Núcleo de Estudos em Tribunais Internacionais
Faculdade de Direito
Universidade de São Paulo
Largo de São Francisco, 95
Sé – São Paulo, SP
01006-020
Cortes Regionais de Direitos Humanos | Março 2021
Corte Africana de Direitos Humanos

Durante o mês de março de 2021, a Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos promoveu um julgamento de mérito e sete decisões, sendo cinco decisões de medidas provisórias, uma ordem de reabertura de pedidos e uma ordem para junção de casos, além do recebimento de cinco novos casos.
Julgamento de mérito: o único julgamento de mérito realizado pela Corte durante o mês de março foi o caso 065/2019 – Sébastien Germain Marie Aikoué Ajavon v. República do Benin.
O requerente é originário do Benin, residindo em Paris como refugiado político, e alega ser vítima de violações de direitos humanos que resultaram da falha em executar decisões emitidas pela própria Corte Africana, pois em um caso anterior contra o referido país, a Corte emitiu decisões favoráveis ao requerente (julgamento de mérito e reparações), que não foram cumpridas. O motivo das violações reconhecidas em julgamento anterior foi a condenação do requerente em tribunal doméstico voltado para a repressão de terrorismo e crimes econômicos, o que levou ao refúgio do particular na França. No julgamento anterior, a Corte decidiu pela anulação do referido processo em âmbito doméstico,
A Corte decidiu que houve violação ao artigo 30 da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos pelo não cumprimento de medidas impostas pela própria Corte, tanto em sede de decisões de medidas provisórias, quanto em julgamento de mérito. Portanto, a Corte ordenou que a República do Benin remova todos os obstáculos ao cumprimento das decisões de mérito, o que levaria a anulação do julgamento realizado pelo Poder Judiciário nacional, que foi objeto do caso anterior na Corte Africana.
Decisões: As cinco decisões de medidas provisórias foram: caso 032/2020 Houngue Eric Noudehouenou v. República do Benin (29/03/2021), caso 047/2020 Adama Diarra v. República do Mali (29/03/2021), caso 002/2021 – Sébastien Germain Marie Aikoué Ajavon v. República do Benin (29/03/2021), caso 028/2020 – Houngue Eric Noudehouenou v. República do Benin (29/03/2021) e caso 027/2020 – Sébastien Germain Marie Aikoué Ajavon v. República do Benin (29/03/2021). A decisão para reabertura de pedidos foi o caso 030/2017 Almas Mohamed Muwinda e outros v. República Unida da Tanzânia (05/03/2021). A decisão para junção de casos visou a discutir sobre a reunião dos casos: 040/2020 – Abdul Omary Nondo v. República Unida da Tanzânia e caso 043/2020 – Deusdedit Valentine Rweyemamu e Paul Revocatus Kaunda v. República Unida da Tanzânia (30/03/2021).
1. Almas Mohamed Muwinda e outros v. República Unida da Tanzânia: trata-se de um caso composto por 59 particulares alegando violação ao direito de receber pagamentos mensais como forma de reparação após o governo da Tanzânia dissolver uma empresa pública, na qual os requerentes eram empregados. Devido ao significativo número de requerentes, houve um pedido de extensão do prazo e reabertura de pedidos, que foi acatado pela Corte nesta decisão.
2. Houngue Eric Noudehouenou v. República do Benin: o requerente solicita a suspensão da execução de um julgamento cível que o privou do direito à propriedade, alegando jamais ter sido devidamente citado para tal processo. Entretanto, a Corte negou o pedido de medidas provisórias para suspender a referida execução, após verificar que não há risco iminente a um prejuízo irreparável, pois a execução não seria imediata, sem provas da alegada urgência pelo requerente.
