A Eleição da Juíza Hilary Charlesworth à Corte Internacional de Justiça como um Avanço da Equidade de Gênero no Direito Internacional

AGARWALLA, Shubhangi. Hilary Charlesworth’s Election as ICJ Judge is chance for others countries to reflect on nominations. The Wire, 2021. Disponível em: https://thewire.in/women/hilary-charlesworth-icj-judge. Acesso em: 05 jan. 2022.

Recentemente, a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) elegeram Hilary Charlesworth como juíza da Corte Internacional de Justiça.[1] De nacionalidade australiana, a Sra. Charlesworth sucedeu o juiz James Richard Crawford, também australiano, que faleceu em 31 de maio de 2021. Assim, nos termos do artigo 15 do Estatuto da CIJ a Sra. Charlesworth permanecerá no cargo pelo restante do mandato de nove anos do Sr. Crawford, que expirava em 05 de fevereiro de 2024.[2]

Além da sucessão do Sr. Crawford, a eleição da Sra. Charlesworth possui um caráter muito significativo para a sociedade internacional, que é o rompimento com a ideia que restringe à entrada mulheres em posições de liderança em instituições internacionais, especialmente no contexto de vagas casuais que muitas vezes não são contestadas.[3] Destaca-se que a Sra. Charlesworth é a quinta mulher a ser eleita juíza da CIJ.[4]

Atualmente, é professora da Faculdade de Direito da Universidade de Melbourne e da Universidade Nacional Australiana, membro do conselho editorial de revistas científicas como o American Journal of International Law, além de Diretora do Centro de Governança e Justiça da Universidade Nacional Australiana.[5] Ainda em 2016, a professora recebeu um Doctorate Honoris Causa da Universidade de Louvain, quando proferiu palestra sobre ‘Direito e Emancipação’.[6] Em 2021, ela também recebeu um prêmio de Distinguished Scholar da International Studies Associatione foi apontadapela International Law Association [7] como Chair, tendo sido a primeira mulher a ocupar tal cargo. [8]

Além disso, a Sra. Charlesworth é autora de inúmeras produções cientificas que analisam criticamente a relação de gênero e o direito internacional, com destaque as investigações e publicações intituladas como “Feminist Approaches to International Law” (1991) e “Feminist Methods in International Law” (1999), “Feminists Reflections on the Responsibility to Protect” (2010) e “The Woman Question in International Law” (2011). No ponto, ambas destacam a problemática acerca da ausência de debates de gênero e pela falta de mulheres em posições de poder no direito internacional. 

Especificamente, no artigo “Feminist Approaches to International Law” (1991), a Sra. Charlesworth, em conjunto com as professoras Christine Chinkin e Shelley Wright, desenvolveu e estabeleceu uma Teoria Feminista como instrumento de reinterpretação do Direito, almejando que ele pudesse refletir a experiência de todas as pessoas, visto que em tal escrito,apontou que as estruturas então vigentes do Direito Internacional tendem a privilegiar o sexo masculino. Já no artigo “Feminist Methods in International Law” (1999), a Sra. Charlesworth destacou um elemento possível para a ascensão das críticas acerca da suposta instabilidade do direito internacional, que é o silenciamento das mulheres no cenário internacional. Para ela, as questões relacionadas aos direitos das mulheres deveriam ser colocadas na esfera pública, assim como se defende na política dos próprios Estados. 

Em igual sorte,vale destacar que a própria Sra. Charlesworth abordou no seu artigo “Feminists Reflections on the Responsibility to Protect” (2010), a baixa representatividade feminina no sistema ONU e, por consequência, na própria CIJ. Para compor a sua crítica, foi analisado o próprio Estatuto da CIJ que dispõe em seu artigo 3(1), necessidade de vedar a presença de juízes de mesma nacionalidade, contudo, nada dispõe acerca da igualdade de gênero, o que pode, de fato, refletir nas eleições da própria Corte, ao passo que de 110 juízes eleitos até a presente data, apenas 5 foram mulheres. [9]

Nessa senda, é inegável que as suas produções cientificas acerca dos debates de gênero caracteriza um avanço significativo ao direito internacional e, agora, à própria CIJ. Isso significa dizer que, a eleição da Sr. Charlesworth demonstra que a sociedade internacional está evoluindo e caminhando para uma maior equidade de gênero nas instituições internacionais, promovendo a eleição de mulheres defensoras dos direitos humanos e da equidade de gênero. Na atual composição, agora são 4 mulheres e 11 homens – o que nunca havia acontecido.

