Núcleo de Estudos em Tribunais Internacionais
Faculdade de Direito
Universidade de São Paulo
Largo de São Francisco, 95
Sé – São Paulo, SP
01006-020
Cortes Regionais de Direitos Humanos | Janeiro 2021
Corte Africana de Direitos Humanos

Durante o mês de janeiro de 2021, a Corte Africana dos Direitos Humanos e dos Povos não emitiu nenhuma decisão ou julgamento de mérito. Houve apenas o recebimento de dois casos: o caso 002/2021 Sébastien Germain Marie Aikoué Ajavon v. República do Benin (registrado em 03/01/2021) e o caso 003/2021 XYZ (pessoa anônima) v. República do Benin (registrado em 19/01/2021).
Corte Europeia de Direitos Humanos

Ao longo do mês de janeiro de 2021, a Corte Europeia de Direitos Humanos julgou três casos considerados de impacto 1 na Grand Chamber, conforme os graus de importância estabelecidos pela própria Corte Europeia. Significa que se trata de um case report ou key case. Trataremos dos casos destacados pela própria Corte.
1. CASO Geórgia v. Rússia n. 38263/08 – Decisão proferida em 15.01.2021
Trata-se de uma demanda interestatal (art. 33 da Convenção), decorrente de conflito armado entre a Geórgia e a Rússia, em 2008, e a forte tensão e provocação entre os países. Geórgia alega que militares russos e/ou integrantes das forças separatistas sob controle russo atacaram indiscriminadamente civis e suas propriedade, cometendo crimes desproporcionais, resultando em centenas de civis feridos, mortos ou detidos. Milhares de civis tiveram os seus bens e casas destruídos e mais de 300.000 pessoas foram obrigadas a deixar a Abkhazia e a Ossétia do Sul. Esses atos teriam violado os artigos 2 (direito à vida), 3 (proibição de tortura e tratamentos desumanos e degradantes), 5 (direito à liberdade e segurança), 8 (direito a respeito pela vida privada e familiar) e 13 (direito a um recurso efetivo) da Convenção, bem como Artigos 1 e 2 do Protocolo nº 1 (proteção da propriedade/direito à educação) e artigo 2 do Protocolo nº 4 (liberdade de movimento).
Basicamente, a Corte considerou – além da análise de questões sobre jurisdição, por 16 votos a 1, violados os artigos 2, 3 e 8 da Convenção e o artigo 1 do Protocolo nº 1, pois, para a Corte, desde o momento em que a Rússia exerceu “controle efetivo” sobre os territórios, depois da condução ativa das hostilidades, o Estado foi responsável pelas ações cometidas, inclusive compreendidas como “tratamento desumano e degradante”, tendo em vista os “sentimentos de angústia sofridos pelas vítimas”. Considerou, unanimemente, a violação dos artigos 3 e 5 sobre o tratamento de detidos civis e legalidade de sua detenção e também por 16 votos a violação ao artigo 3, com relação ao tratamento de prisioneiros de guerra. Com relação ao artigo 2 do Protocolo nº 4 que trata sobre a liberdade de movimento de pessoas deslocadas, a Corte entendeu (16 x1) que as pessoas não puderam retornar as suas casas, pois estavam situadas em locais sob o “controle efetivo” russo. A Corte também entendeu, por unanimidade, que foi violado o artigo 2 do Protocolo nº 1, com relação à alegação de “saque e destruição de escolas e bibliotecas públicas e intimidação de alunos e professores de etnia georgiana”. A Rússia, por fim, pelo entendimento da Corte (16 x1), também teria violado o artigo 2, no que tange à obrigação de investigar os crimes de guerra ocorridos durante a “fase ativa das hostilidades”.
2. CASO Trivkanović v. Croácia n. 54916/16 (nº 2) – Decisão proferida em 21.1.2021
O caso, agora tendo como requerentes os netos da requerente croata Stoja Trivkanović que faleceu em 12/2019, diz respeito à negativa de reabertura de uma ação civil de indenização contra o Estado, em 2006, em decorrência do surgimento de novas provas com relação à morte do marido (encontrado morte à tiros no rio Sava) e o desaparecimento de seus dois filhos (declarados mortos em 2005), após a entrada da polícia de Sisak, em agosto de 1991, na casa de um de seus filhos. A justiça local havia entendido que o direito à uma indenização estava prescrito.
Dez anos após o incidente, uma pessoa foi acusada de crime de guerra e liderava a unidade da polícia que teria cometido diversos crimes contra a população civil, incluindo os familiares da Requerente. Esses fatos novos fundamentaram o pedido para a reabertura do processo em 2014, mas foi negado pela justiça local por falta de nexo causal. A principal alegação da requerente estava pautada no fato de que, conforme a lei croata, os crimes de guerra constituiriam uma condenação penal e esta poderia ter um prolongamento dos prazos de prescrição, especialista, considerando que crimes de guerra são imprescritíveis.
A CEDH afirmou não poder agir como quarta instância, mas que havia forte presunção de causalidade entre a morte e desaparecimento dos filhos com a condenação do acusado. Entendeu que o ônus da prova deveria recair sobre as autoridades e não o inverso e que “constituiria um nível de prova inatingível para a recorrente, o que era particularmente inaceitável tendo em conta a gravidade dos fatos em causa”. Assim, com base no artigo 6 § 1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos que garante o direito a um julgamento justo, a CEDH, por unanimidade, entendeu que foi negado à requerente o acesso justo a um Tribunal e condenou a Croácia ao pagamento de uma satisfação justa no valor de 12.500 euros a título de danos imateriais e 2.000 euros para custos e despesas.
3. CASO Lacatus v. Suiça v. Croácia n. 14065/15 – Decisão proferida em 19.1.2021
O requerente, pobre, analfabeto e desempregado, foi considerado culpado de mendicância e lhe foi aplicada uma multa no valor de 500 francos suíços e condenado à pena de prisão de cinco dias em caso de falta de pagamento. Ele pertencia a uma comunidade cigana e, em razão de não ter pagado a multa, foi preso. A CEDH analisou se o artigo 8 da Convenção poderia ser aplicado e afirmou jamais ter sido decidido um caso como este. Também destacou que não há um consenso no Conselho da Europa sobre este tema. A Corte entendeu que a mendicância é “um modo de vida particular para superar uma situação desumana e precária” e que é preciso analisar as circunstâncias peculiares para alcançar o espírito da Convenção baseada no princípio da dignidade humana.
A CEDH entendeu que ao proibir a mendicância, foi obstada a possibilidade do requerente de pedir e receber ajuda para sua subsistência e que esse direito estaria abarcado pelo artigo 8 da Convenção que garante o direito à vida privada. A Corte salientou ser necessário analisar a natureza da mendicância (se é agressiva, se envolve exploração de menores etc.) e encontrar o equilíbrio com relação aos direitos de terceiros e a garantia de ordem e do interesse público. Afirmou também que no caso em tela, o requerente estava em situação de extrema vulnerabilidade e que a aplicação de uma pena privativa de liberdade seria grave, devendo ser aplicada somente em casos em que esteja justificado seu uso e quando não houver outras medidas menos restritivas que possam alcançar os mesmos resultados, ou seja, a medida precisa ser proporcional e necessária em uma sociedade democrática. Assim, por unanimidade, a CEDH entendeu que houve a violação do artigo 8 da CEDH.
Corte Interamericana de Direitos Humanos

