Pesquisadores debatem os limites da psicologia nos ambientes prisionais

Na palestra “Sistema Penitenciário e Psicologia Criminal”, ministrada por pesquisadores na Semana de Psicologia da USP, foram discutidos os problemas enfrentados pela psicologia dentro das prisões

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Pensando no cenário penitenciário brasileiro, pesquisadores da área de Psicologia Social têm tentado compreender como combater as mazelas existentes no sistema prisional. Nesse sentido, os trabalhos de Arlindo da Silva Lourenço, Clarissa Pepe Ferreira e Gustavo Martineli Massola foram apresentados na Semana de Psicologia da USP, com o intuito de discutir os problemas enfrentados pela psicologia dentro das prisões.

Segundo dados do relatório do Infopen, publicado em 2016, cerca de 40% dos mais de 600 mil presos no Brasil estão encarcerados provisoriamente. Isso significa que quase 250 mil pessoas ainda não foram sequer julgadas.

Ainda de acordo com o relatório, considerando que 37% dos réus que respondem ao processo presos não serão condenados à pena privativa de liberdade – ou seja, eles não serão sentenciados à prisão, propriamente dita –, percebemos a razão de o Conselho de Direitos Humanos da ONU investigar as alegações de privação arbitrária de liberdade no Brasil. O país, ao contrário do que exigem as leis e normas internacionais de direitos humanos, não tem utilizado a prisão somente para delitos graves, mas como regra para a maioria dos crimes, deixando penas e medidas alternativas no esquecimento.

A psicologia dentro das penitenciárias

DSC 0700 2Segundo Arlindo da Silva Lourenço, Doutor em Psicologia Social pelo IPUSP, na década de 1990, a principal função dos psicólogos dentro da prisão era a realização de avaliações e laudos psicológicos. A finalidade dessas atividades era a elaboração de exames de progressão de pena – também conhecidos como exames criminológicos.

Mesmo que a validade desses exames fosse muito contestável entre os profissionais responsáveis por sua execução, não havia como se esquivar da obrigação, porque, como esclarece Lourenço, “sobrava pouco ou nenhum_ espaço_ para_ a _psicologia_ social”. Logo, o trabalho psicológico ficava restrito a tarefas quase que alienantes.

Conforme Lourenço explica, outro problema era a proteção do psicólogo. “Como a segurança é uma questão limitadora em vários âmbitos na penitenciária, não há, verdadeiramente, um atendimento psicológico, psiquiátrico e social”, afirma.

Assim, a falta de acompanhamento e de intervenção real na rotina dos presos, aliada à carência de espaços para atendimento, faz com que outros tipos de serviços psicológicos prestados, como o trabalho em grupo, sejam inimagináveis dentro da prisão.

De acordo com o psicólogo, a assistência aos presos é tão escassa que se torna comum presenciar o fenômeno da “terapia mais breve possível”. A exemplo, Lourenço relata que um dos pacientes ficou na sessão por 10 minutos e concluiu: “Doutor, estou curado!”. Ele retrucou dizendo que “Um psicólogo não é um mágico”, mas o paciente argumentou: “Doutor, você me ouviu por 10 minutos. Sabe quando alguém aqui me ouviu por 10 minutos?”. Para o pesquisador, essa narração não demonstra que o preso buscava necessariamente uma cura, mas, sim, alguém que o ouvisse sem julgá-lo, situação com a qual os presidiários não estão acostumados.

A função da prisão

Em sua tese de doutorado, Lourenço afirma que “a prisão é uma instituição de arrebatamento coletivo. É praticamente impossível ingressar nos estabelecimentos prisionais e deles sair sem que, de alguma forma, nos assombremos, seja pela arquitetura singular, seja pelo conjunto de dispositivos”.

No livro “Microfísica do poder”, Foucault descreve o círculo vicioso da prisão, que fabrica delinquentes que são úteis à economia e à política. Com efeito, esse problema parece ser efetivo na medida em que o “Mapa das Prisões”, realizado pela Conectas, é observado. No Brasil, “mais de 60% dos detentos são pretos ou pardos, 74% têm menos de 35 anos e 70% não superaram o Ensino Fundamental”.

Por outro lado, Lourenço diz que, estatisticamente, “quanto mais subimos na escala da escolarização, menores são as chances de sermos presos”. Tanto é assim que, conforme dados do Ministério da Justiça, até junho de 2013, menos de 1% da população carcerária brasileira tinha o Ensino Superior.

