenção Americana, em relação aos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento. Também declarou o Estado responsável pela violação do artigo 13.2 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento.

O Estado é responsável pela violação dos artigos 3, 4.1, 5.1, 5.2 e 7.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos, em relação ao artigo 1.1 do referido instrumento e artigo I.a) da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, em relação aos Srs. José Álvaro López Mejía, Fabio González, Florenci Quej Bin, Rosendo García Sermeño, Félix Lux, Félix Salvatierra Morales, Andrea Castellanos Ceballos, Braulia Sarceño Cardona, Edelmira Girón Galbez e Paula Morales, nos termos dos parágrafos 68 a 75 da Sentença.

O Estado é responsável perante o Estado pela violação dos artigos 3, 4.1, 5.1, 5.2 e 7.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, bem como seu artigo 19, em relação ao artigo 1.1 do referido instrumento, artigo I.a) da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, em detrimento de Norma Morales Alonzo, Victoriano Salvatierra Morales, Antonio Santos Serech e Joselino García Sermeño, nos termos dos parágrafos 68 a 75 e 88 a 93 da Sentença.

O Estado é responsável pela violação do artigo 22 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação ao artigo 1.1 do referido instrumento, em prejuízo de María Fidelia QUEVEDO, Antonio Ajanel Ortiz. Alba Maritza López Mejía, Elidea Hernández Rodríguez, Sotero Chávez, Juana Leonidas García Castellanos, Zoila Reyes Pineda e seus núcleos familiares, nos termos dos parágrafos 76 a 83 da Sentença.

O Estado é responsável pela violação do artigo 17 da Convenção Americana de Direitos Humanos, em relação ao artigo 1.1 do referido instrumento, em prejuízo de Elvira Arévalo Sandoval e seus filhos Ernestina, Romelia e Rolando Hernández Arévalo, bem como em relação a Antonio Ajanel Ortiz e seu filho Carmelino Ajanel Ramos, nos termos dos parágrafos 84 a 87 da sentença.

O Estado é responsável pela violação do artigo 19 da Convenção Americana de Direitos Humanos, em relação ao artigo 1.1 do referido instrumento, em detrimento da Norma Morales Alonzo, Victoriano Salvatierra Morales, Antonio Santos Serech e Joselino García Sermeño, Rolando Hernández Arévalo e Carmelino Ajanel Ramos, nos termos dos parágrafos 88 a 93 da Sentença.

O Estado é responsável pela violação dos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos, em relação ao artigo 1.1 do referido instrumento, bem como o direito conhecer a veracidade dos fatos, em prejuízo das pessoas identificadas no Anexo III e no

Anexo VIII da Sentença, nos termos dos seus parágrafos 100 a 116. O Estado é responsável pela violação dos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos, em relação ao artigo 1.1, bem como o direito de saber a verdade dos fatos e o artigo I.b) da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas em detrimento das pessoas indicadas no Anexo VII da Sentença, nos termos dos parágrafos 100 a 116.

O Estado é responsável pela violação do artigo 5 da Convenção Americana de Direitos Humanos, em relação ao artigo 1.1, em detrimento das pessoas identificadas nos Anexos III, VII e VIII da Sentença, nos termos dos parágrafos 120 a 124.

Compreende a própria sentença como uma forma de reparação e determina que o Estado remova todos os obstáculos, de fato e de direito, que mantêm a impunidade neste caso, e determina que iniciará, prosseguirá, promoverá e/ou reabrirá as investigações necessárias para identificar, julgar e, se for o caso, punir os responsáveis pelas violações de direitos objeto do caso, nos termos dos parágrafos 143 e 144 da sentença.

Determina que o Estado elabore um plano detalhado e orgânico, definindo objetivos e metas específicas e definição de processos de avaliação periódica para a busca dos membros da Aldea Los Josefinos que desapareceram à força, bem como pela localização, exumação e identificação as pessoas alegadamente executadas e a determinação das causas da morte, nos termos dos parágrafos 148 a 150 da Sentença.

O Estado implementará as medidas necessárias para garantir, em coordenação com os representantes do caso, as condições adequadas para as pessoas que permanecem deslocadas possam regressar às suas comunidades de origem, se assim o desejarem, nos termos do parágrafo 153 da Sentença.

