Cortes Regionais de Direitos Humanos | Novembro 2021

Corte Africana de Direitos Humanos

Durante o mês de novembro de 2021, não houve movimentação substancial no âmbito da Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.

Corte Europeia de Direitos Humanos

Ao longo do mês de novembro de 2021, a Corte Europeia de Direitos Humanos julgou sete casos considerados impacto 3 na Grand Chamber, conforme os graus de importância estabelecidos pela própria Corte Europeia. Significa que se trata de um caso que será, no futuro, um case report ou key case. Trataremos dos casos destacados pela própria Corte. 

1. Caso de Shabelnik v. Ucrânia, n.  54806/18 – Decisão Proferida em 04/11/2021

Este caso retrata uma reclamação do requerente ao artigo 7 da convenção de que a revisão judicial da sua condenação anterior resultou na aplicação de uma nova pena fora do prazo legal. Os fatos deste caso são: em outubro de 2001, uma idosa foi encontrada assassinada em seu apartamento. Em dezembro de 2001, uma menor foi sequestrada e assassinada, em 10 de dezembro de 2001, a recorrente foi detida por suspeita de rapto da menor de idade, a fim de extorquir dinheiro dos seus pais e do subsequente homicídio da mesma. Em 17 de Dezembro de 2001, o recorrente nomeou um advogado, logo, 19 de dezembro de 2001, a recorrente foi acusada do crime acima referido, na sequência de uma investigação durante a qual a recorrente mostrou à polícia os locais onde tinha escondido o cadáver da menina e alguns dos seus pertences. As notas recebidas como resgate dos pais da vítima foram encontradas em sua posse. Em 15 de fevereiro de 2002, aparentemente a seu próprio pedido, o recorrente foi interrogado como testemunha sobre as circunstâncias da morte da idosa, que foi a primeira assassinada. Durante o interrogatório, que decorreu sem a presença de um advogado, o requerente confessou o assassinato da idosa. No dia seguinte, ainda na qualidade de testemunha, o requerente participou, sem a presença de advogado, na reconstrução in loco do atentado da primeira vítima. Em 18 e 22 de fevereiro de 2002 foi novamente interrogado, sem advogado, sobre o ataque e por fim, em 25 de fevereiro de 2002, o promotor de investigação abriu um processo penal contra o requerente em relação ao assassinato da idosa e juntou-o ao processo penal relativo ao sequestro e assassinato da criança. 

Esse contexto, resultou em várias análises e processos da corte até se chegar em uma conclusão, tendo no total cinco sessões para finalizar até então o caso. Dado isso, foi concluído que esse crime se encontra no artigo 7, ou seja, “Ninguém pode ser condenado por uma ação ou uma omissão que, no momento em que foi cometida, não constituía infração, segundo o direito nacional ou internacional. Igualmente não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infração foi cometida.” Focando na questão sem punição sem lei e da retroatividade. 

2. Caso Veceano vs Romênia, n. 47695/14. Decisão Proferida em 16/11/2021

Esse caso diz respeito à alegada violação das autoridades nacionais de proteção do direito da recorrente à reputação, focando no artigo 8 da convenção. O caso é sobre um candidato que era professor de música, concorreu ao cargo de diretor da “a Filarmónica”, que é uma instituição pública. Para ser candidato, você precisava ter uma ficha criminal limpa. No final do concurso, o candidato obteve a nota mais elevada. Ele seria nomeado para o cargo em questão pela Câmara Municipal da mesma. Entretanto, paralelamente, circulava na Internet uma gravação de vídeo. Capturado em 2008 por uma câmera de vigilância, mostrando um homem roubando o espelho retrovisor de um carro de luxo em um estacionamento. Com base na semelhança física entre o candidato e a pessoa que aparece no vídeo, um jornalista relatou a nomeação do candidato como diretor da Filarmônica. Como parte deste relatório, ela entrevistou sucessivamente o presidente do Sindicato dos Intérpretes da Filarmônica e depois duas outras pessoas que trabalhavam para o conselho local dela, a fim de obter sua opinião quanto à semelhança entre o requerente e a pessoa que apareceu no vídeo de 2008. Depois o jornalista entrevistou mais duas outras pessoas, e elas negaram a semelhança entre eles. Ao final da denúncia, o jornalista questionou o Subcomissário de Polícia, que indicou que o proprietário do carro havia disponibilizado a gravação à polícia e que estava em andamento uma investigação preliminar contra X. Este relatório foi publicado em 29 de agosto de 2011 no site do jornal Adevărul e no mesmo dia, a empresa de mídia Antena 3 publicou um artigo em seu site intitulado “Novo Diretor da Filarmônica de Arad Suspeita de Roubo de Espelhos de Carro de Luxo”. O artigo relatava que o requerente era suspeito de roubar espelhos. Focando na questão em que o candidato era o principal suspeito. 

