Cães e humanos são os únicos animais a reconhecerem emoções de outra espécie
Por Valéria Dias, para Agência USP de Notícias
Quem tem cachorro sabe que, muitas vezes, o melhor amigo do homem parece entender o que dizemos e como nos sentimos. Estudo da bióloga Natalia de Souza Albuquerque, do Instituto de Psicologia (IP) da USP, comprovou o que antes era desconfiança: esses animais conseguem, além de diferenciar, reconhecer expressões emocionais de raiva e alegria tanto em seres humanos como em outros cães. “Obtivemos, com este estudo, a primeira evidência científica de que essa habilidade está presente também em animais não primatas”, destaca a pesquisadora.
Natalia explica que os primatas, como chimpanzés e macacos Rhesus, são capazes de reconhecer emoções, mas apenas entre si. O estudo mostrou que os cães também fazem isso. Entretanto, até então, apenas seres humanos eram considerados capazes de reconhecer emoções, tanto de outros humanos como de outros animais.
Mas a pesquisa de Natalia mudou tudo. “Um dos resultados mais interessantes deste trabalho é mostrar que os cães são os únicos animais, fora os seres humanos, que conseguem reconhecer as emoções entre si e em outras espécies”, comemora.
Um artigo sobre o tema, Dogs recognize dog and human emotions, foi publicado nesta quarta-feira, dia 13 de janeiro, na revista científica Biology Letters, e tem obtido uma grande repercussão na mídia e no meio científico internacional. Uma nota chegou a ser divulgada no site de notícias da Revista Science. A pesquisa teve a coparticipação da professora Carine Savalli, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), entre outros pesquisadores.
De acordo com a pesquisadora, os resultados dos experimentos mostram que os cães reconheceram muito bem as expressões humanas de raiva e alegria. No entanto, eles foram ainda melhores em reconhecer as expressões de outros cães. “Por isso, acreditamos que esta é uma habilidade intrínseca deles, que são animais naturalmente sociais e já interagiam em seu passado evolutivo com coespecíficos [animais da mesma espécie]“, destaca.
Mas, segundo a bióloga, trata-se também de uma habilidade que deve ter sido altamente vantajosa para o estabelecimento e manutenção das relações com os seres humanos e identificação de pessoas amigáveis ou não.
Os dados foram obtidos durante o mestrado da pesquisadora, apresentado ao Instituto de Psicologia (IP) da USP e realizado parcialmente na Universidade de Lincoln, no Reino Unido, onde Natalia é atualmente pesquisadora visitante. A bióloga trabalhou com o grupo do pesquisador Daniel Mills, coorientador do mestrado, um dos maiores especialistas mundiais em comportamento animal. No IP, a orientação foi da professora Emma Otta.
Associando o som à imagem
A metodologia utilizada foi desenvolvida em 1964 pelo psicólogo Robert Lowell Fantz para ser aplicada em crianças na fase não verbal, mas já foi usada em primatas. Natalia analisou o comportamento de 17 cães, que não passaram por nenhum tipo de treinamento ou tiveram qualquer contato com os estímulos utilizados. Eles foram colocados, individualmente, em uma sala, a cerca de dois metros de distância de um painel contendo duas grandes telas. Uma segunda experimentadora segurava o animal, mas sem interagir com ele. O cão ficava sentado, de frente para o painel.
Natalia permaneceu atrás do painel, sem estar visível, observando duas câmeras: uma focava o animal e a outra mostrava a imagem das telas. Um jogo de luzes, no meio do painel, chamava a atenção do animal no início de cada teste. Quando ele olhava para a região central, Natalia exibia nos telões duas imagens: de um lado, a face de uma pessoa com expressão de raiva e, no outro, a imagem da mesma pessoa com expressão de alegria. Esses estímulos eram de cães e humanos (femininos e masculinos). As imagens eram de pessoas e animais desconhecidos dos participantes e em tamanho real.
Simultaneamente à exibição da imagem, era tocado um som, que poderia ser uma vocalização (voz para humanos e latidos para cachorros) que poderia ser positiva, negativa ou um som neutro. “Para os seres humanos, utilizamos a expressão ‘venha cá’, em português, pois todos os cães eram ingleses e queríamos utilizar uma língua totalmente desconhecida para eles”.
O som era tocado e repetido durante 5 segundos, mesmo tempo de duração de apresentação dos estímulos visuais. A pesquisadora analisou o comportamento dos cães, observando os movimentos dos olhos e da cabeça. Ela percebeu que eles associavam os sons às imagens. Diante de um som positivo, eles passavam mais tempo olhando para a imagem correspondente a essa emoção positiva. “Se o animal consegue reconhecer aquele estímulo sonoro, ele passa mais tempo observando a imagem correspondente. Ele reconhece o conteúdo emocional do estímulo”, destaca.
Segundo ela, nesse caso, a única correspondência entre voz / latido e uma expressão facial é o conteúdo emocional. “São estímulos de modalidades sensoriais diferentes, um é auditivo, o outro é visual, e não há correspondência direta. Se os cães respondem apropriadamente ao experimento, é porque ao escutar o som eles ativam uma representação cognitiva daquela emoção que vai ser utilizada no momento de discriminar entre as duas telas. Isto quer dizer que eles conseguem categorizar e reconhecer as emoções”, finaliza.
Agora, em seu doutorado, a pesquisadora continua trabalhando numa parceria entre a USP e a Universidade de Lincoln sobre o tema. O foco desta vez é entender quais são os mecanismos que os animais utilizam para reconhecer essas emoções.
Imagens cedidas pela pesquisadora
Mais informações: e-mail natalia.ethology@gmail.com, com a pesquisadora Natalia de Souza Albuquerque
Publicado originalmente: http://www.usp.br/agen/?p=226431