Cortes Regionais de Direitos Humanos | Fevereiro 2021

Corte Africana de Direitos Humanos

Durante o mês de fevereiro de 2021, a Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos promoveu três julgamentos de mérito, uma decisão de medidas provisórias e recebeu dois novos casos. Os julgamentos de mérito realizados foram: caso 054/2016 Mhina Zuberi v. United República Unida da Tanzânia, caso 004/2016 Evodius Rutechura v. República Unida da Tanzânia e caso 022/2016 Mussa Zanzibar v. República Unida da Tanzânia (todos realizados em 26/02/2021). A decisão de medidas provisórias foi no caso 054/2020 Bashiru Rashid Omar v. República Unida da Tanzânia (decisão de 26/02/2021). Os novos casos recebidos pela Corte foram: caso 004/2021 Kouadio Kobena Fory v. República da Costa do Marfim (registrado em 18/02/2021) e caso 005/2021 Ahmad Ben Mohamed Ben Brahim Belgheith v. República da Tunísia (registrado em 24/02/2021).

 

Julgamentos de mérito:

1.Mhina Zuberi v. República Unida da Tanzânia

O requerente é um nacional da Tanzânia que, em 2014, foi condenado pelo crime de estupro à pena de 30 anos de prisão. Houve recurso perante os tribunais recursais da Tanzânia, porém a sentença foi mantida em todas as instâncias. O requerente argumenta perante a Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos que houve violação ao seu direito a um julgamento justo, partindo das alegações de que não houve assistência jurídica adequada durante o processo criminal, houve violação ao direito de convocar testemunhas de defesa e as provas do caso teriam sido avaliadas incorretamente.
A Corte reconheceu a violação do Estado requerido ao direito de assistência jurídica gratuita, o que significa que houve violação a um julgamento justo, uma vez que o particular não foi representado por advogado durante o processo criminal, em afronta direta ao artigo 7º, parágrafo 1º, alínea “c” da Carta Africana dos Direitos Humanos e do Povos. Neste sentido, a Corte também levou em consideração o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que estabelece o direito à assistência jurídica gratuita quando uma pessoa é acusada de ofensas criminais graves e não tem condições de arcar com representação legal (artigo 14, parágrafo 3, alínea “d”). Por outro lado, a Corte não reconheceu a alegação de que houve violação ao direito de convocar testemunhas de defesa devido à falta de evidência que demonstrasse qualquer impedimento para que a testemunha de defesa fosse ouvida. Também não foi reconhecida a alegação de que as provas do caso teriam sido avaliadas incorretamente, pois não foram verificadas irregularidades no procedimento dos tribunais domésticos que resultassem em graves erros judiciais que suscitassem a intervenção da Corte.
Por fim, a Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos determinou o pagamento de reparações por dano moral em compensação pela violação ao direito de assistência jurídica gratuita por parte do Estado requerido. Entretanto, apesar de reconhecer que houve violação a um julgamento justo, a Corte decidiu que a natureza da violação no caso analisado não revela circunstâncias que signifiquem que a prisão foi resultado de um erro judiciário ou de uma decisão arbitrária, de modo que foi negado o pedido de que o requerente fosse solto.

2. Evodius Rutechura v. República Unida da Tanzânia

O requerente é um cidadão da Tanzânia que, ao tempo do envio da denúncia estava no “corredor da morte”, após ter sido condenado à pena de morte pelo crime de homicídio. O autor se baseia na alegação de que não houve um julgamento justo, uma vez que teria sido negado a assistência jurídica gratuita nas cortes domésticas, além de alegados erros de procedimentos pelos tribunais recursais do país. Entretanto, a Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos negou o reconhecimento a todas as alegações, pois houve adequada assistência jurídica, bem como não houve qualquer erro na análise das evidências ou no procedimento recursal que significasse qualquer violação ao direito a um julgamento justo, nos termos do artigo 7º, parágrafo 1º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.

3. Mussa Zanzibar v. República Unida da Tanzânia

O requerente foi condenado à pena de 30 anos de prisão pelo crime de estupro e alega que foi violado o seu direito a um julgamento justo, em decorrência de supostos erros no julgamento pelos tribunais domésticos, além da falta de assistência jurídica gratuita e adequada.
Após analisar as evidências do processo criminal e o procedimento realizado pelo Poder Judiciário do país requerido na condução do caso, a Corte decidiu que não houve erro judiciário no julgamento que pudesse resultar em uma decisão arbitrária. Por outro lado, a Corte reconheceu a alegação do requerente sobre afronta ao direito de assistência jurídica adequada e gratuita, em direta violação ao artigo 7º, parágrafo 1º, alínea “c” da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, bem como do artigo 14, parágrafo 3º, alínea “d” do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Em decorrência da violação verificada, a Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos determinou o pagamento de dano moral ao requerente como reparação pela violação ao direito de assistência jurídica adequada. Devido à natureza das violações reconhecidas no caso, a Corte não determinou qualquer outro tipo de reparação.