A respeito da relação da prisão com a sociedade, o professor doutor do IPUSP Gustavo Martineli Massola explica que, segundo hipóteses de estudiosos da área, a função da prisão é “conter a grande massa de pessoas que simplesmente não tem mais função econômica na sociedade. A primeira opção seria dizimá-las, mas, como isso é inviável, essas pessoas são encarceradas”.

Por isso, conforme mostra o relatório do Infopen, em dezembro de 2014, havia mais de 622 mil presos, o que dá ao país o título de quarta maior população penitenciária do mundo.

A conclusão a que se pode chegar a partir destes dados é, portanto, a de que vige um processo de criminalização da pobreza.

Privatização como solução?

No que se refere à privatização de presídios, Lourenço afirma que dados disponíveis no relatório “Prisões privatizadas no Brasil em debate” (2014), da Pastoral Carcerária, mostram que essa não é uma solução viável, já que “o Estado não gasta menos e os serviços não são melhores”, conta o psicólogo.

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Também a respeito desse assunto, Massola afirma que “as experiências que existem de privatização mostram que os serviços e a estrutura não são melhoradas, o tempo de encarceramento não diminui – porque as pessoas não se recuperam mais rápido –, nem sequer o Estado economiza. No caso do Rio Grande do Sul, por exemplo, o governo tem gastado mais dinheiro com as privatizações”.

O professor chama a atenção, especificamente, para os interesses econômicos que envolvem a privatização. Ele explica que deixar a cargo de administrações privadas a segurança dos presídios aumenta a probabilidade de que o número de presos e o seu tempo de cumprimento de pena sejam ampliados com o único objetivo de elevar os lucros das empresas responsáveis.

A compreensão do que é crime

DSC 0700 3Clarissa Pepe Ferreira, graduada em Direito e doutoranda em Psicologia Social, revela que “assumimos que o crime tem uma identidade ontológica, e, na verdade, o crime é uma construção. Define-se o que é crime segundo os momentos históricos e as situações”.

Por isso, é necessário “pensar o crime como um ato simbólico que é quase um pedido de socorro”, esclarece Ferreira.

Com relação às transgressões cometidas por adolescentes, a pesquisadora relata que “existe uma teoria criminológica que fala sobre o cometimento do crime como alívio de uma frustração vivida dentro do contexto social. No caso da juventude, essa frustração é muito mais latente se as condições onde esse sujeito vive são de uma exclusão dura e selvagem. Portanto, sendo essa frustração exponencializada, o sujeito tenta aplacá-la com o delito”.

Quanto ao tema da maioridade penal, Massola relembra que Piaget, ao estudar como as crianças e os adolescentes se relacionam com as leis e as normas sociais, mostrou que essa relação é diferente entre elas e os adultos. “Para as crianças, as normas são, de fato, concretas”, conta o professor. Por esta razão, ele explica que quando um adolescente comete um ato classificado como crime, sua compreensão das normas é diferente da de um adulto, para quem já é possível compreender que as leis apresentam caráter histórico e mutável e, portanto, são criações humanas coletivas.

É possível desmontar a instituição prisional?

Ainda que subsistam, timidamente, ideais iluministas de um presídio humanizado e ideais médicos de um presídio como processo ressocializador, “a discussão sobre crime e penitenciária tem interesses outros que não o de diminuir o número de prisões, a violência contra os jovens e as práticas de extermínio cometidas contra essas pessoas, que, em sua maioria, são negras e periféricas”, assegura Massola.

Em seu doutorado, o professor constata que, “sobre o pano de fundo geral de um sistema penitenciário representado socialmente como ‘falido’, delineia-se um outro tipo de instituição que projeta uma imagem diametralmente oposta a esta: a imagem de sucesso”. Isto é, uma imagem que é construída como forma de justificar a necessidade da existência de uma instituição cruel e pouco ou nada ressocializadora.

Ferreira afirma que “o sujeito preso é o bode expiatório escolhido pelo sistema para produzir na sociedade um efeito de justiça, de harmonia social”, além de provocar medo no restante da população. Essa ponderação a faz concluir que é necessário “matar ou desfazer o carcereiro que existe dentro de cada um de nós, revendo o nosso desejo e a nossa necessidade punitiva”, uma reflexão fundamental para trazer de volta o respeito aos direitos humanos.

Texto e fotos: Anátale Garcia
Edição: Islaine Maciel
Conselho editorial: Gustavo Martineli Massola

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