Essa situação resultou em péssimas consequências para o candidato, em que teve sua imagem “manchada”, portanto, a corte concluiu que teve violações do artigo 8, que diz a respeito sobre a vida privada e familiar, mais especificamente os tópicos 8-1, sobre a vida privada e obrigações positivas, visto que o mesmo teve sua vida exposta de uma acusação que não se tinha certeza por parte do jornalista. 

3. Caso de Tarvydas vs. Lituânia, n. 36098/19. Decisão Proferida em 23/11/2021

Essa sentença será definida nas circunstâncias que foram estabelecidas no artigo 44 § 2 da Convenção, a mesma pode ser sujeita a revisão editorial. Esse caso gira em torno de um lote na região de Kretinga, em que a mãe do requerente deste caso era proprietária. O lote continha uma casa de madeira e três outras construções de madeira, todas construídas nos séculos XVIII e XIX. Em várias datas, os edifícios foram reconhecidos como objetos de patrimônio cultural protegido. Em 2009, as autoridades inspecionaram os edifícios e descobriram que o estado da casa estava degradado. Em 2011, a requerente passou a ser proprietária do terreno e dos edifícios. Em março de 2016, as autoridades inspecionaram os edifícios e descobriram que a casa de madeira tinha sido parcialmente demolida e uma nova casa de tijolo estava a ser construída em seu lugar. O requerente explicou que a sua mãe vivia nesta casa de madeira que se encontrava em ruínas e que ele tinha começado a construir a nova casa para melhorar as suas condições de vida. Ele afirmou que não sabia que a casa estava protegida. Em maio de 2016, a Inspeção Estatal de Ordenamento do Território e Construção do Ministério do Ambiente concluiu que o requerente reconstruiu um edifício protegido sem obter as licenças pertinentes para isso. Ele ordenou que ele restaurasse a casa de madeira ao seu estado anterior em seis meses. A recorrente não cumpriu essa ordem. Em julho de 2016, o Tribunal da Comarca de Kretinga considerou que as ações do recorrente constituíam uma infração administrativa de reconstrução ilegal de um bem do património cultural e condenou-o a uma multa de 1.000 euros (EUR). 

Partindo desse contexto, conclui-se que este caso teve a violação do artigo 6 (Direito a um julgamento justo e processos civis), mais especificamente o 6-1 (audiência justa). 

4. Caso Abdullin v. Rússia, n. 37677/16. Decisão Proferida em 23/11/2021.

O caso diz respeito à continuação da apreensão dos bens imóveis do requerente após a sua condenação por fraude e à equidade do processo penal contra o requerente. Em abril de 2014, uma investigação criminal por fraude foi aberta nas circunstâncias da adjudicação de contratos públicos pela Universidade Técnica da Cidade de Kazan relativos à compra de equipamento para um de seus laboratórios. Em 11 de junho de 2014, o recorrente, vice-reitor da Universidade na época dos factos, foi indiciado no âmbito da presente investigação. Em decorrência desta investigação, foi determinada a apreensão provisória dos bens imóveis do requerente.

A Corte observou que não foi contestado entre as partes que a continuação da apreensão dos bens do requerente para além da sentença de condenação de 14/12/2015 constituiu uma interferência no direito do requerente de respeitar os seus bens. A Corte concluiu também que não se pode considerar que a condenação sofrida pelo requerente se baseou em elementos de prova em relação aos quais o recorrente não pôde ou não pôde exercer suficientemente os seus direitos de defesa, de modo que a alegação à violação ao artigo 6º da Convenção Europeia de Direitos Humanos deve ser rejeitada. Portanto, a Corte decidiu, por 6 votos a 1, que o Estado denunciado deve pagar indenização ao requerente conforme o artigo 44 § 2 da Convenção a título de danos materiais e morais.