3. Adama Diarra v. República do Mali: o requerente foi detido após a emissão de uma ordem judicial determinando a sua prisão por desrespeitar e insultar o Poder Judiciário em um vídeo publicado na internet. O requerente foi preso provisoriamente sem direito à fiança, o que alega contrariar a legislação penal do país, de modo que solicita perante a Corte Africana a sua soltura mediante o pagamento de fiança e o reconhecimento de violações aos direitos humanos. Entretanto, a Corte entende que a decisão sobre a referida matéria se confunde com o mérito do caso, portanto deve ser analisada somente em sede de julgamento de mérito.
4. Sébastien Germain Marie Aikoué Ajavon v. República do Benin: o requerente é originário do Benin, residindo em Paris como refugiado político, e visa a suspensão execução de três decisões emitidas pela Suprema Corte do Benin em processos de avaliação fiscal instaurado contra empresa que é acionista, alegando violações aos direitos de defesa e igualdade perante a lei. Reconhecendo que não existe obstáculo para a execução das decisões, a Corte ordenou a suspensão da execução das decisões, verificado o preenchimento dos requisitos de urgência e risco considerável de dano irreparável, uma vez que a execução fiscal poderia tornar os ativos inacessíveis, privando o requerente e sua família dos seus meios de subsistência.
5. Houngue Eric Noudehouenou v. República do Benin: o requerente é cidadão do Benin e visa a suspensão da aplicação de um artigo do código penal do Benin, que estabelece a pena de prisão e multa para a pessoa que publicamente, por palavras ou escritos, desafiar ato ou decisão judicial de modo a diminuir a autoridade judiciária ou sua independência, o que o colocaria em risco de privação arbitrária de liberdade. Entretanto, a Corte verificou que não foram preenchidos os requisitos de urgência e risco a dano irreparável, portanto, negou o pedido de suspensão da referida lei, uma vez que o requerente não comprovou a iminência de procedimento criminal a ser instituído contra ele.
6. Sébastien Germain Marie Aikoué Ajavon v. República do Benin: o requerente é originário do Benin, reside na França como refugiado político, e alega perante a Corte Africana ser vítima de violações aos seus direitos fundamentais pelo Estado requerido por ser investigado pelos crimes de falsificação de um documento público, incentivo à falsificação de um documento público e fraude, de modo que solicita a suspensão da execução de sentença criminal que implicou em sua condenação. Alega, ainda, que é candidato à eleição presidencial do presente ano e esta condenação pode acarretar sua extradição e impedir a sua candidatura, violando seus direitos políticos. Entretanto, a Corte considera que a análise sobre violação aos direitos do requerente pela sentença condenatória demanda de análise dos méritos da questão, o que impede a decisão em sede de medidas provisórias.
7. Abdul Omary Nondo v. República Unida da Tanzânia e Deusdedit Valentine Rweyemamu e Paul Revocatus Kaunda v. República Unida da Tanzânia: nesta decisão a Corte utilizou de seus poderes discricionários para ordenar a reunião de dois ou mais casos para apreciação conjunta, nas situações em que seja demonstrado o interesse da adequada administração da justiça e da economia processual para analisá-los ao mesmo tempo. Os dois casos reunidos apresentam alegações similares contra as leis eleitorais do Estado requerido, de modo que a Corte entendeu pela reunião dos casos como medida adequada.
Novos casos: durante o mês de março foram recebidos os seguintes casos: caso 006/2021 – Romaric Jesukpego Zinsou v. República do Benin (registrado em 02/03/2021), caso 007/2021 – Romaric Jesukpego Zinsou e 2 outros v. República do Benin (registrado em 10/03/2021), caso 008/2021 – Romaric Jesukpego Zinsou e 2 outros v. República do Benin (registrado em 10/03/2021), caso 009/2021 – Landry Angelo Adelakoun e outros v. República do Benin (registrado em 10/03/2021) e caso 011/2021 – Lehady Vinagnon v. República do Benin (registrado em 24/03/2021). Ainda não foram disponibilizados maiores detalhes sobre cada caso.