Medidas provisórias:

1. Bashiru Rashid Omar v. República Unida da Tanzânia

A única decisão de medidas provisórias emitida pela Corte durante o mês de fevereiro diz respeito ao requerente, cidadão da Tanzânia, que se encontra encarcerado após a sua condenação à pena de morte pelo crime de homicídio. O requerente alega ser vítima de violações ao direito à vida (artigo 4º), à dignidade (artigo 5º) e a um julgamento justo (artigo 7º). A Corte reconheceu que o caso apresenta uma situação de gravidade e urgência, além de risco a um dano irreparável, de modo que ordenou que o país não execute a pena de morte até o julgamento do mérito.

Corte Europeia de Direitos Humanos

Ao longo do mês de fevereiro de 2021, a Corte Europeia de Direitos Humanos julgou três casos considerados de impacto 1 na Grand Chamber, conforme os graus de importância estabelecidos pela própria Corte Europeia. Significa que se trata de um case report ou key case. Trataremos dos casos destacados pela própria Corte. 

1. CASO HANAN v. GERMANY, n.  4871/16 – Decisão proferida em 16.02.2021

Trata-se da investigação de mortes de civis causadas por um ataque aéreo ordenado durante uma fase de hostilidades ativas de um conflito armado extraterritorial, em que se discute a competência exclusiva da Alemanha com relação a crimes graves cometidos por suas tropas e obrigação de investigar de acordo com o Direito Internacional Humanitário (DIH) e o direito interno e a impossibilidade legal de as autoridades afegãs abrirem uma investigação.
O caso teve origem por meio do requerimento no. 4871/16 contra a República Federal da Alemanha apresentado ao Tribunal nos termos do Artigo 34 da Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (“a Convenção”) por um nacional afegão, Abdul Hanan, em 13 de janeiro de 2016. 
O requerente alegou que o Estado requerido não conduziu uma investigação eficaz, conforme exigido pela parte processual do artigo 2.º da Convenção, sobre um ataque aéreo ocorrido em 4 de setembro de 2009 perto de Kunduz, Afeganistão, que matou, entre outros, dois filhos do requerente. Baseando-se no Artigo 13 da Convenção em conjunto com o Artigo 2 da Convenção, o requerente alegou ainda que não tinha um recurso interno efetivo para contestar a decisão do Procurador-Geral Federal Alemão (Generalbundesanwalt) de interromper a investigação criminal.
A Corte, no entanto, entendeu que não houve a violação do artigo 2º da Convenção, por unanimidade.

2. CASO DE V.C.L. e A.N. v. REINO UNIDO, ns.  77587/12 e 74603/12. Decisão proferida em 16.02.2021

Trata-se de pedido de duas vítimas de tráfico internacional para exploração criminosa. Nasceram em 1994 e 1992, no Vietnã, e relataram terem sido traficados para o Reino Unido respectivamente. Ambos foram localizados em diligência da polícia britânica antidrogas, trabalhando como jardineiros em uma fábrica ilegal de cannabis. Em 6 de maio de 2009, o primeiro requerente foi descoberto pela polícia em um endereço em Cambridge durante a execução de um mandado de segurança antidrogas. O endereço era uma casa convertida em uma sofisticada fábrica de cannabis. Alegou sua menoridade e relatou ter sido traficado para o Reino Unido por seu pai adotivo, e que ao chegar encontrou dois cidadãos vietnamitas que o levaram ao endereço em Cambridge, e que embora ele percebesse que a maconha estava sendo cultivada lá, ele não sabia que era ilegal. O outro requerente foi localizado em uma ação policial de 21.04.2009 e negou sua menoridade de início. Foram beneficiários da assistência judiciária gratuita. 
O estado foi condenado pela violação dos artigos 4 e 6, §1º da Convenção:

Art. 4. Obrigações positivas. Falha das autoridades nacionais em tomar medidas operacionais de acordo com os padrões internacionais para proteger menores processados apesar de suspeitas credíveis de que eram vítimas de tráfico. Nenhuma avaliação inicial imediata do status de tráfico. 