5. Caso Mifsud e outros v. Malta, n.  38770/17. Decisão Proferida em 25/11/2021.

O caso originou-se de uma denúncia conjunta formulada por 22 nacionais de Malta, 3 britâncios e 5 australianos e diz respeito à possível violação do artigo 34 da Convenção Europeia, em relação à tomada de um terreno dos requerentes que durou entre 1978 e 1984, respectivamente, até 2012, visto que os requerentes não receberam qualquer indenização em mais de quarenta anos e, portanto, foram obrigados a suportar um encargo desproporcional. Nos termos do artigo 41 da Convenção, os requerentes pretendiam apenas obter a devolução do imóvel e se reservam o direito de reclamar os danos pelo uso dessa propriedade, se devolvidos.

A Corte determinou que os requerentes devem receber uma indenização pela utilização das duas parcelas menores de terreno até 2012. Além disso, a Corte observa que não há dúvida de que quando o Governo assumiu essas parcelas em 1984, a medida era legal e de interesse público. A Corte considera que nas circunstâncias do caso em apreço a devolução do terreno de 509 m2 seria a reparação mais adequada e colocaria os requerentes, tanto quanto possível, numa situação equivalente àquela em que estariam se não tivesse havido uma violação do artigo 1.º do Protocolo n.º 1. Portanto, a Corte Europeia de Direitos Humanos, por unanimidade, considerou que o Estado respondente deve devolver o imóvel de 509 m2 dentro de três meses a partir da data em que a sentença se torna definitiva, de acordo com o Artigo 44 § 2 da Convenção.

6. Caso Pal v. Reino Unido, n. 44261/19. Decisão Proferida em 30/11/2021. 

O caso diz respeito à decisão de prisão e acusação de um jornalista do crime de assédio, com alegada violação ao artigo 10 da Convenção Europeia de Direitos Humanos. A requerente é uma jornalista que atua em questões de denúncias dentro de organizações como o Serviço Nacional de Saúde. Um dos artigos publicados pela requerente atingiu diretamente uma pessoa com quem já possuía conflitos, que recorreu à polícia alegando a ocorrência de assédio moral. Esta denúncia levou à persecução criminal e à prisão do requerente.

A Corte afirma que uma distinção precisa ser feita entre declarações de fato e juízos de valor. Embora a existência de fatos possa ser demonstrada, a verdade dos julgamentos de valor não é suscetível de prova. A exigência de prova da veracidade de um juízo de valor é impossível de cumprir e viola a própria liberdade de opinião, que é parte fundamental do direito garantido pelo artigo 10. Deste modo, a Corte entende, não foi demonstrado que o policial responsável pela apreensão, o policial responsável por decidir a acusação do requerente ou os tribunais nacionais equilibraram o direito à liberdade de expressão da requerente e o direito ao respeito pela vida privada e reputação do denunciante. Portanto, a Corte Europeia de Direitos Humanos reconheceu, por unanimidade, que houve violação ao artigo 10 da Convenção, condenando o Estado ao pagamento de indenização por danos morais à requerente.

7. Caso Țiriac v. Romênia n.  51107/16. Decisão Proferida em 30/11/2021. 

O requerente, conhecido como um dos empresários mais ricos do país, alega ter sido vítima de uma violação ao seu direito à honra e à reputação, alegando que os tribunais nacionais não protegeram os seus direitos em decorrência de um artigo de imprensa alegadamente difamatório, com base no artigo 8 da Convenção Europeia de Direitos Humanos. O artigo publicado se referia a grandes empresários e alegava uma série de dívidas destes com o Estado. O requerente processou o jornal que publicou o artigo por danos morais alegando ter sofrido difamação pelo artigo. Entretanto, a justiça romena reconheceu, em toda as instâncias, que o jornalista responsável pela publicação do artigo exerceu adequadamente o seu direito de imprensa e liberdade de expressão.