O Estado vai implementar uma medida para fortalecer o centro de saúde localizado na Aldea Los Josefinos disponibilizando recursos humanos permanentes e qualificados em matéria de atenção à saúde física, psicológica e odontológica, medicamentos e ambulâncias equipadas, nos termos do parágrafo 157 da Sentença.

O Estado deverá construir um monumento na área onde encontrado um cemitério clandestino, assim com a instalação de uma placa indicativa dos acontecimentos ocorridos em abril de 1982, nos termos do parágrafo 162 da Sentença.

O Estado fará um documentário audiovisual sobre o massacre ocorrido nos dias 28 e 29 de abril de 1982 na Aldea Los Josefinos, bem como o impacto que teve na comunidade até o presente momento, nos termos do parágrafo 163 da Sentença.

O Estado pagará as quantias estabelecidas nos parágrafos 174 e 182 da Sentença por conceito de indenização por danos materiais e imateriais, bem como o ressarcimento de custas e despesas, nos termos dos n.ºs 175 a 177 e 187 a 192.

O Estado reembolsará o Fundo de Assistência Jurídica às Vítimas da Corte Interamericana de Direitos Humanos o valor desembolsado durante a tramitação deste caso, nos termos dos parágrafos 186 e 192 da Sentença.

O Estado, no prazo de um ano a partir da notificação da Sentença, apresentará à Corte um relatório sobre as medidas adotadas para cumpri-la.

6. CASO CUYA LAVY E OUTROS VS. PERU – Sentença de 28.09.2021

O caso trata de uma série de violações cometidas no âmbito dos processos de avaliação e homologação a que dois juízes, um procurador e um procurador foram submetidos pelo Conselho Nacional da Magistratura, entre 2001 e 2002. As vítimas alegam que não foram autorizadas a conhecer com antecedência e em detalhes a acusação feita, nem tiveram tempo e meios adequados para sua defesa, bem como alegam que as resoluções de não ratificação não tinham qualquer motivação, o que afetava também o direito à honra e à dignidade e o direito a permanecer no cargo em condições de igualdade.

A Corte apontou que já foi estabelecido que a garantia de estabilidade e imobilidade no cargo, para juízes e promotores, implica: 1 – que a retirada de seus cargos deva se dar exclusivamente por causas permitidas, seja por meio de um processo que atenda garantias judiciais ou por terem cumprido o mandato; 2 – que juízes e promotores só podem ser destituídos ou destituídos por falta grave de disciplina ou incompetência; e 3 – que todos os processos devem ser resolvidos de acordo com os padrões estabelecidos de comportamento judicial e por meio de procedimentos justos que garantam objetividade e imparcialidade de acordo com a Constituição ou a lei. Além disso, sobre o dever de motivação, a Corte observa que, no presente caso, as resoluções de não ratificação emitidas pela CNM em relação às vítimas não cumpriram o dever de fundamentar as decisões, o que constitui uma violação das devidas garantias prescritas no artigo 8.1 da Convenção.

Por fim, a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu que houve repsonsabilidade do Estado peruano pelas violações contra o artigo 8 da Convenção Americana de Direitos Humanos e condenou o denunciado a pagar uma indenização por danos morais e materiais, publicar a sentença condenatória e, por fim, dentro de um prazo razoável, adequar seu ordenamento jurídico interno aos parâmetros estabelecidos na sentença.

7. CASO “FAMILIA JULIEN GRISONAS VS. ARGENTINA” – Sentença proferida em 23.09.2021.

A Corte condenou o estado argentino pelo desaparecimento forçado do casal Mario Roger Julien Cáceres e Victoria Lucía Grisonas Andrijauskaite, no contexto de uma operação policial e militar na realizada na residência da família Julien durante a ditadura militar argentina. Concluiu-se que o Sr. Mario havia sido assassinato durante a sua tentativa de fuga na operação e a Sra. Victoria foi detida e enviada ao centro clandestino de detenção e tortura, onde foi torturada e submetida a condições desumanas, não tendo a presente data sido encontrados os corpos ou restos mortais do casal. Os filhos de 4 e 1 nos foram contrabandeados para o Uruguai e finalmente foram abandonados no Chile, onde foram separados e depois adotados por uma família chilena.

A Corte entendeu basicamente que a Argentina violou os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, dos filhos do casal (Anatole e Victoria) em razão da demora injustificada para determinar os fatos ocorridos com o casal, bem como para qualificar como delito de desaparecimento forçado de pessoas e pela falta de investigação, inclusive a falta de ações concretas para a localização dos restos mortais do casal, julgamento e punição dos culpados. Para a Corte, violou-se também o direito de saber a verdade sobre o paradeiro e o destino dos restos mortais de sua mãe e pai biológicos.