A questão que devemos fazer, portanto, é se haverá, de fato, um avanço intelectual nas decisões da CIJ? Para responder positivamente à questão, podemos analisar brevemente a própria opinião separada pela Sra. Charlesworth, no caso Japão v. Austrália (“Whaling in the Antarctic”) [10], caso este que outrora atuou como juíza ad hoc [11]. No referido caso, tratava-se da discussão acerca da caça de baleias na Antártica, sendo que para enfrentar a questão sobre a possibilidade ou não desta ação, a Sra. Charlesworth destacou a necessidade de se “provar” que o uso de métodos letais é indispensável para a pesquisa cientifica em baleias, do contrário, se estaria violando uma obrigação internacional. [12] Além disso, teceu naquela decisão que os tratados de direito ambiental internacional  deveriam ser interpretados à luz do princípio da precaução, alinhando-se ao pensamento do juiz brasileiro, Sr. Cançado Trindade, em que pese distanciando-se da maioria da Corte. [13]

Desta forma, espera-se que a sua chegada agregue à Corte, especialmente em áreas consideradas sensíveis no plano internacional. Acredita-se que a nova juíza da CIJ, Sra. Charlesworth, representará em conjunto aos demais juízes, um avanço intelectual nas decisões da Corte, tanto no âmbito de possíveis discussões acerca da reinterpretação do Direito de uma forma equitativa, quanto de estipulação de novas abordagens, dada sua experiência com inúmeras e distintas obras acerca do sistema ONU. [14]


 

[1] A professora recebeu 119 votos de um total de 190 votantes. O seu concorrente era o grego Linos-Alexander Sicilianos, que recebeu 71 votos em seu favor. Cf. UN. United Nations. General Assembly Elects Judge to International Court of Justice. New York, 5 nov. 2021. Disponível em: https://www.un.org/press/en/2021/ga12379.doc.htm. Acesso em: 09 jan. 2022.

[2] ICJ. International Court of Justice. United Nations General Assembly and Securtiy Council elect Ms Hilary Charlesworth as Member of the Court. 05 November 2021. Disponível em: https://www.icj-cij.org/public/files/press-releases/0/000-%2020211105-PRE-01-00-EN.pdf. Acesso em: 05jan. 2022.

[3] AGARWALLA, Shubhangi. Hilary Charlesworth’s Election as ICJ Judge is chance for others countries to reflect on nominations. The Wire, 2021. Disponível em:https://thewire.in/women/hilary-charlesworth-icj-judge. Acesso em: 05 jan. 2022.

[4] Em recente publicação Barr calcula que apenas 3,7% dos juízes apontados foram mulheres, tecendo que até a eleição da Sra. Charlesworth, foram 105 juízes homens, e apenas 4 mulheres (BARR, Heather. The International Court of Justice Should Have More Women Judges. Human Rights Watch, 29 out. 2021. Disponível em: https://www.hrw.org/news/2021/10/28/international-court-justice-should-have-more-women-judges. Acesso em: 09 jan. 2022). São elas: a Sra. Joan E. Donoghue (estadunidense, atual Presidente e que também ingressou na corte no lugar do então juiz, Sr. Thomas Buergenthal), a Sra. Xue Hanqin (outra componente atual do bench, de nacionalidade chinesa, que também ingressou na Corte no lugar do então juiz, Sr. Shi Jiuyong), a Sra. Julia Sebutinde, de Uganda, que serve a Corte desde 2012, e a inglesa Dame Rosalyn Higgins, que foi a primeira mulher a ser eleita, servindo de 1995 a 2009 (ICJ. International Court of Justice. All Members. s/d. Disponível em: https://www.icj-cij.org/en/all-members. Acesso em: 09 jan. 2022).