A respeito da discussão sobre a liberdade de expressão, a Corte entende que uma distinção precisa ser feita entre declarações de fato e juízos de valor. Para distinguir entre alegação de fato e juízo de valor é necessário ter em conta as circunstâncias do caso e o tom geral das observações, tendo em conta que as afirmações sobre questões de interesse público podem, por isso, constituir valor julgamentos em vez de declarações de fato. A Corte também reitera que é necessário distinguir entre particulares e pessoas que atuam em um contexto público, como figuras políticas ou figuras públicas, uma vez que os limites da crítica aceitável são mais amplos em relação a um político, bem como a todas as pessoas que fazem parte da esfera pública, seja por meio de suas ações ou de sua posição.

Portanto, a Corte Europeia de Direitos Humanos deicidiu que não houve violação ao direito à honra e reputação do requerente, de modo que a liberdade de expressão e de imprensa foi exercida de forma adequada pelo jornalista responsável pelo artigo publicado.

Corte Interamericana de Direitos Humanos

Durante o mês de novembro de 2021, foram publicados cinco casos de mérito e três medidas provisórias.

Medidas Provisórias

1. Assunto Juan Sebastián Chamorro e outros – a respeito da Nicarágua. Decisão em 22/11/2021

A CorteIDH expressa sua preocupação sobre a falha do estado da Nicarágua em cumprir as suas Resoluções de 24 de junho, 9 de setembro e 4 de novembro de 2021. 

Determinou a incorporação no próximo Relatório Anual da Corte Interamericana de Direitos Humanos o que foi decidido nesta Resolução, e informar a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, em aplicação do artigo 65 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, sobre o descumprimento por parte do Estado da Nicarágua, conforme determinado nas Resoluções de 24 de junho de setembro e 4 de novembro de 2021.

A CorteIDH indicou que as medidas provisórias não têm caráter apenas cautelares, no sentido de que preservam uma situação jurídica, mas fundamentalmente tutela, uma vez que protegem os direitos humanos evitando danos irreparáveis às pessoas. Quanto ao caráter cautelar, as medidas provisórias têm por objeto e finalidade preservar direitos em possível risco até que a disputa seja resolvida. O artigo 63.2 da Convenção exige que, para que a Corte possa determinar medidas provisórias, três condições devem ser atendidas: i) “extrema gravidade”; ii) “Urgência” e iii) que se trata de “evitar danos irreparáveis” às pessoas. Estas três condições devem coexistir e persistir para que o Tribunal mantenha a proteção. Para fins de adoção de medidas provisórias, a Convenção exige que seja uma violação “Extrema”, quer dizer, que está em seu grau mais intenso ou máximo. O caráter Urgente implica que o risco ou ameaça envolvida é iminente, o que requer que a resposta para os remediar é imediata. Finalmente, quanto ao dano, deve haver uma probabilidade razoável de que se concretize e não deve cair sobre mercadorias ou interesses legais que podem ser reparados.

2. “Asunto Integrantes Del Centro Nicaraguense De Derechos Humanos Y De La Comisión Permanente De Derechos Humanos (Cenidh-Cpdh) a respeito da Nicaragua” – Decisão em 14.10.2021

Trata-se de “medidas provisórias” determinadas pela Corte ao Estado da Nicarágua, ratificando resoluções anteriormente emitidas direcionadas ao referido Estado, para que protega de forma eficaz a vida e a integridade pessoal dos membros do Centro Nicaraguense de Direitos Humanos e da Comissão Permanente de Direitos Direitos Humanos (CPDH), a fim de garantir a continuidade do seu trabalho em defesa dos direitos humanos sem serem assediados, ameaçados ou atacados. 

A emissão dessas “medidas provisórias’ se faz ainda mais urgente diante da prisão da Sra. María del Socorro Oviedo Delgado, funcionária da Comissão Permanente de Direitos Direitos Humanos (CPDH), que foi arbitraramente e inesperadamente presa por agentes do Estado, sem direito de defesa e sem saber os motivos de sua detenção, tendo sido supreendentemente levada à prisão enquanto estava na casa de sua mãe.