Corte Europeia de Direitos Humanos

Ao longo do mês de março de 2021, a Corte Europeia de Direitos Humanos julgou dois casos considerados de impacto 1 na Grand Chamber, conforme os graus de importância estabelecidos pela própria Corte Europeia. Significa que se trata de um case report ou key case. Trataremos dos casos destacados pela própria Corte.
1. CASO Ribcheva e Outros v. Bulgaria (nº 37801/16, nº 39549/ 16 e nº 40658/16) – Decisão proferida em 30.03.2021
O caso Ribcheva e Outros v. Bulgaria tinha três requerentes Vanya Petkova Ribcheva, Milena Georgieva Ivanova-Sharkova e Teodora Emilova Sharkova, parentes do oficial do esquadrão antiterrorista do Ministérios dos Assuntos Internos, Emil Sharkov, alegando que a morte do oficial durante uma operação antiterrorista em curso da prisão de Sr. P.P. não foi investigada de maneira apropriada para verificação de negligência no planejamento e condução da operação ocorrida em 14 de março de 2014 que resultou na morte de Sharkov, fundamentadas no artigo 2º da Convenção Europeia.
Em 30 de março de 2021, a Corte declara que houve violação ao artigo 2º da Convenção, uma vez que falharam em investigar os funcionários ou autoridades que não tomaram medidas suficientemente razoáveis para proteger a vida do Sr. Sharkov, no entanto também declara que não houve violação do artigo 2º da Convenção sobre as medidas tomadas pelas autoridades para proteger a vida do Sr. Sharkov e que não há necessidade de examinar a reclamação, nos termos do artigo 13º da Convenção. E a Bulgária deve pagar a cada um dos requerentes uma soma pecuniária de 8.000 euros no prazo de 3 meses da data em que sentença se tornou definitiva conforme o artigo 44º §2º da Convenção.
2. CASO Bivolaru e Moldovan v. França (nº 40324/16 e nº 12623/17) – Decisão proferida em 25.03.2021
No caso Bivolaru e Moldovan v. França (nº 40324/16 e nº 12623/17), os requerentes são respectivamente Gregorian Bivolaru e Codrut Moldovan contra o Estado francês. Ambos os requerentes são nacionais da Romênia e alegam que suas rendições da França às autoridades romenas para cumprir mandados de prisão europeus violaram o artigo 3º da proibição de tratamento desumano ou degradante.
O Sr. Bivolaru era um líder de um movimento espiritual de yoga e por essa situação foi parte de vários processos criminais na Romênia em 2004, no entanto no ano seguinte viajou para a Suécia e pediu asilo político, recebendo autorização de residência permanente de refugiado, com autorização para se deslocar a partir de 2007. Em 14 de junho de 2013, o Supremo Tribunal de Cassação e Justiça da Romênia o julgou e o condenou à revelia a seis anos de prisão sob acusação de relações sexuais com uma menor. Para cumprir essa sentença, em 17 de junho de 2013, o Tribunal do Condado de Sibiu emitiu um mandado de prisão europeu. Apenas em fevereiro de 2016 foi preso na França e transferido em julho do mesmo ano pelo cumprimento do mandado.
No caso Sr. Moldovan, o Tribunal Distrital de Mures (Romênia) o condenou a sete anos e seis meses de prisão por crimes de tráfico humano cometidos em 2010 tanto na Romênia quanto na França. Após o julgamento, ele retornou a França, por isso, em 29 de abril de 2016, as autoridades romenas emitiram um mandado de prisão europeu (EAW) com o objetivo de cumprir a sentença de prisão romena. Em agosto do mesmo ano as autoridades francesas o entregaram as autoridades romenas por cumprimento do mandado.
