Cortes Regionais de Direitos Humanos | Maio 2021

Corte Africana de Direitos Humanos

Durante o mês de maio de 2021, a Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos proferiu apenas uma decisão, sem análise de mérito.

1. CASO “SEIF SHARIF HAMAD e OUTROS 6 v. REPÚBLICA UNIDA DA TANZÂNIA”, n. 046/2020 – Decisão proferida em 04.05.2021

Trata-se de uma demanda movida por cidadãos da Tanzânia, a maioria membros de um partido político, incluindo o candidato à Presidência de Zanzibar (arquipélago na Tanzânia), o Sr. “Seif Sharif Hamad”.
A Tanzânia aceitava a jurisdição da Corte Africana de Direitos Humanos para analisar casos movidos por indivíduos ou organizações não governamentais em face de tal país desde 29 de março de 2010, porém em 21 de novembro de 2019 depositou pedido na Corte para cancelar tal jurisdição sobre o país, o que passou a valer 1 (um) ano depois, em 22 de novembro de 2020- o que não teria eficácia para casos pendentes de julgamento ou que fossem ajuizados até tal data (22/11/2020). Como o presente caso foi levado à Corte em 20 de novembro de 2020, ainda poderia ser analisado. 
Alegam os demandantes que, em 21 de julho de 2020, a Comissão Nacional de Eleições da Tanzânia (NEC) e a Comissão Eleitoral de Zanzibar (ZEC), que organizam e supervisionam a condução das eleições na Tanzânia continental e em Zanzibar, respectivamente, definiram que as eleições locais, parlamentares e presidenciais seriam realizadas em 28 de outubro de 2020.
Porém, segundo os requerentes, antes, durante e imediatamente após as eleições, o governo da Tanzânia, mediante agentes (quais sejam, os referidos NEC e ZEC, bem como a Força Policial da Tanzânia, o Serviço de Inteligência e Segurança da Tanzânia, a Força de Defesa do Povo da Tanzânia, a Corporação de Transmissão da Tanzânia, e ainda, o Ministério da Informação, Cultura, Artes e Esportes, o Ministério da Administração Regional e Governo Local, e as Forças Especiais), esteve envolvido em vários atos que violaram os direitos dos Requerentes de participarem das eleições.
Dessa forma, segundo os Requerentes, teria o governo da Tanzânia violado os artigos 1º, 2º, 3º (parágrafos 1º e 2º) e 13º (parágrafos 1º e 2º) da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos ; bem como os artigos 2º (parágrafo 1º, alíneas a e b) e 9º (parágrafo 1º, alíneas a e b) do Protocolo  de Maputo , e ainda, os artigos 2 º (parágrafo 3º, alíneas a e c), 3º e 25º (alíneas a, b e c) do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos .
Ocorre que o “primeiro” requerente (senhor “Seif Sharif Hamad”) veio a falecer em 17 de fevereiro de 2021 (vítima de complicações da COVID-19). Em 24 de março de 2021, a Corte questionou os demais requerentes como eles queriam proceder com a demanda ante o óbito do primeiro requerente. Em 1º de abril de 2021, os demais requerentes informaram à Corte que pretendiam continuar com a demanda, e solicitaram que o nome do senhor “Seif Sharif Hamad” fosse excluído do caso.
Com base no artigo 90 do Regimento do Tribunal, que dispõe que “nada nestas Regras limitará ou afetará de outra forma o poder inerente do Tribunal de adotar tal procedimento ou decisões que possam ser necessárias para atender aos fins da justiça”, e tendo em vista que todos os demais requerentes se posicionaram pela manutenção da demanda e que o nome do senhor “Seif Sharif Hamad” fosse excluído do caso, entendeu assim o Tribunal pela possibilidade de julgamento do caso, e que fosse excluído o nome do primeiro requerente. Apontou ainda o Tribunal que isso não afetará adversamente os direitos processuais ou substantivos do Estado demandado.
Dessa forma, mediante a decisão em comento (proferida em 04.05.2021), e sem fazer qualquer análise de mérito do caso, o Tribunal: i) toma nota do fato de que “Seif Sharif Hamad”, que faleceu, não pode mais ser parte desta demanda; ii) conclui que a apreciação do Requerimento nº 046/2020 não será afetada pela eliminação do nome de “Seif Sharif Hamad” da lista de requerentes e iii) determina que o título da demanda, ou seja, “Seif Sharif Hamad e Outros 6 v. República Unida da Tanzânia” seja substituído por “ Ado Shaibu e outros 5  v. República Unida da Tanzânia”.