Art. 6 § 1 (criminal). Falha em investigar o status dos requerentes como potenciais vítimas de tráfico afetando a justiça geral do processo penal. Provas que constituem o aspecto fundamental de sua defesa não garantidas. Nenhuma renúncia por meio de confissões de culpa não feitas com pleno conhecimento dos fatos. Defeito não foi sanado por revisões subsequentes por autoridades nacionais.

3. Caso de BUDINOVA e CHAPRAZOV v. BULGÁRIA, no 12567/13). Decisão proferida em 16.02.2021

O caso se refere a uma reclamação ao abrigo dos artigos 8 e 14 da Convenção que indeferiu um pedido apresentado pelos requerentes. Cidadãos búlgaros de origem étnica cigana. Ao abrigo da legislação anti-discriminação, mediante a qual tinham pedido uma ordem judicial contra um conhecido jornalista e político, Sr. Volen Siderov, obrigando-o a: (a) desculpar-se publicamente por uma série de declarações públicas nas quais ele teria estereotipado ciganos negativamente na Bulgária de uma forma grosseira e, (b) abster-se de fazer tais declarações no futuro, pois os tribunais búlgaros falharam na sua obrigação positiva de garantir o respeito pela “vida privada” dos candidatos.
Por unanimidade, o Estado foi condenado pela violação do artigo 14 (combinado com o Art. 8º) envolvendo discriminação e vida privada, incumprimento dos tribunais nacionais para cumprir a obrigação positiva de indenizar os requerentes de etnia cigana por declarações discriminatórias feitas por líderes de partido político. Artigo 8º que é aplicável, visto que o efeito negativo das declarações atingiu um “certo nível ou limiar de severidade”, considerando as características do grupo, o conteúdo das declarações e a forma e contexto. Nenhum equilíbrio justo entre interesses concorrentes em jogo, tendo em devida conta a jurisprudência do Tribunal.

4. CASO DE BEHAR E GUTMAN v. BULGÁRIA, no.  29335/13. Decisão proferida em 16.02.2021

A Sra. Gabriela Aron Behar e Sra. Katrin Borisova Gutman, nacionais búlgaras de origem étnica judaica, ao abrigo da legislação anti-discriminação, apresentaram em 23 de abril de 2013 a petição (no. 29335/13) contra a República da Bulgária, fundamentadas no artigo 34 da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, queixas relativas à alegada falha das autoridades búlgaras em indenizar as requerentes com relação a várias declarações públicas feitas pelo Sr. Volen Siderov a respeito do povo judeu, pretendendo que  o  Estado o compelisse a: (a) desculpar-se publicamente por uma série de declarações antissemitas públicas que fez, e (b) abster-se de fazer tais declarações no futuro. Alegaram que os tribunais búlgaros falharam em sua obrigação positiva de garantir o respeito pela “vida privada”.
Por unanimidade, o Estado foi condenado pela violação ao artigo 14 (combinado com o Artigo 8) que envolvem discriminação e vida privada. Falha dos tribunais nacionais em cumprir a obrigação positiva de pagar indenização a candidatos judeus por declarações antissemitas feitas por líderes de partido político. O artigo 8 é aplicável em razão do efeito negativo das declarações, que atingiu um “certo nível ou limiar de severidade”, considerando as características do grupo, o conteúdo das declarações e a forma e contexto. Nenhum equilíbrio justo entre interesses concorrentes em jogo, tendo em devida conta a jurisprudência do Tribunal.

5. CASO de Jurcic V. Croácia, no. 54711/15. Decisão proferida em 04.02.2021

Esse caso analisa uma discriminação de gênero, em que se recusou oferecer uma colaboração financeira para mulheres grávidas ou melhores condições para durante a gravidez por parte do Estado. Seu julgamento parte da análise do artigo 14 (+ Art P1), e envolve pontos como: Discriminação sexual direta injustificada pela recusa de benefícios relacionados com o emprego a mulheres grávidas submetidas a tratamento in vitrofertilização pouco antes do emprego; Obrigações financeiras impostas a um Estado durante a gravidez de uma mulher incapazes de justificar a diferença de tratamento com base no sexo; Caráter problemático das medidas de verificação de seguro frequentemente dirigidas a mulheres grávidas e mulheres que celebraram um contrato de trabalho em estágio avançado de durante a gravidez ou com familiares próximos; Proteção das mulheres relacionadas com o trabalho durante a gravidez para não depender de a sua presença no trabalho durante a maternidade ser essencial para o bom funcionamento do empregador ou se estão temporariamente impedidas de exercer o seu trabalho; Proteção à maternidade e medidas essenciais para defender o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres empregados; Conclusão das autoridades de que a fertilização in vitro tornou a requerente clinicamente incapaz de aceitar um emprego, o que equivale a desencorajá-la de procurar emprego devido a uma possível gravidez e indicativo de estereótipos de gênero, em violação direta ao direito nacional e internacional. 
O Estado foi condenado pela violação dos artigos 14 + P1-1-1 – Proibição de discriminação (Artigo 14 – Discriminação) – (Artigo 1 do Protocolo nº 1 – Proteção de propriedade, Artigo 1 parágrafo 1 do Protocolo nº 1 – Fruição pacífica de bens), Dano pecuniário – indeferimento do pedido (Artigo 41 – Dano pecuniário – apenas satisfação), Dano imaterial – sentença (Artigo 41 – Dano imaterial apenas satisfação).