A Corte reforçou o caráter jus cogens do desaparecimento forçado, reconhecido como grave violação de direitos humanos. Além disso, a Corte considerou o caráter permanente dos atos até que os restos mortais do casal sejam localizados. Com relação ao Sr. Julien, a Corte acrescentou que as ações do Estado foram “particularmente graves”, pois o Estado foi o principal responsável pelas violações dos direitos humanos que constituem na chama “prática” do “Terrorismo de Estado sistemático no nível interestadual”.

A Corte destacou a obrigação do Estado de investigar e punir os responsáveis em um prazo razoável e que o não reconhecimento por parte do estado do desaparecimento forçado teria impactado o julgamento e a punição dos culpados. Para a Corte, o Estado deve realizar todos os esforços para localizar as pessoas desaparecidas ou seus restos. Isso é extremamente importante para que a família sepulte seus familiares conforme suas crenças e encerre o processo de luto. Conforme a Corte, a Argentina não teria tomado todas as medidas necessárias e agido com a devida deligência nesse sentido.

A Corte Interamericana concluiu que a Argentina violou os artigos 3, 4.1, 5.1, 5.2 e 7.1 da CADH, em relação ao artigo 1.1 da CADH e o artigo I, alínea a), da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas; artigos 8.1 e 25.1 da CADH, em relação aos artigos 1.1 e 2 da CADH e as disposições dos artigos I, alínea b), e III da CIDFP, e o artigo 5.1 da CADH, em relação ao artigo 1.1 da CADH.

A Corte estabeleceu que a Sentença constitui, por si só, uma forma de reparação, determinando a obrigação de investigar em prazo razoável as circunstâncias do caso, buscando de forma séria e ráipda o paradeiro ou restos mortais do casal.

O estado deve arcar com os custos do tratamento psicológico ou psiquiátrico aos filhos do casal, com o reconhecimento de responsabilidade internacional em ato público, bem com a publicação integral da sentença e preparar, no prazo de dois anos, um documentário audiovisual sobre a graves violações de direitos humanos cometidas no período 1976-1983 e a coordenação interestadual no contexto da “Operação Cóndor”, incluindo os fatos do caso e as violações declaradas na Sentença.

Por fim, o Estado deverá pagar uma indenização por danos materiais e imateriais, bem como o pagamento de custas e gastos, e o reembolso do Fundo de Assistência Jurídica às Vítimas.

8. CASO LOS BUZOS MISKITOS (LEMOTH MORRIS E OUTROS) vs. HONDURAS – Sentença de 31.08.2021

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos indicou que o caso se relaciona a responsabilidade internacional do Estado por afetar múltiplos direitos de 42 mergulhadores misquitos e seus familiares, por omissão e indiferença do em relação ao problema da exploração laboral das empresas pesqueiras que realizavam suas atividades em condições perigosas. A Comissão declarou por unanimidade que o Estado é responsável pela violação de vários direitos, estabelecidas nos artigos 4.1, 5.1, 8.1, 19, 24, 25.1 e 26, em relação aos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento: direito a integridade pessoal de 34 mergulhadores miskitos que sofreram acidentes por causa das submersões profundas que realizavam, gerando a síndrome de descompressão; o direito a vida de 12 mergulhadores que faleceram depois dos acidentes; o direito a vida de 7 mergulhadores miskitos, assim que a embarcação em que estavam explodiu, assim como o desaparecimento de um garoto de 16 anos que também trabalhava na embarcação; violação do princípio de igualdade e não discriminação devido aos múltiplos fatores de vulnerabilidade dos mergulhadores; direito à integridade pessoal dos familiares das supostas vítimas. Acrescenta-se que a Comissão considerou que o Estado não dispõe de mecanismos administrativos, judiciais e outros para responder de forma adequada e efetiva às violações declaradas no Relatório de Mérito.