Corte Europeia de Direitos Humanos

Ao longo do mês de maio de 2021, a Corte Europeia de Direitos Humanos julgou três casos considerados de impacto 1 na Grand Chamber, conforme os graus de importância estabelecidos pela própria Corte Europeia. Significa que se trata de um case report ou key case. Trataremos dos casos destacados pela própria Corte. 

1. Caso Xero Flor v. Polônia n. 4907/18 – Decisão proferida em 07/05/2021

A requerente é uma sociedade de responsabilidade limitada que alega que teve recurso à Corte Constitucional indeferido de forma indevida, pois um dos juízes teria sido eleito para a Corte Constitucional sem a devida observância da lei doméstica, o que teria interferido diretamente na recusa inadequada de recurso constitucional interposto pela requerida no curso de ação judicial de natureza cível. Tendo em vista as supostas irregularidades na eleição de juíz para a Corte Constitucional do Estado Requerido, a sociedade requerente alega ter sofrido violação ao direito a um julgamento justo, especificamente em relação ao direito a um tribunal estabelecido pela lei, previsto pelo artigo 6, parágrafo 1º da Convenção Europeia de Direitos Humanos.
A Corte visou a analisar se as irregularidades encontradas no procedimento da eleição judicial tiveram efeito em restringir o direito da requerente a um tribunal estabelecido pela lei. Para tanto, a Corte verificou a ocorrência das violações alegadas através de um teste em três etapas: i – se houve uma violação manifesta do direito interno; ii – se as violações do direito interno dizem respeito a uma regra fundamental do procedimento de nomeação de juízes; iii – se as alegações sobre o direito a um “tribunal estabelecido por lei” foram efetivamente revisadas pelos tribunais internos, e se os recursos foram fornecidos.
Neste sentido, a Corte verificou que houve manifesta violação à lei interna, em tal gravidade que afetou a legitimidade do procedimento de constituição do referido tribunal constitucional, sem qualquer procedimento a fim de revisar eventuais defeitos na eleição. Como resultado, a Corte reconheceu, por unanimidade, a responsabilidade do Estado recorrido pela violação ao direito a um julgamento justo, em decorrência de recusa ao processamento de recurso constitucional baseado em justificativa insuficiente. A Corte indeferiu o pedido de condenação por danos materiais. Não houve pedido de condenação por danos morais.

2. Caso Centrum för rättvisa v. Suécia n. 35252/08 – Decisão proferida em 25/05/2021

A requerente é uma Organização Não Governamental com sede em Estocolmo, na Suécia, que representa clientes em procedimentos sobre direitos e liberdades individuais previstos pela Convenção Europeia de Direitos Humanos ou outros procedimentos relacionados previstos pela lei sueca. A organização requerente afirma que existe um risco de que as suas comunicações com clientes, organizações e empresas tenham sido ou serão interceptadas e examinadas por sinais de inteligência, em alegada violação ao artigo 8 da Convenção – direito e respeito pela vida privada e familiar – em decorrência das interceptações em massa de comunicações supostamente praticadas pelo Governo da Suécia. Não houve procedimentos perante a justiça nacional, alegando a requerente que não existem meios legais para estas violações.
A Corte considera que a interceptação em massa de comunicações transfronteiriças por serviços de inteligência é um processo gradual que pode configurar violação ao artigo 8 em nível elevado, se realizada sem justificativa. Ou seja, a Corte reconhece a existência de interferência, passando a analisar a existência de justificativa para a utilização de sinais de inteligência no caso. Para tanto, a Corte analisou a legislação sueca sobre utilização permitida de sinais de inteligência para interceptação de comunicações e concluiu que, apesar de reconhecer a importância da interceptação de comunicações pelos Estados para detectar ameaças à sua segurança nacional, identificou três falhas na legislação do país requerido: a ausência de uma regra clara sobre a destruição de material interceptado que não contenha dados pessoais; a ausência de uma exigência legal para que, ao tomar uma decisão de transmitir material de inteligência a parceiros estrangeiros, deve-se levar em consideração os interesses de privacidade dos indivíduos; ausência de uma revisão ex post facto eficaz.
Em decorrência destas falhas encontradas na legislação sobre a utilização de interceptação de comunicações, a Corte decidiu, por 15 votos a 2, que o país requerido incorreu em violação à privacidade pessoal, segundo o artigo 8 da Convenção Europeia de Direitos Humanos. A requerente afirmou que a constatação de uma violação constituiria reparação suficiente, o que foi consentido pelo Estado demandado. Por fim, a Corte demandou que o Governo sueco ressarcisse a requerente pelas custas do processo.