Assim, a emissão das medidas provisórias se dá, com fulcro no artigo 6.2 da Convenção Interamericana e nos artigos 27, 31 e 69 de Regramento da Corte, para:

(i)               Requerer ao Estado da Nicarágua que proceda com a imediata libertação da senhora María del Socorro Oviedo Delgado;

(ii)               Exigir que o Estado adote imediatamente as medidas necessárias para proteger efetivamente a vida, integridade e liberdade pessoal da Sra. María del Socorro Oviedo Delgado e de seu núcleo familiar; 

(iii) Exigir que o Estado informe à Corte Interamericana de Direitos Humanos o mais tardar em 29 de outubro de 2021 sobre as medidas adotadas para cumprir esta decisão. Posteriormente, o Estado deve apresentar as informações correspondentes no âmbito do relatório periódico que deve ser apresentado em razão do que foi ordenado na Resolução de 1 de setembro de 2021;

(iv)                 Exigir dos representantes da pessoa beneficiada e da Comissão Interamericana a apresentação de suas observações no prazo de uma e duas semanas, respectivamente, contados da notificação do primeiro relatório do Estado.

(v)                 Ordene à Secretaria da Corte que notifique esta Resolução ao Estado, à Comissão Interamericana e aos representantes dos beneficiários.

3. Medida Provisória a respeito à Nicarágua de 14.10.2021

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, conforme o artigo 27, 27.5 e 31 do Regulamento da Corte, se pronunciou sobre a solicitação da Comissão da Convenção Americana de Direitos Humanos para incluir medidas necessárias para que os Estados Unidos Mexicanos (México) proteja o direito à vida e a integridade pessoal dos integrantes da comunidade indígena miskitu (Comunidade de Santa Fé) e que as informe a Corte a cada três meses,  a partir da apresentação de seu último relatório, bem como encaminhe as informações aos representantes e à Comissão Interamericana. Acrescenta-se que o Estado mexicano também deve solicitar: 1. à representação dos beneficiários que apresentem suas observações no prazo de quatro semanas a partir da notificação dos relatórios do Estado, 2. à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que apresente suas observações aos referidos relatórios do Estado no prazo de duas semanas a partir de a recepção das observações dos representantes.

 

Sentenças de Mérito

1. Caso “Manuela y otros vs. El Salvador” – Sentença proferida em 02.11.2021. 

Trata-se de sentença envolvendo direito ao aborto. A Sra Manuela estava grávida em fevereiro de 2008 e sofreu uma forte queda que a feriu na região pélvica e que lhe causou grande sangramento vaginal. No dia seguinte à queda, a mãe de Manuela a encontrou desacordada no quarto, com bastante sangramento, e ela foi levada ao hospital. No prontuário do hospital, consta que ela teve um parto fora do ambiente hospitalar. A médica que a atendeu apresentou uma denúcia contra ela, pois estranhou não ter localizado nenhum bebê no corpo da Autora. A polícia foi até a casa de Manuela e encontrou o corpo de um bebê dentro de uma fossa séptica. A Autora foi algemada dentro do próprio hospital, incriminada, e condenada a 30 anos de prisão pelo Tribunal local por homicídio agravado, não tendo uma defesa por parte da defensoria pública de forma atuante/satisfativa (o defensor solicitou ser trocado 30 minutos antes da audiência, pois teria uma outra audiência, e não houve apresentação de recurso contra a condenação). Anos depois, em 2009, ela foi diagnosticada com linfoma de Hodgkin e, em 2010, faleceu.

A Corte apontou que a imposição de prisão preventiva foi arbitrária e violou o direito à presunção de inocência em detrimento de Manuela, bem como que não houve um direito de defesa efetivo (em especial, diante da “negligência” dos defensores públicos). A Corte pontou ainda que não se observou o direito de ser julgado por um tribunal imparcial (ela foi acusada de ter retirado o bebê por, dentre outros motivos, ser um filho fora do casamento), a presunção de inocência, o dever de motivar, a obrigação de não aplicar a legislação de forma discriminatória, o direito de não ser sujeito a penas cruéis, desumanas ou degradantes e a obrigação de garantir que o objetivo da pena privativa de liberdade seja a reforma e a reabilitação social das pessoas condenadas.

A Corte destacou também que o Estado não cumpriu com seu dever de proteção à vida, mais especificamente sua obrigação de: (i) realizar um exame geral de saúde durante a internação de Manuela; (ii) realizar um exame de saúde no momento da prisão, e (iii) tomar as medidas necessárias para que Manuela pudesse receber seu tratamento médico enquanto estivesse privada de liberdade. Se essas omissões não tivessem ocorrido, as probabilidades da morte de Manuela teriam sido menores. Houve tambem, por conseguinte, uma ofensa ao direito de integridade pessoal dos familiares de Manuela.