9. CASO BEDOYA LIMA E OUTRO VERSUS REPÚBLICA DA COLÔMBIA –Sentença de 26.08.2021

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos assinalou que o caso está relacionado a uma série de supostas violações de direitos humanos provenientes do sequestro, tortura e estupro da jornalista Jineth Bedoya Lima em virtude da sua profissão e da suposta falha do Estado em adotar medidas adequadas e oportunas para protegê-lo e prevenir a ocorrência de tais eventos. A Comissão solicitou que o Estado seja responsabilizado pela violação dos direitos estabelecidos nos artigos 4.1, 5.1, 5.2, 7, 8.1, 11, 13, 22, 24 e 25.1 da Convenção Americana em relação às obrigações estabelecidas no artigo 1.1 do mesmo instrumento, no que concerne a Sra. Bedoya. A Comissão concluiu que o Estado é responsável pela violação dos artigos 7.b da Convenção Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violência contra a Mulher (“Convenção de Belém do Pará”) e os artigos 1, 6 e 8 da a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (“a CIPST”), no que concerne a Sra. Bedoya. Por último, solicitou que o Estado seja declarado internacionalmente responsável pela violação do direito à integridade pessoal consagrado no artigo 5.1 da Convenção Americana, em conexão com o artigo 1.1 do referido instrumento, no que concerne a Sra. Luz Nelly Lima, mãe da Sra. Bedoya.

10. CASO VILLARROEL MERINO E OUTROS Vs. EQUADOR – Sentença de 24.08.2021 

Em 24 de agosto de 2021, a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu uma sentença pela qual declarou a responsabilidade do Estado do Equador, por: (i) violação da liberdade pessoal, o princípio da presunção de inocência e igualdade perante a lei, por falta de controle da detenção; falta de motivação para a decisão que ordenou a prisão e a falta de um recurso adequado e eficaz para controlar a legalidade da privação de liberdade, e (ii) violação das garantias judiciais de independência e imparcialidade, em relação às obrigações de respeitar e garantir os direitos e o dever de adotar disposições de direito interno, em detrimento do Jorge Humberto Villarroel Merino, Mario Romel Cevallos Moreno, Jorge Enrique Coloma Gaibor, Fernando Marcelo López Ortiz, Leoncio Amílcar Ascázubi Albán e Alfonso Patrício Vinueza Pánchez.

Isso porque, todas as vítimas eram oficiais da Polícia Nacional do Equador. A Controladoria Geral do Estado emitiu um relatório intitulado “Índices de responsabilidade criminal do exame especial de operações administrativas e demonstrações financeiras do Comando-Geral da Polícia Nacional”, no relatório, a existência de irregularidades nos processos contratuais para aquisição de peças de reposição da reparação automotiva e veicular realizada pelo Comando Geral do Polícia Nacional e concluiu-se que havia mérito para abrir uma investigação criminal pelo crime de peculato e de falsificação de instrumento particular, ambos do Código Penal. O relatório foi levado ao conhecimento do Ministério Público do Tribunal Justiça de Polícia Nacional em 28 de janeiro de 2002, que solicitou ao Presidente da CNJP que expedisse um “despacho inicial” do processo contra aqueles eles teriam autorizado as despesas e pagamentos das diferentes aquisições. Os senhores Villarroel Merino, Coloma Gaibor, López Ortiz, Ascázubi Albán e Vinueza Pánchez permaneceram privados de liberdade sob detenção firme por oito meses, entre 26 de maio de 2003 e 27 de janeiro de 2004.

A Corte considerou que para uma medida cautelar restritiva de liberdade não é arbitrário, é necessário que: i) sejam apresentados orçamentos de materiais relacionados com a existência de um ato ilícito e com a ligação do processado a esse feito; ii) a medida restritiva de liberdade cumpre os quatro elementos do “teste de proporcionalidade”, ou seja, com a finalidade da medida que deve ser legítima (compatível com a Convenção Americana), adequado para cumprir o propósito persegue, necessária e estritamente proporcional, e iii) a decisão que os impõe contém motivação suficiente para avaliar se atende às condições notado. Em relação ao primeiro elemento, o teste de proporcionalidade, ou seja, o objetivo da medida restritiva de liberdade, a Corte indicou que uma medida desta natureza só deve ser imposta quando for necessária para a satisfação de um fim legítimo, a saber que o acusado não impedirá o desenrolar do processo ou invadirá a ação da justiça. Da mesma forma, destacou que não se presume o perigo processual, em vez disso, deve ser verificado em cada caso, com base em objetiva e certas circunstâncias do caso concreto, e irá se basear nos artigos 7.3, 7.5 e 8.2 da Convenção.