3. Caso “Big Brother” e outros Vs. Reino Unido n. 58170/13, 62322/14, 24960/15- Decisão proferida em 25 de maio de 2021. 

Este caso trata-se de uma violação da privacidade através de aplicativos e esquemas de vigilância pela internet, para a coleta de dados pessoais de usuários nas redes sociais e demais plataformas. Esse caso teve sua origem em três processos contra o Reino Unido, incluindo a Grã Bretanha e a Irlanda do Norte. 
Basicamente, a corte considerou a preliminar indeferida do Art 34, para pedidos individuais e concluiu que os artigos violados foram:  o artigo 8, que se refere a respeito ao Direito pela vida privada e familiar, e dentro do artigo 8, especificamente se ressaltou o 8.1 (Respeito pela vida privada). Além disso, o artigo 10 também foi violado, o mesmo declara sobre a liberdade de expressão, visto que o crime foi a violação de dados pessoais.

Corte Interamericana de Direitos Humanos

Durante o mês de maio de 2021, a Corte Interamericana de Direitos Humanos não proferiu nenhum julgamento de mérito. Também não foram emitidas decisões de medidas provisórias e tampouco resoluções de supervisão de sentenças. No entanto, foram emitidas quatro resoluções sobre provas e audiências nos casos González e outros Vs. Venezuela (7/05/2021), Extrabajadores del Organismo Judicial Vs. Guatemala (12/05/2021) e Federación Nacional de Trabajadores Marítimos y Portuarios (FEMAPOR) Vs. Perú (20/05/2021 e 31/05/2021)

1. Caso González e outros Vs. Venezuela – Resolução proferida em 07/05/2021 

No mês de maio de 2021, a Corte Interamericana de Direitos Humanos promoveu o julgamento processual relativo ao caso Castillo González e outros vs Venezuela. Tal caso foi peticionado a Comissão Interamericana pelo Vicariato Episcopal de Direitos Humanos de Caracas e o Centro por Justiça e o Direito Internacional, refere-se ao fato de que o requerente advogado Joe Luis Castillo González foi vítima de um atentado a sua vida e da sua família, sua esposa e pedagoga Yelitze Lisbeth Moreno Cova e seu filho Luis César Castillo Moreno, no entanto apenas Castillo González faleceu e sua família foi ferida.  Até o momento as autoridades não sabem quem foi o responsável desse atentado e as investigações foram realizadas com consideradas irregulares, com indício de participação de agentes estatais e arquivadas pelo Ministério Público.
Em tal caso foi defendido como uma questão de ordem pública uma vez que os defensores dos direitos humanos sofrem violências e atentados como sofrido por Castillo González. Vale ressalta que ele desempenhou uma função como Coordenador Geral da Oficina de Ação Social e Direitos Humanos do Vicariato Apostólico de Machiques, portanto, trabalhando na zona de fronteira entre Venezuela e Colômbia com povos indígenas e refugiados com apoio legal tanto aos indivíduos em recuperação quanto às vítimas de conflitos colombianos, e sua esposa foi coordenadora do Departamento de Investigação, Comunicação e Promoção de Direitos Humanos nessa mesma instituição.
Em 7 de maio de 2021, a Corte se pronunciou sobre a solicitação de revogação da decisão de receber declarações por videoconferência e vídeo-gravação, e de não receber as declarantes periciais Sr. Nelson Orlando Mejía Durán e Sra. Lucrecia Hernández oferecidas para o Estado em sua contestação.  A Corte Interamericana de Direitos Humanos (artigo 25.2 do Estatuto da Corte Interamericana de Direitos Humanos e o artigo 31.2 do Regulamento) decide negar o recurso apresentado pela Venezuela contra a resolução da Presidenta da Corte Interamericana de Direitos Humanos fundamentados pelos artigos 11 a 18, 22 e 23, confirmando a resolução de que deve ser realizadas tanto as declarações por videoconferência e uma vídeo-gravação, quanto desistir do não aceite das declarações periciais, seguindo instruções do regulamento de como proceder com tais procedimentos. E por fim, tais resoluções devem ser notificadas pela Secretaria da Corte Interamericana de Direitos Humanos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, aos representantes das vítimas nesse processo e à República      Bolivariana da Venezuela.