Dessa forma, a Corte entendeu que houve violação aos artigos 1.1, 2, 4, 5.1, 5.2, 5.6, 7.1, 7.3, 8.1, 8.2, 8.2.d, 8.2.e, 11, 24 e 26 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e 7.a da Convenção de Belém do Pará.

Assim sendo, a Corte determinou ao Estado demandado, dentre outras medidas: a) a publicação da sentença; b) realizar um ato público de reconhecimento da responsabilidade internacional; c) conceder bolsas de estudo para o filho mais novo e o filho mais velho de Manuela; d) fornecer gratuitamente e de uma maneira imediata, oportuna, adequada e eficaz, tratamento médico, psicológico e psiquiátrico para os pais de Manuela; e) regulamentar a obrigatoriedade de sigilo médico profissional e confidencialidade dos registros médicos; f) desenvolver um protocolo de ação para o cuidado de mulheres que requerem atenção médica urgente para emergências obstétricas; g) adaptar seus regulamentos relativos à prisão preventiva; h) projetar e implementar um curso de treinamento e conscientização para funcionários judiciais e pessoal de saúde do hospital em que a Autora foi atendida; i) adaptar a legislação quanto à dosimetria da pena de infanticídio; j) desenhar e implementar um programa de educação sexual e reprodutiva; k) medidas necessárias para garantir a integralidade da atenção às emergências obstétricas; l) pagamento de indenização por dano material e imaterial aos familiares da Autora e m) pagamento de custos e despesas.

2. Caso Veras Rojas v. Chile – Decisão de 01/10/2021

No Caso Veras Rojas v. Chile, os requerentes são Martina Vera Rojas e seus pais Carolina Andrea del Pilar Rojas Farías e Ramiro Álvaro Vera Rojas. Martina Vera Rojas foi adotada em 2006, aos 3 meses, pela família Vera Rojas – por Carolina Rojas e Ramiro Vera – e vivem em Arica, Chile. No entanto, em 2007, Martina foi diagnosticada com a “Síndrome de Leigh”, uma doença que deixa sequelas neurológicas e musculares. Em virtude desse quadro de saúde, seus pais contrataram o plano de saúde da empresa Isapre MasVida com cobertura para doenças fatais. Graças a esse seguro, Martina pode ter um regime de hospitalização domiciliar de novembro de 2007 a outubro de 2010 quando a Isapre MasVida comunicou via carta a finalização do plano, tendo como fundamento uma circular IF/No 7 e designando o Hospital de Arica como prestador para futuras complicações médicas que necessitassem de internação hospitalar. 

Mesmo com uma reclamação do pai de Martina a Superintendência de Saúde, a Isapre MasVida manteve a decisão de finalização do plano de saúde, por isso a família entrou com um recurso na Corte de Apelação de Arica, que deu parecer favorável a família. No entanto a empresa recorreu a Corte Suprema de Justiça da decisão da Corte de Apelação de Arica e revogou a decisão. Diante da revogação da decisão a favor de Martina, seus pais solicitaram medidas cautelares a Comissão Interamericana. Vale ressaltar que a mãe também fez uma denúncia a Superintendência de Saúde depois da resposta negativa do Estado. 

Em abril de 2012, a juíza decidiu favoravelmente pela reinstalação da hospitalização domiciliar de Martina, assim como o ressarcimento dos gastos que não haviam sido cobertos pela seguradora durante o período de não cobertura do plano. Mas a empresa interpôs, em abril de 2012, um recurso contra essa sentença que foi recusado e outro, em agosto de 2012, a Superintendência de Saúde, que também foi recusado. Apenas em agosto de 2012, a cobertura do plano de saúde foi reestabelecida para a hospitalização domiciliar de Martina, que hoje tem 15 anos. 

