Uma Introdução ao Tribunal Internacional do Direito do Mar

Case no. 27: the Courtroom | ITLOS Photo

O Direito do Mar é um dos mais antigos e dinâmicos ramos do Direito, com profunda vinculação ao Direito Internacional Público, sendo que ambos por vezes se confundem. Seu estudo deve, portanto, partir de uma perspectiva de integração e de desenvolvimento do Direito Internacional, à medida que vários dos princípios do Direito Internacional inclusive tem origem no Direito do Mar.

Este ramo é fundamental para proteger interesses estratégicos, com base nessa premissa e, ainda que de forma tardia, sobreveio a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, também conhecida como Convenção de Montego Bay, entrou em vigor em 1994, e hoje conta com a adesão de 168 partes.

O Direito do Mar representa um papel importantíssimo nas relações internacionais ao delimitar a soberania dos Estados e estabelecer zonas jurisdicionais no espaço oceânico. Além disso, prevê os direitos e as obrigações de Estados e outros sujeitos nessas zonas, de forma a coordenar interesses. Para tanto, se faz necessário a Cooperação Internacional entre os Estados, sendo condição sine qua non para a preservação das relações marítimas e da conservação do meio ambiente marinho.

É nesse contexto que surge o Tribunal Internacional do Direito do Mar, mais conhecido pela sigla em inglês, ITLOS – International Tribunal for the Law of the Sea, cuja jurisdição é internacional e foi constituído pela Convenção de Montego Bay. Sendo que inclusive aqueles que não assinaram a Convenção podem aceitar a sua jurisdição.

 

Apanhado Histórico

A formação das sociedades e dos Estados tiveram determinante influência dos mares e oceanos sendo, portanto, fundamentais para a sobrevivência humana. Dado ao uso cada vez maior dos oceanos, e a intensidade das atividades marítimas, exige-se, para tanto, dispositivos que regulem estas relações. Estes dispositivos compõem o que se chama Lei Internacional do Mar e vinculam Estados e sujeitos, podendo ser considerado um dos ramos mais antigos do Direito Internacional Público.

No Direito Internacional clássico, podemos observar que as normas têm origem, sobretudo, no direito consuetudinário e, levando para o Direito do Mar, estavam resumidas à costa dos Estados. Essas normas visavam garantir o pleno exercício da soberania desses Estados, não comportando qualquer tipo de flexibilização.

Hugo Grócio, em 1609, propôs e defendeu o mare liberum, ou seja, que os mare não eram suscetíveis de apropriação pelos Estados, sendo a navegação um direito comum de todos.[1] Essa ideia foi contestada por John Selden, em 1635, que defendia que, nas proximidades do território, prevaleceria o direito de propriedade, sendo apropriável.[2]

Aos poucos, o princípio da liberdade dos mares foi se consolidando, bem como o foi a costa dos Estados, cujos limites da soberania e do mar territorial eram delimitados.  Dessa forma, até o início do século XX ambos os entendimentos estavam vigendo: de um lado, a costa dos Estados estava submetida aos limites da soberania destes e, de outro lado, prevalecia a livre navegação em alto mar.[3]

As mais recentes discussões sobre o Direito do Mar, estão o desenvolvimento tecnológico das embarcações, a ampliação da área pesqueira e a extração de riquezas em ambientes marinhos (incluindo a questão das plataformas continentais).

Após intensas discussões, em 1982, é aprovado o texto da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, conhecida como “Convenção de Montego Bay”, realizada na Bahia de Montego, Jamaica. Esse texto só veio a entrar em vigor em novembro de 1994. A Convenção de Montego Bay traz à baila dispositivos que tratam sobre a plataforma continental, zona econômica exclusiva, zona contígua e espaços marítimos.

E é nesse contexto que surge, através da referida Convenção, o Tribunal Internacional do Direito do Mar, buscando suprir a necessidade de um órgão que pudesse dirimir querelas entre diversos atores sobre a utilização dos espaços marinhos.

 

Composição e Estrutura do Tribunal

A Corte é composta por 21 membros aos quais ingressam ao Tribunal através de uma votação secreta por parte dos Estados signatários da Convenção de Montego Bay. A votação possui um sistema equitativo, baseando-se em um critério de distribuição geográfica, sendo que não poderá haver menos de 3 membros de cada um dos grupos geográficos, que são Estados Africanos, Estados da Europa Ocidental e outros, Estados Latino-Americanos e Caribe, Estados Asiáticos e Estados do Leste Europeu.

Além disso, não poderá haver mais de 2 membros da mesma nacionalidade, para assegurar uma distribuição geográfica equitativa e para garantir um pluralismo nas representações dos diversos sistemas jurídicos do mundo. O mandato é de 9 anos, podendo os membros concorrerem a uma reeleição. A votação ocorre a cada 3 anos, renovando um terço dos membros.

Acerca da estrutura do Tribunal para facilitar o julgamento das demandas levadas a corte, existem Câmaras Especiais que julgam as demandas de acordo com a matéria, são elas, a Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos, Câmara de Procedimento Sumário, a Câmara de Disputas de Pesca, a Câmara de Disputas sobre o Meio Marinho e a Câmara de Disputas de Delimitação Marítima.

 

Competência e Jurisdição da Corte

Conforme o artigo 21 do Estatuto do Tribunal, a Corte tem competência para julgar qualquer disputa, controvérsia ou solicitações sobre a interpretação ou aplicação da Convenção do Mar ou outros acordos firmados no seio da mesma Convenção. Portanto, o Tribunal pode julgar desde demandas envolvendo o meio ambiente marinho, a conflitos de delimitação de fronteiras marítimas, bem como demandas que envolvem embarcações, navegação marítima, entre outros.

Além disso, o Tribunal tem competência para emitir parecer e opinião consultiva em casos sobre acordos internacionais que se relacionam com às finalidades da Convenção de Montego Bay.

O Tribunal do Mar se difere de outras jurisdições internacionais por apresentar uma pluralidade de indivíduos que podem pleitear suas demandas na Corte, não se limitando somente a Estados, mas podendo também órgãos governamentais, empresas privadas, pessoas naturais, entre outros, ingressar com suas demandas no Tribunal do Mar,[4] a depender do conteúdo da lide e do órgão julgador na estrutura do ITLOS.

As decisões emitidas pelo ITLOS são de cunho definitivas, portanto devem ser obedecidas por todas as partes envolvidas na controvérsia, o que significa que elas possuem caráter obrigatório.[5]

Atualmente, o Tribunal já recebeu 29 casos, sendo 2 ainda pendentes, versando sobre temas como liberação de embarcação, delimitação territorial, proteção do meio ambiente, pesca, entre outros.

As sentenças dos casos são fonte para a criação de um posicionamento jurisprudencial, que serve como uma premissa para o julgamento de outros casos, por parte do tribunal ou de outra Corte. Além disso, serve como diretriz para a interpretação do Direito Internacional.[6]

Muitos podem considerar que o ITLOS ainda julgou pouco casos, mas o Tribunal demonstra a sua contribuição para o Direito Internacional, por meio de uma sólida jurisprudência, a qual contribui para desenvolvimento e interpretação não só do Direito do Mar, mas do próprio Direito Internacional.

O ITLOS, através de uma atuação interdisciplinar, garante a efetivação dos dispositivos da Convenção, na busca da proteção dos interesses da humanidade, e, pari passu, garantindo a manutenção dos interesses estratégicos dos Estados.

 


 

[1] Wagner Menezes. O direito do mar. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2015.

[2] Ibid.

[3] Ibid.

[4] Ibid.

[5] Ibid.

[6] Ibid.