Janeiro: durante o mês de janeiro, a Corte publicou duas resoluções sobre supervisão de cumprimento de sentença: Caso Rosadio Villavicencio Vs. Perú (28/01/2021) e Caso Ximenes Lopes Vs. Brasil (28/01/2021).
Supervisão de Cumprimento de Sentença
1. Caso Rosadio Villavicencio vs. Peru: a Corte entendeu que o Estado requerido incorreu em violação às garantias judiciais, ao princípio do bis in idem e à liberdade pessoal do requerente, condenado em processo penal ordinário, processo penal militar e procedimento administrativo militar, ordenando a anulação das sentenças destes processos. Analisando o cumprimento da referida sentença, a resolução aponta que o Estado cumpriu adequadamente as medidas relativas à publicação e difusão da sentença e de seu resumo oficial, mantendo em aberto o procedimento de supervisão para análise em futura resolução sobre a adoção das medidas judiciais e administrativas cabíveis para anular as sentenças dos processos que causaram as reconhecidas violações contra os direitos dos requerentes.
2.Caso Ximenes Lopes Vs. Brasil: no julgamento do caso, a Corte Interamericana reconheceu que o Estado brasileiro foi responsável pelas violações à vida e à integridade física sofridas pela vítima, pessoa com deficiência mental, que foi morta em decorrência de agressões e maus tratos pela equipe médica da Casa de Repouso Guararapes (CE). Na sentença, a Corte ordenou diversas medidas de reparação, como a obrigação de investigar e punir os responsáveis pelos fatos e de desenvolvimento de um programa de capacitação de profissionais atuantes na saúde mental, analisados nesta resolução de supervisão. A resolução aponta que o Brasil cumpriu adequadamente a sua obrigação de garantir, em prazo razoável, que o processo interno para investigar e punir os responsáveis pelos fatos tivesse seus devidos efeitos, declarando concluída a supervisão neste ponto, mantendo em aberto o procedimento de supervisão sobre cumprimento da medida de reparação relativa ao desenvolvimento de um programa de formação e capacitação para médicos, psiquiatras, psicólogos, enfermeiros e para todos os profissionais vinculados a assistência de saúde mental, sobre os princípios que devem nortear o trato de pessoas com deficiências mentais. A Corte também convocou o Brasil, os representantes das vítimas e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos para uma audiência pública de supervisão de cumprimento de sentença que ocorreu em 23/04/2021.