6. CASO de Xhoxhaj V. Albânia, no 15227/19. Decisão proferida em 09.02.2021.

Esse caso tinha como foco analisar a corrupção por parte de juízes e demais profissionais nos tribunais. 
E tinha como foco a análise dos artigos: Artigo 6 § 1 (civil). Órgãos criados para examinar juízes e promotores em exercício para combater a corrupção, constituindo tribunais independentes e imparciais estabelecidos por lei. Salvaguardas suficientes. Não representação de juízes de serviço consistente com a natureza extraordinária e o espírito do processo de escrutínio, acompanhado de requisitos de elegibilidade rígidos. Jurisdição de revisão completa da Câmara de Recurso. Art. 6 § 1 (civil). Audiência justa. Ausência de limitação legal para a avaliação de ativos que não viole o princípio da segurança jurídica dada a sua natureza e contexto sui generis.  Artigo 6 § 1 (civil). Audiência justa. Informações, tempo e instalações adequadas para preparar a defesa adequada, com avaliação e razões suficientes para as decisões dos órgãos de verificação. Natureza do processo que não exige uma audiência pública em recurso.  Artigo 8. Vida privada. Demissão justificada do juiz do Tribunal Constitucional com base em conclusões individualizadas da avaliação de ativos. Proibição vitalícia proporcional de reingressar no sistema de justiça por violação ética grave
A CEDH entendeu, no entanto, que não houve violação aos artigos supracitados.

7. CASO do X e outros Vs. Bulgária, no 22457/16. Decisão proferida em 02.02.2021

O caso trata de um abuso sexual em um orfanato, sendo alegado e investigado após a adoção de algumas crianças para o exterior. Entretanto, o caso foca na ausência de dados que a Bulgária compartilhou para a investigação do caso. 
Teve como base a análise dos artigos: Artigo 3 (processual). Investigação eficaz. Falha em usar todas as medidas de investigação e cooperação internacional razoáveis durante o exame de abuso sexual em um orfanato alegado após a adoção de crianças no exterior. Obrigação processual de ser interpretada à luz dos instrumentos internacionais, especificamente o Conselho de Europa “Convenção de Lanzarote”. A falha das autoridades búlgaras para fornecer os candidatos ‘pais estrangeiros com informações e apoio necessários, deixando-os impossibilitados de tomar parte ativa ou apelar até muito depois de concluídas as investigações. Entrevistas com outras crianças do orfanato não adaptadas à sua idade e maturidade e não gravadas em vídeo. Ausência de avaliação da necessidade de solicitação entrevistas com os candidatos.  Falha em investigar alegados abusos de e por outras crianças que já haviam deixado o orfanato. Falha em considerar o uso proporcional de medidas de investigação secretas. Autoridades que procuram estabelecer que as alegações dos candidatos foram falsas, em vez de esclarecer tudo fatos relevantes.  Art 3 (substantivos). Obrigações positivas. Quadro legislativo e regulamentar adequado para o Estado cumprir o dever positivo de proteção das crianças vulneráveis no atendimento do abuso sexual, na ausência de informações suficientes ao contrário. Nenhuma evidência de funcionários ou autoridades de suposto abuso, o que poderia desencadear a obrigação de tomar medidas operacionais preventivas. 
E concluiu-se: Rejeição de objeção preliminar (Art. 35). Critérios de admissibilidade (Art. 35-3-a). Abuso do direito de aplicação. Nenhuma violação do Artigo 3. Proibição da tortura (Artigo 3 – Tratamento degradante, Tratamento desumano, Obrigações positivas). Aspecto substantivo. Proibição da tortura – (Artigo 3 – Investigação efetiva/Aspecto processual) e Dano imaterial – sentença (Artigo 41 – Dano imaterial, apenas satisfação).