Em 1º de outubro de 2021, a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu a sentença declarando a responsabilidade internacional do Estado do Chile por violações dos direitos Martina Vera Rojas e o direito de integridade pessoal de seus pais, Carolina Andrea del Pilar Rojas Farias e Ramiro Álvaro Vera Rojas conforme os artigos 1.1, 2, 5, 19 e 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos; seguidas de medidas: 1. de reparação aos requerentes com a retomada do tratamento, assim como sua manutenção mesmo com o falecimento dos pais ou inadimplência do plano, tratamento psicológico aos pais e o pagamento monetário por danos imateriais, 2. publicação da Sentença no site oficial da Superintendência de Saúde, do Poder Judiciário e da Isapre MasVida. 3. que garantam a não repetição do fato – adoção de medidas legislativas para que a Defensoria da Criança conheça e participe, quando necessário, de todos os processos da Superintendência de Saúde ou judiciais, que os direitos da criança possam ser afetados por ações de empresas privadas, 4. pagamento as custas e despesas do processo. 

3. Caso González e outros Vs. Venezuela. Decisão de 20/09/2021

Síntese do caso: 

O caso apresentado em 8 de agosto de 2019 à Comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu à jurisdição da Corte o caso “Olimpíades González e outros” contra a República Bolivariana da Venezuela. O caso relaciona-se com as prisões ilegais e arbitrárias de Olimpiades González, María Angélica González, Belkis Mirelis González, Fernando González, Wilmer Antonio Barliza González e Luis Guillermo González, membros de uma família indígena Wayuú, em novembro 1998 e janeiro de 1999, por agentes estaduais. A Comissão notou que as prisões foram feitas por medidas punitivas e não cautelares, em violação tanto do direito à liberdade pessoal, como do princípio da presunção de inocência. Por fim, determinou que o Estado é responsável por não evitar a morte de Olimpíades González, vítima de um homicídio em dezembro de 2006, bem como a falta de apuração desse fato em um tempo razoável. Foram discutidas violações contra direitos à vida, integridade pessoal, liberdade pessoal e garantias de proteção judicial.

Decisão

A Corte IDH decidiu por unanimidade, que: a sentença constitui, por si só, uma forma de reparação; o Estado continuará e concluirá, em um prazo razoável, as investigações e o correspondente processo penal, a fim de julgar e, se for caso disso, punir os responsáveis pela morte de Olimpiades González; o Estado pagará as quantias destinadas a prestar a devida atenção às condições físicas, psicológicas e / ou psiquiátricas sofridas por María Angélica González, Belkis Mirelis González, Fernando González, Luis Guillermo González, Wilmer Antonio Barliza González; o Estado realizará as publicações e programas de rádio indicados  na Sentença, no prazo de seis meses a partir da sua intimação; o Estado pagará as quantias estabelecidas a título de dano material e imaterial; o Estado reembolsará o Fundo de Assistência Jurídica às Vítimas do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos o montante desembolsado durante o processamento do caso; o Estado apresentará relatório ao Tribunal, no prazo de um ano a partir da intimação da Sentença, sobre as medidas adotadas para o cumprimento dos termos da decisão; a CorteIDH fiscalizará o cumprimento integral da Sentença, no exercício de seus poderes e no cumprimento de suas obrigações de acordo com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, e encerrará o presente caso assim que o Estado cumprir integralmente as suas disposições.

4. Caso Barbosa de Souza e outros Vs. Brasil. Decisão de 07/09/2021

Síntese do caso:

O caso foi apresentado à CIDH em 11 de julho de 2019, em conformidade com os artigos 51 e 61 da Convenção Americana – caso “Márcia Barbosa de Souza e seus familiares a respeito da República Federativa do Brasil”. Denunciou-se a situação de impunidade pelo feminicídio de Márcia Barbosa de Souza, ocorrido em junho de 1998, pelo então deputado estadual Aércio Pereira de Lima. A Comissão determinou que: i) a “imunidade parlamentar nos termos definidos no regulamentos internos ”geraram atraso no processo penal de natureza discriminatória, ii)“ o prazo de mais de 9 anos que durou a investigação e o processo penal pela morte de Márcia Barbosa de Souza resultou em violação da garantia de prazo razoável de duração processual e negação de justiça, portanto”, iii)“as deficiências probatórias não foram corrigidas e nem todas as linhas foram esgotadas na investigação, sendo a situação resultante incompatível com o dever de investigação e iv) e que o assassinato de Márcia Barbosa de Souza, em decorrência de um, somado aos atos de violência, juntamente com falhas e atrasos nas investigações e processos criminais, afetaram a integridade mental de seus parentes.