11. CASO RIOS AVALOS E OUTRO VS. PARAGUAI – Sentença de 19.08.2021

O caso trata de uma série de violações no âmbito dos julgamentos políticos que culminaram na destituição das supostas vítimas Bonifacio Ríos Avalos e Carlos Fernández Gadea, de seus cargos de Ministros da Corte Suprema de Justiça do Paraguai em 2003. As vítimas alegam que houve uma violação ao direito a uma autoridade competente por meio de procedimentos previamente estabelecidos, bem como ao direito a um juiz imparcial, alegando-se violações aos princípios da independência judicial, da legalidade e do direito a decisões devidamente fundamentadas.

Em análise sobre as alegadas violações das garantias necessárias para salvaguardar a independência judicial no processo de impeachment e a consequente decisão de destituir as vítimas de seus cargos, a Corte observou que foram desrespeitadas as garantias judiciais relacionadas com a independência judicial, principalmente no tocante a contar com uma autoridade judicial imparcial, o que culminou na responasbildiade do Estado denunciado pela violação ao artigo 8 da Convenção Americana de Direitos Humanos, em prejuízo de todas as vítimas do presente caso.

Portanto, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, por unanimidade, condenou o Paraguai pelas violações cometidas, condenando o Estado a pagar indenizações às vítimas por danos materiais e morais, a realizar a reincorporação das vítimas em cargos adequados, bem como a publicar a sentença.

12. Caso “CASO VICKY HERNÁNDEZ Y OTRAS VS. HONDURAS” – Sentença Proferida em 26.03.2021.

A Corte responsabilizou o Estado de Honduras pela pela violação do direito à vida e à integridade pessoal (artigos 4 e 5 da Convenção Americana) de Vicky Hernández, mulher trans, vivendo com HIV, trabalhadora do sexo e defensora dos direitos das mulheres trans em Honduras. Os fatos do caso ocorreram em um contexto de violência e discriminação contra pessoas LGTBI, com a participação de policiais em episódios de violência. Na noite de 28 de junho de 2009, em que foi decretado o toque de recolher, Vicky Hernández estava com dois companheiros na rua, quando uma patrulha policial tentou prendê-los. As três mulheres fugiram e desapareceram. No dia seguinte, agentes da Direção Nacional de Investigação Criminal receberam uma informação sobre a descoberta do corpo de Vicky Hernández, com perfuração compatível com o uso de arma de fogo. As autoridades realizaram algumas investigações que até o presente momento não chegaram a resultados concretos, sem que os responsáveis tenham sido punidos.

Basicamente, a Corte entendeu que o Estado não pode agir de forma discriminatória e que as pessoas LGBTI têm sido historicamente vítimas de discriminação estrutural, estigmatização, várias formas de violência e violações aos seus direitos fundamentais, reconhecendo a especial vulnerabilidade da requerente.

Entendeu ainda que a orientação sexual, identidade de gênero ou expressão de gênero da pessoa estão protegidas pela CADH. Para a Corte, há um fim simbólico na violência contra pessoas LGBTI de passar uma “mensagem de exclusão ou subordinação”.

Contexto de violência contra mulheres trans em Honduras e os indícios de ter sido cometida por agentes do estado, chamam a atenção para a forte presença militar e policial nas ruas (em razão do golpe, conforme esclarece a Corte), para o contexto de violência geral contra pessoas LGTBI em Honduras e, em particular, mulheres trans que também são profissionais do sexo, a impunidade a respeito da violência contra mulheres trans, e investigações inadequadas para esclarecer o caso e responsabilizar os culpados.

A Corte condenou o Estado a publicar a sentença, investigar e condenar os responsáveis pela morte de Vicky Hernández;  realizar um ato público de reconhecimento da responsabilidade internacional; conceder uma bolsa de estudos a sobrinha de Vicky Hernández; fazer um documentário audiovisual sobre a situação de discriminação e violência vivida pelas mulheres trans em Honduras;  criar uma bolsa educacional “Vicky Hernández” para mulheres trans;  criar e implementar um plano de formação permanente para agentes das forças de segurança do Estado;  adotar procedimento de reconhecimento da identidade de gênero, com relação aos documentos de identidade e registros públicos;  adoção de protocolo de investigação de casos de LGBTI vítimas de violência; criar e implementar um sistema de coleta de dados e números relacionados a casos de violência contra pessoas LGBTI, e  o pagamento de valores de compensação e custos e despesas.