2. Caso Ex-trabajadores del Organismo Judicial Vs. Guatemala – Resolução proferida em 12/05/2021 

Data da submissão:  07.09.2000, petição apresentada pelo “Centro para Acción Legal en Derechos Humanos (CALDH)”
Data do julgamento: em 12.05.2021, determinação de audiência pública 
Partes da disputa: Freddy Eduardo Ávila Rodríguez, Floricelda Hernández Guerra, Lorenzo David Cupul Luna, Edgar Arnoldo Luarca Domínguez, Miguel Ángel Gonzalez Sánchez, René Alberto López López, Orlan Manuel Morales Pineda, Dora Carolina Portillo, Armando Moisés Ríos de León, Edwin Remigio Tecún García, Alba Ninet Letona Figueroa, Vilma Leticia Barrios, Carmen de Jesús López Asetun y Sergio Eduardo Soto Godoy. Gabriel Estuardo Girón Garay, Luis Eduardo Benítez, Minor Rolando Reynoso Mas, Ramón Aristides Salazar Gálvez, Gustavo Adolfo Cheves Luna, Mirian Iliana Ovando Gil de Gutiérrez, Carlos Enrique Guerra Valiente, Oscar Basilio Padilla Méndez, Oscar Leonel Castañeda Vaides y Gerardo López Garcí
Resumo da controvérsia: Alegação de responsabilidade internacional da República da Guatemala em prejuízo de ex-trabalhadores do Organismo Judicial por sua suposta demissão decorrente do exercício do direito de greve.

3. CASO “Federación Nacional de Trabajadores Marítimos y Portuarios (Femapor) Vs Perú” – Resoluções proferida em 20.05.2021 e 31.05.2021

Trata-se de demanda envolvendo discussão sobre remuneração de ex- trabalhadores marítimos e portuários do Peru. O caso está relacionado com suposta violação do direito à proteção judicial em razão de descumprimento de decisão da Suprema Corte do Peru, que teria estabelecido a forma correta de calcular benefício adicional da remuneração de 4.106 ex-trabalhadores marítimos, portuários e fluviais.  Alegam os demandantes que o decurso de mais de 25 anos sem a execução plena da sentença da Suprema Corte de 12 de fevereiro de 1992 superaria o que pode ser considerado razoável. Da mesma forma, argumentam que o Estado é responsável pela violação do direito à propriedade privada dos beneficiários da mencionada sentença.
A resolução do dia 20/05/2021, emitida pela Presidência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, está relacionada a questões probatórias. Por meio da referida resolução, a Presidência, em conformidade com os artigos 24.1 e 25.2 do Estatuto da Corte e os artigos 4, 15, 26.1, 31.2, 35.1, 40.2, 41.1, 45, 46, 50 a 56 e 60 do Regulamento da Corte, em resumo: 1) determinou que em razão da pandemia do Covid-19, a audiência pública sobre exceções preliminares e eventuais questões de mérito, reparações e custas, seria realizada de maneira VIRTUAL entre os dias 7 e 8 de junho de 2021; 2) determinou que, em atenção aos princípios da economia e da celeridade processual, seria possível utilizar como prova emprestada, e em caráter documental, a perícia realizada pelo senhor “Christian Courtis” no caso Muelle Flores Vs. Perú, que apresentava similitude fática e jurídica com o presente caso, devendo as partes, após a juntada, se manifestar sobre tal prova emprestada; 3) estabeleceu as testemunhas e os peritos (todos solicitados pelo Estado demandado) que prestariam depoimento na audiência pública designada e os que, em atinência ao princípio da celeridade processual, prestariam depoimento perante tabelião público, e ainda, fixou os prazos para apresentação das declarações destes depoentes (testemunhas e peritos) e eventuais questionamentos das partes; 4) estabeleceu que as partes, após o término das declarações das testemunhas e dos peritos na audiência pública, poderão apresentar alegações finais orais, podendo também apresentar de forma escrita (até 8 de julho de 2021).
No dia 31/05/2021, a Presidência emitiu uma nova resolução, complementando a resolução do dia 20/05, acatando pedido do Estado do Peru de que um dos peritos que prestaria depoimento perante tabelião público na verdade preste o depoimento na audiência pública (senhor “Ernesto Alonso Aguinaga Meza”), e que, em compensação e em observância ao princípio da economia processual, uma das testemunhas que prestaria depoimento na audiência preste então perante tabelião público (senhor “Edmundo Villacorta Ramírez”). A Presidência da Corte acatou tal pedido em contrariedade ao posicionamento dos Autores e da própria Comissão, destacando que dispõe de amplos poderes no que diz respeito à admissão, forma de recebimento e valoração das provas, de acordo com os artigos 46, 48, 49, 50, 57 e 58 do Regulamento, levando sempre em consideração o princípio da economia processual, o equilíbrio processual e o direito de defesa. A Presidência ressaltou ainda a importância que representa a perícia do Sr. Ernesto Alonso Aguinaga Meza para a parte que propôs, bem como o fato que o Estado já havia indicado uma ordem de prioridade (“rol”) no qual o especialista “Aguinaga Meza” possuía destaque.