Decisão:

Por unanimidade, a CorteIDH decidiu que a sentença constitui, por si só, uma forma de reparação. Determina que: o Estado realizará um ato de reconhecimento de responsabilidade internacional, em relação aos fatos do presente caso e irá projetar e implementar um sistema centralizado de coleta nacional de dados que permitam a análise quantitativa e qualitativa dos atos de violência contra mulheres e, em particular, mortes violentas de mulheres; o Estado criará e implementará um plano de treinamento e conscientização continuado das forças policiais encarregadas da investigação e operadores de justiça estadual da Paraíba, com uma perspectiva de gênero e raça; o Estado realizará uma jornada de reflexão e conscientização sobre os impactos do feminicídio, violência contra a mulher e uso da figura da imunidade parlamentar; o Estado adotará e implementará um protocolo nacional para a investigação de feminicídios, e pagará as quantias estabelecidas nos parágrafos 212 e 218 deste Estatuto Social. A decisão considerou o dever do Estado brasileiro de indenizar as omissões nas investigações do assassinato de Márcia Barbosa de Souza; a reabilitação e a compensação por danos materiais e dano imaterial, e para o reembolso de custas e despesas, nos termos dos parágrafos 224 a 229 desta Sentença. O Estado reembolsará o Fundo de Assistência Jurídica às Vítimas do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos o montante desembolsado durante o processamento deste caso.  O Estado, no prazo de um ano a partir da intimação dessa decisão, apresentará à CorteIDH um relatório sobre as medidas adotadas para o seu cumprimento. A CorteIDH fiscalizará o cumprimento integral desta Sentença, no exercício de seus poderes e no cumprimento de suas obrigações de acordo com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, e encerrará o presente caso assim que o Estado tiver dado cumprimento integral de suas disposições.

5. Caso Garzón Guzmán e outros vs. Equador. Decisão de 01/09/2021

No caso Garzón Guzmán e outros v. Equador, os requerentes são César Gustavo Garzón Guzmán, escritor da casa de cultura equatoriana e trabalhava na editora “El Conejo”, desapareceu em novembro de 1990 ao sair de uma discoteca com um grupo de amigos. Sua família denunciou seu desaparecimento ao Serviço de Investigação Criminal de Pichincha, mas não puderam fazer o registro naquele dia, uma vez que seu desaparecimento não tinha 48hrs. Em 2003, o caso Garzón Guzmán ganhou notoriedade na imprensa, quando um ex-oficial da Inteligência do Exército afirmou que o general Edgar Vaca sabia o local onde estavam os restos de Garzón Guzmán, mas não foi suficiente para que fosse realizado uma investigação de esclarecimento como os representantes das vítimas solicitaram. No entanto, em maio de 2007 foi criado uma Comissão da Verdade no Equador pelo Decreto Executivo nº 305 para investigar as violações de direitos humanos entre 1984 e 1988. O caso Garzón Guzmán foi documentado e qualificado por essa comissão como um desaparecimento forçado com a responsabilidade presumida da Polícia Nacional, iniciando investigações judiciais. 

Em 1º de setembro de 2021, a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu a sentença declarando a responsabilidade da República do Equador pelo desaparecimento de César Gustavo Garzón Guzmán e por violação dos seus direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, vida, integridade, liberdade, garantias judiciais e proteção judicial (artigos 3, 4.1, 5, 7, 8.1 e 25.1 da Convenção Americana em relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana e Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado das Pessoas). Também declarou a responsabilidade do Estado pela violação dos direitos a garantias judiciais, proteção judicial e integridade pessoal dos familiares do senhor Garzón Guzmán (artigos 8.1 e 25.1 em relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana e a Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado das Pessoas e artigo 5.1 em relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana). Dessa forma, a Corte determinou as seguintes obrigações: investigar, determinar o paradeiro da vítima, fornecer tratamento psicológico e psiquiátrico as vítimas, divulgar amplamente a sentença em um jornal nacional de grande circulação e no site oficial do governo, pagar indenizações monetárias por danos materiais e imateriais assim como as custas do processo.