Em 25 de março de 2021, a Corte declarou que no caso do requerente Moldovan (nº12623/17) houve violação do artigo 3º da Convenção, uma vez que na rendição do requerente às autoridades romenas em virtude de um mandado de prisão europeu havia um risco real de condições inadequadas a sua detenção, já no caso do requerente Bivolaru (nº 40324/16) não houve violação desse artigo porque não havia um risco real de perseguição ou condições inadequadas em sua detenção, mesmo sendo reconhecido como refugiado pelas autoridades suecas. Dessa forma, a França foi penalizada em pagar somas pecuniárias por danos morais (5.000 euros), despesas e custos (2.520 euros) ao Sr. Moldovan no prazo de 3 meses da data em que sentença se tornou definitiva conforme o artigo 44º §2º da Convenção.
Corte Interamericana de Direitos Humanos

Durante o mês de março, a Corte emitiu quatro decisões de medidas provisórias: Caso Cristina Arrom Vs. Paraguai (11/03/2021), caso Integrantes e Militantes da “Unión Patriótica” Vs. Colômbia (16/03/2021), caso da Penitenciária Miguel Castro Castro Vs. Peru (23/03/2021) e Caso Bedoya Lima e outra Vs. Colômbia (24/03/2021).
Decisões de medidas provisórias
1. Caso Cristina Arrom Vs. Paraguai: trata-se de solicitação de medidas provisórias para que cessem os processos penais promovidos pelo Estado do Paraguai contra a requerente em razão de manifestação de opinião. Ressalta-se que, em 2019, já havia sido publicada resolução da Corte Interamericana que ordenou ao Estado requerido medidas necessárias para cessar processo penal contra a requerente. Na decisão atual, a Corte Interamericana acatou a solicitação, visando ao cumprimento das decisões já proferidas. Vale ressaltar que a Corte apontou que todas as autoridades de um Estado-parte da Convenção Americana de Direitos Humanos devem realizar o controle de convencionalidade sobre seus atos e omissões.
2. Caso da Penitenciária Miguel Castro Castro Vs. Peru: o caso encontra-se em fase de supervisão de cumprimento de sentença e a solicitação diz respeito à supervisão reforçada relativa ao tratamento médico e psicológico para cinco vítimas. A sentença de mérito reconheceu a responsabilidade do Estado requerido pelas violações aos direitos à vida e à integridade física em decorrência de massacre, execuções extrajudiciais e torturas ocorridas na penitenciária Miguel Casto Castro em uma operação contra os internos. Ocorre que o advogado que realiza a representação legal e a comunicação com as cinco vítimas foi preso recentemente, acusado de filiação a uma organização terrorista. Em decorrência da necessidade de representação adequada das vítimas que aguardam o fornecimento de tratamento médico e psicológico, a Corte determinou que a Defensoria Pública do Peru comunique a possibilidade de cooperar com a Corte para realizar a assistência necessária.
3. Caso Integrantes e Militantes da “Unión Patriótica” Vs. Colombia: trata-se da solicitação de medidas provisórias para ordenar ao Estado que adote as medidas necessárias para garantir aos representantes o acesso às informações e documentos necessários para representar as vítimas e para cessar imediatamente toda conduta que tenha efeito intimidante, em decorrência das alegações de violações nestes mesmos termos. Entretanto, a Corte não acatou as solicitações, pois entendeu que não foram preenchidos os requisitos necessários para a concessão das medidas provisórias, uma vez que não foi provada pelos requerentes a extrema gravidade e urgência, bem como não foi verificada a possibilidade de danos irreparáveis.
4. Caso Bedoya Lima e outra Vs. Colômbia: as requerentes, mãe e filha, vítimas de um caso de impunidade de sequestro, tortura e violência sexual, alegam que se encontram em situação de grave ameaça aos direitos à vida e à integridade física, em decorrência de sérias ameaças e intimidações. A Corte Interamericana verificou o preenchimento dos requisitos, de modo que concedeu as medidas provisórias solicitadas e ordenou que o Estado da Colômbia adote imediatamente todas as medidas cabíveis para proteger efetivamente os direitos à vida e à integridade das requerentes.