[5] Para maiores informações, é possível acessar o currículo vitae da Sra. Charlesworth em: https://www.icj-cij.org/public/files/press-releases/0/000-20211105-PRE-01-00-EN.pdf. Acesso em: 05 jan. 2022.

[6] ANU. Australian National University. Hilary Charlesworth awarded honorary degree. Canberra, 16 abr. 2016. Disponível em: https://regnet.anu.edu.au/news-events/news/6417/hilary-charlesworth-awarded-honorary-degree. Acesso em: 09 jan. 2022.

[7] ISA. International Studies Association. 2021 ISA Awards. Disponível em: https://www.isanet.org/Programs/Awards/2021-Award-Gallery. Acesso em: 09 jan. 2022.

[8] ILA. International Law Association. Yesterday, our Executive Council officially appointed […]. Londres, 14 nov. 2021, 6:22 AM. Twitter: @ILA_official. Disponível em: https://twitter.com/ILA_official/status/1459813958504927238. Acesso em: 09 jan. 2022.

[9] Em um estudo comparativo entre Cortes e Tribunais Internacionais, é possível apontar a disposição contida no Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI), que prevê no seu artigo 36(8)(a)(iii), a necessidade de uma representação justa de juízes do sexo feminino e do sexo masculino nas eleições. Destaca-se que essa previsão é eficaz, ao passo que há uma divisão igualitária no TPI. ICC, International Criminal Court. Rome Statute of the International Criminal Court. Disponível em: https://www.icc-cpi.int/Publications/Rome-Statute.pdf. Acesso em: 05 jan. 2021.

[10] ICJ. International Court of Justice. Australia v. Japan: New Zealand intervening (“Whaling in the Antarctic”). Judgment of 31 March 2014. Disponível em: https://www.icj-cij.org/en/case/148. Acesso em: 05 jan. 2022.

[11] A Sra. Charlesworth também serviu como juíza ad hoc no caso entre Guiana v. Venezuela (“Arbitral Award of 3 October 1899”). Cf. ICJ. International Court of Justice. Arbitral Award of 3 October 1899 (Guyana v. Venezuela). Judgment of 18 December 2020. Disponível em: https://www.icj-cij.org/en/case/171. Acesso em: 09 jan. 2022. 

[12] ICJ. International Court of Justice. Australia v. Japan: New Zealand intervening (“Whaling in the Antarctic”). Judgment of 31 March 2014. Separate Opinion of Judge ad hoc Charlesworth. Disponível em: https://www.icj-cij.org/public/files/case-related/148/148-20140331-JUD-01-11-EN.pdf. Acesso em: 05 jan. 2022.

[13] ICJ. International Court of Justice. Australia v. Japan: New Zealand intervening (“Whaling in the Antarctic”). Judgment of 31 March 2014. Separate Opinion of Judge ad hoc Charlesworth. Disponível em: https://www.icj-cij.org/public/files/case-related/148/148-20140331-JUD-01-11-EN.pdf. Acesso em: 05 jan. 2022.

[14] Além das obras citadas ao longo do texto, a Sra. Charlesworth é autora de “The Boundaries of International Law: A Feminist Analysis” (2000) [neste, a professora inclusive escreveu que a eleição de mulheres à Corte teria um efeito não apenas simbólico, como também educativo na medida em que ressalta a validade da presença de mulheres no mais prestigiado tribunal internacional. PEART, Isabelle. Reflections on Hilary Charlesworth’s Appointment to the International Court of Justice. ILA Reporter, 16 nov. 2021. Disponível em: https://ilareporter.org.au/2021/11/reflections-on-hilary-charlesworths-appointment-to-the-international-court-of-justice-isabelle-peart. Acesso em: 10 jan. 2022]; “The Role of International Law in Rebuilding Societies after Conflict: Great Expectations” (2009); “Strengthening the Rule of Law through the UN Security Council” (2016); e, etc.