13. Caso “GUACHALÁ CHIMBO E OUTROS V. EQUADOR” – Sentença proferida em 26.03.2021.

a Corte responsabilizou o estado do Equador pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, da vida, da integridade pessoal, da liberdade pessoal, dignidade, privacidade, acesso à informação, igualdade e saúde, em relação à obrigações de respeitar e garantir direitos sem discriminação e o dever de adotar disposições de direito interno em prejuízo de Guachalá Chimbo, direito a recurso efetivo, às garantias judiciais e à proteção judicial de Guachalá Chimbo e familiares e direito à integridade pessoal e ao conhecimento da verdade em relação aos parentes da vítima.

Sr. Luis Eduardo Guachalá Chimbo foi internado no hospital psiquiátrico público em razão da epilepsia de que sofria desde a infância. Ao receber alta, foi informado de que deveria retornar aos exames médicos e continuar com seu tratamento, o que não foi possível por causa de sua situação econômica. Como resultado, a condição do Sr. Guachalá Chimbo piorou. Foi novamente internado no mesmo hospital, dois dias depois a mãe da vítima não encontrou seu filho no quarto e recebeu informações contraditórias da equipe do hospital. Por telefone, entrou em contato com o hospital nos dias que se sucederam e que a teriam informado sobre uma queda sofrida pelo filho e sobre a prescrição médica indicada. Oito dias depois da internação, a mãe retornou ao hospital e lhe foi informado que no dia anterior, a enfermeira responsável o teria levado para a sala de televisão e o deixara lá para fazer outro atendimento e que ao retornar ele não estava mais lá. A enfermeira iniciou as buscas do paciente, mas não informou os seguranças do hospital. Buscas foram realizadas pelo hospital, sem êxito e também por autoridades do estado.

A Corte ressaltou que a CADH proibe qualquer ato ou prática discriminatória baseada em deficiência real ou percebida da pessoa e que a deficiência não é definida exclusivamente pela existência de uma deficiência física, mental ou intelectual ou sensorial, mas pelas barreiras ou limitações que podem existir e prejudicar o exercício de direitos de uma pessoa.

A Corte chamou a atenção para o fato de que a vítima não deu seu consentimento informado a respeito da internação e tratamento que seria uma negação a sua autonomia e sua capacidade de tomar decisões. E, ao mesmo tempo, à mãe da vítima foi negada a informação sobre odiagnóstico, tratamento e riscos. A Corte reconheceu o estado de vulnerabilidade de Guachalá Chimbo, em razão da doença e da extrema pobreza e que a falta de tratamento e acompanhamento médico adequados e acesso à remedios contribuíram para a deterioração da saúde de Guachalá Chimbo. Concluindo a Corte que o tratamento recebido no hospital psiquiátrico público não fora de qualidade, comprometendo a vida, saúde e integridade da vítima.

A Corte condenou o Estado a  investigar e punir todos os responsáveis; determinar o paradeiro da vítima; conceder aos familiares o pagamento para despesas de tratamento psicológicos e/ou psiquiátricos, bem como por medicamentos e outras despesas relacionadas; d) Se o Sr. Guachalá Chimbo for encontrado vivo, fornecer-lhe gratuitamente, e de forma imediata, oportuna, adequada e eficaz, tratamento médico e psicológico e/ou psiquiátrico; a publicação da Sentença; realizar ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional; prestar apoio às pessoas com deficiência para que possam dar seu consentimento informado para tratamento médico; criar e implementar um curso de treinamento sobre consentimento informado e a obrigação de fornecer apoio a pessoas com deficiência destinado ao pessoal médico e de saúde do Hospital Júlio Endara; publicar uma cartilha sobre os direitos das pessoas com deficiência ao receber cuidados médicos, com indicação específica à autorização prévia, gratuita, completa e informada; fazer um vídeo informativo sobre os direitos das pessoas com deficiência ao receber cuidados médicos, bem como as obrigações do pessoal médico na prestação de cuidados a pessoas com deficiência e consentimento prévio e informado, desenvolver um protocolo de atuação em casos de desaparecimentos de pessoas internadas em centros públicos de saúde; pagamento de compensação por dano material e imaterial e o pagamento de determinados custos e despesas, e reembolsar o Fundo de Assistência Jurídica às Vítimas da Corte Interamericana de Direitos Humanos.